Acórdão Nº 5001146-05.2019.8.24.0091 do Terceira Câmara de Direito Público, 14-09-2021

Número do processo5001146-05.2019.8.24.0091
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5001146-05.2019.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: CAROLINE DOS SANTOS ANASTACIO (IMPETRANTE) APELADO: POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA (IMPETRADO) APELADO: Comandante Geral - POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis (IMPETRADO) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Caroline dos Santos Anastácio impetrou mandado de segurança em face de ato supostamente ilegal praticado pelo Estado de Santa Catarina, Polícia Militar do Estado de Santa Catarina e Comandante Geral - Polícia Militar do Estado de Santa Catarina - Florianópolis, sob o argumento de que fora prejudicada no certame regido pelo Edital n. 042/CGCP/2019, referente a concurso público para ingresso no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar de Santa Catarina, em razão da equivocada correção das questões n. 28, 30, 32, 34, 37, 39, 40, 41 e 44, prejudicando a sua classificação.

Sustentou que as referidas perguntas cobraram temas sem previsão no conteúdo programático do Edital, razão pela qual deveriam ser anuladas, o que fora negado na via administrativa.

A liminar pleiteada foi parcialmente deferida (Evento 3) tão somente "para anular a questão n. 32 e determinar que a autoridade coatora atribua ao candidato a pontuação correspondente". Interposto agravo de instrumento, este restou, posteriormente, prejudicado pela perda do objeto.

Devidamente notificado, o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina apresentou informações, destacando que a Comissão de Concurso reuniu-se em várias oportunidades para analisar recursos administrativos, concluindo pelo reconhecimento da validade das inquirições ora impugnadas. Ponderou que, consoante decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no tema de repercussão geral n. 485, "não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade" (Evento 26).

Na sequência, o Estado de Santa Catarina requereu seu ingresso na lide.

O representante do Ministério Público manifestou-se pela anulação tão somente da questão de n. 32.

Sobreveio sentença de concessão parcial da segurança, confirmando a tutela antecipada anteriormente deferida, para anular a questão de n. 32, determinando a reclassificação da impetrante no certame.

Irresignada, a impetrante interpôs apelação cível pleiteando o prequestionamento do art. 37 da CF ante a ofensa ao princípio da legalidade. Sustentou haver vícios insanáveis nas questões, visto que veiculam conteúdo estranho ao edital de regência, de modo que legítima a atuação judicial, sem caracterizar análise do mérito administrativo.

Foram apresentadas contrarrazões e os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Eliana Volcato Nunes, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do reexame necessário e do recurso de apelação.

É o breve relatório.

VOTO

Objetiva a apelante a reforma da sentença de concessão parcial da segurança que anulou apenas a questão de n. 32 e, como corolário, determinou a reclassificação da impetrante no certame regido pelo Edital n. 042/CGCP/2019.

Registre-se que, nos termos do art. 1° da Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".

Especificamente sobre o tema em debate, esclarece-se, de plano, a inviabilidade do Poder Judiciário adentrar na competência da banca examinadora para avaliar a pertinência da matéria cobrada ou os critérios de correção das provas aplicadas em certame público. Excepciona-se, contudo, a sua intervenção nos casos em que houver manifesta ilegalidade ou inconstitucionalidade, hipótese em que poderá exercer juízo de compatibilidade entre o conteúdo das questões e as disposições originalmente contidas no conteúdo programático do Edital de regência.

A propósito, tal entendimento restou assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, ao decidir o Tema 485, no sentido de que "Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.".

Confira-se a ementa do precitado aresto:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. 2. CONCURSO PÚBLICO. CORREÇÃO DE PROVA.Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido (RE n. 632853/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23-04-2015).

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça mantém o entendimento de que ao Poder Judiciário não é dado substituir-se à banca de concurso para o fim de corrigir as provas prestadas pelos candidatos. Veja-se:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DISCURSIVA. CORREÇÃO. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é vedado ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora do certame para reexaminar questões de prova, sob pena de indevida incursão no mérito do ato administrativo, ressalvado o exame da legalidade dos procedimentos e a análise da compatibilidade entre o conteúdo das questões e o previsto no edital do certame. [...] 3. Agravo não provido. (AgInt no RMS 62.272/MG, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 05-10-2020, DJe 07-10-2020).

A orientação igualmente é seguida nesta Corte Estadual de Justiça, conforme verifica-se:

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. AUDITOR FISCAL TRIBUTÁRIO. PROVA OBJETIVA. ANULAÇÃO DE QUESTÃO. ARGUIÇÃO DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESES QUE PERMITAM A INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. "'Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes" (STF, RE n. 632853/CE, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 23/04/2015 - destaquei)." (TJSC, Mandado de Segurança n. 4029289-37.2018.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. em 27-2-2019). (TJSC, Apelação Cível n. 0300854-62.2017.8.24.0039, de Lages, rel. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 29-10-2019).

No mesmo sentido: Apelação n. 5059162-25.2020.8.24.0023, relator Des. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, julgado em 13-04-2021; Apelação n. 5002899-60.2020.8.24.0091, relator Des. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, julgado em 22-07-2021; Apelação n. 5016052-63.2020.8.24.0091, relator Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, julgado em 22-06-2021.

Esclarecidos tais pontos, passa-se à análise das questões de ns. 28, 30, 34, 37, 39, 40, 41 e 44 do Edital n. 042/CGCP/2019 para admissão no Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar (CFSD), que, segundo afirmado pela impetrante ora apelante, abordaram matérias não previstas no conteúdo programático.

Com efeito, assim estão previstas as aludidas inquirições:

Questão n. 28:

Sobre os direitos sociais, assinale a afirmativa correta.A) Em virtude do princípio da reserva do possível e separação de poderes, não deve o Poder Judiciário determinar a construção de creche pelos municípios.B) São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, a moradia, a paz, a previdência social, a propriedade, a assistência aos desamparados.C) É facultativa a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho.D) Suponhamos que Lei X ab-rogue a Lei no 8.080/1990 (lei do SUS). Neste caso, se a Lei X não criar outros meios alternativos capazes de mitigar os prejuízos decorrentes de sua supressão, haverá inconstitucionalidade da lei nova, com baseno princípio da vedação ao retrocesso (efeito cliquet).E) Entende-se por direitos sociais as liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos, proporcionando condições de vida mais decentes e condignas com o primado da igualdade real, sendo prestações negativas, de primeira geração.

Alega a apelante que "a banca cobrou entendimento conceitual e doutrinário, do qual o texto constitucional não disciplina de forma expressa e, não estando previsto conceitos e doutrinas no conteúdo programático, a alternativa claramente extrapola o edital".

A inquirição voltava-se ao tema "direitos sociais", matéria expressamente prevista no Anexo III do Edital. Veja-se: "NOÇÕES DE DIREITO CONSTITUCIONAL: Constituição Federal: Dos Princípios Fundamentais. Dos Direitos e Garantias Fundamentais - Dos direitos e deveres individuais e coletivos; Dos direitos sociais".

O fato de não haver previsão expressa no edital quanto ao entendimento doutrinário, não exime o candidato de conhecer e dominar a totalidade da extensão da matéria cobrada, sobretudo por não haver menção sobre a limitação da cobrança da letra pura da lei, razão pela qual não merece prosperar as alegações da recorrente no ponto.

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