Acórdão Nº 5001164-41.2022.8.24.0052 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 23-08-2022

Número do processo5001164-41.2022.8.24.0052
Data23 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001164-41.2022.8.24.0052/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001164-41.2022.8.24.0052/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478) APELADO: IZAURA SANTOS (AUTOR) ADVOGADO: GUSTAVO BOGO VOLPATO (OAB SC048989)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência, oriunda da 2ª Vara Cível da Comarca de Porto União (evento 22), prolatada na denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos da fundamentação, para os fins de:

a) DECLARAR a inexigibilidade do valor descontado na folha de pagamento da parte autora a título de RMC estabelecido pelo banco réu.

b) CONDENAR a parte ré à restituição simples dos valores retidos indevidamente, os quais devem ser apurados mediante cálculo aritmético, corrigidos monetariamente pelo INPC desde cada desconto e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação;

c) RESOLVER o contrato entabulado entre as partes e DETERMINAR a devolução, pela parte autora, dos valores creditados em sua conta bancária referente ao contrato discutido nos autos, acrescidos de correção monetária pelo INPC e juros de 1% ao mês, ambos a contar da data de cada disponibilização na conta do autor;

d) CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento (Súmula n. 362 do STJ) e juros legais desde a citação.

e) DETERMINAR a compensação do valor a ser devolvido pela parte autora (item "c"), com as verbas que tem direito a receber (itens "b" e "d").

Face à sucumbência recíproca, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais na proporção de 70%; arcando, a parte autora, com os 30% remanescentes.

Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, considerando o valor e a simplicidade da causa, o seu rápido deslinde e o julgamento antecipado do mérito, distribuídos na proporção da sucumbência, vedada a compensação (art. 85, §14, CPC).

Em suas razões recursais (evento 30), a casa bancária ventila a prescrição trienal e a decadência, nos termos art. 206, §3º, V e 178, do Código Civil. Sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 34).

Este é o relatório.

VOTO

Insurge-se a instituição financeira contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Prescrição e decadência

Como prejudicial de mérito, a recorrente afirma a prescrição da pretensão autoral de indenização dos danos morais e materiais, alegando que a pretensão da parte recorrida, visando indenização por danos morais e materiais, encontra-se prescrita, conforme regra disposta no art. 206, § 3º, V, do Código Civil.

Sem razão, a apelante.

Conforme tem se manifestado este Órgão Fracionário, "a pretensão da demandante tem natureza dúplice, qual seja, declaratória, que visa a nulidade do contrato em razão de abusividades e condenatória, que almeja o ressarcimento pelos descontos indevidos, bem como a indenização por danos morais. Contudo, sob qualquer ótica, seja quanto a pretensão declaratória ou, ainda, a condenatória, não há falar em prescrição" (Apelação Cível n. 0302134-35.2019.8.24.0092, rel. Des. Rejane Andersen, j. em 24/9/2019), porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora.

Nesse sentido:

É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019) (sem grifos no original)

E:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. De acordo com o entendimento desta Corte, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. No tocante ao termo inicial do prazo prescricional, o Tribunal de origem entendeu sendo a data do último desconto realizado no benefício previdenciário da agravante, o que está em harmonia com o posicionamento do STJ sobre o tema: nas hipóteses de ação de repetição de indébito, "o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional corresponde à data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento" (AgInt no AREsp n. 1056534/MS, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 20/4/2017, DJe 3/5/2017). Incidência, no ponto, da Súmula 83/STJ. 3. Ademais, para alterar a conclusão do acórdão hostilizado acerca da ocorrência da prescrição seria imprescindível o reexame do acervo fático-probatório, vedado nesta instância, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 1372834/MS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 29/3/2019) (sem grifos no original)

Dessarte, ainda que aplicada a contagem do prazo prescricional de três anos insculpido no art. 206, § 3º, do Código Civil, respectivo lapso sequer teve seu curso iniciado pois, na data do ajuizamento da presente demanda (17/3/2022), o dano discutido sequer havia cessado, conforme se evidencia dos extratos de Evento 1, CARNE_INSS6, que apontam dedução à título de "pagamento débito em folha" em 7/2/2022.

Portanto, rejeita-se a rebeldia, no ponto.

Contratação via cartão de crédito consignado

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A...

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