Acórdão Nº 5001175-26.2021.8.24.0175 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 14-07-2022

Número do processo5001175-26.2021.8.24.0175
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001175-26.2021.8.24.0175/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: MARIA LUCIA FERREIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

BANCO BMG S.A. interpôs recurso de apelação da sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação anulatória de negócio jurídico c/c suspensão de descontos e indenização por danos morais com pedido de tutela de urgência" ajuizada por MARIA LUCIA FERREIRA.

O dispositivo da sentença foi redigido no seguinte teor (evento 19, SENT1):

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil:

3.1 JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por Maria Lucia Ferreira em face de Banco BMG S.A e, por conseguinte, DECLARO a nulidade da modalidade contratual sub judice (contrato de cartão de crédito consignado), determinando que as partes voltem ao status quo ante, devendo os valores depositados na conta bancária da parte autora, atualizados monetariamente pelo INPC desde a disponibilização, serem compensados com a restituição dos valores descontados indevidamente pela parte ré a título de RMC, atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar de cada desconto.

3.2 JULGO PROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais formulado por Maria Lucia Ferreira em face de Banco BMG S.A e, por conseguinte, CONDENO a parte ré a pagar à parte autora a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigida monetariamente pelo INPC, a partir do arbitramento, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde o primeiro desconto no benefício previdenciário.

Tendo em vista a procedência dos pedidos -- o que confirma a probabilidade do direito -- e o perigo na demora de se permitir descontos diretamente em proventos inerentes ao mínimo existencial da parte autora, CONCEDO a tutela de urgência para determinar que a parte ré, no prazo de 5 dias, suspenda os descontos realizados a título de RMC, relativos ao contrato objeto da lide.

Em caso de descumprimento da medida, incidirá multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada no patamar máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Em virtude de sua sucumbência, condeno a parte ré, ainda, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados, consoante o grau de zelo do profissional, a baixa complexidade da causa e a inexistência de outros atos processuais, em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, ex vi do prescrito no art. 85, § 2º, do CPC.

O banco réu opôs embargos de declaração (evento 25, EMBDECL1), os quais foram rejeitados (evento 27, SENT1).

Em suas razões recursais (evento 35, APELAÇÃO1), a instituição financeira ré alegou, preliminarmente, o descabimento da eventual aplicação de multa cominatória, a qual se mostra exagerada, desproporcional e desprovida de amparo legal. Alegou, ainda, que o valor imposto a título de multa gera evidente enriquecimento sem causa à parte autora, o que deve ser corrigido.

Requereu, também, que seja reconsiderada a determinação de "baixa" na RMC, vez que se trata de medida irreversível e, portanto, incabível antes do trânsito em julgado da ação, ou, alternativamente, que seja determinada a suspensão dos descontos (e não a liberação da margem) até o julgamento definitivo da demanda.

Em prejudicial de mérito, arguiu a prescrição e decadência da pretensão autoral.

No mérito, defendeu a legalidade da contratação, cujas cláusulas são redigidas de forma simples, clara e de fácil compreensão.

Destacou que a parte autora realizou 1 (um) saque autorizado no momento da contratação, além de outros 4 (quatro) saques complementares.

Teceu comentários sobre a sistemática do cartão de crédito consignado e requereu o afastamento dos danos morais e materiais. Sustentou a impossibilidade de conversão do contrato para modalidade de empréstimo pessoal. Alternativamente, requereu que seja expressamente autorizado o abatimento do valor recebido pela parte autora, em razão do saque autorizado efetivado, do total da condenação eventualmente imposta na presente ação.

Por fim, formulou pedido de prequestionamento.

Apresentadas as contrarrazões (evento 40, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte.

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra a sentença que julgou procedentes os pedidos formulados na "ação anulatória de negócio jurídico c/c suspensão de descontos e indenização por danos morais com pedido de tutela de urgência".

Ab initio, ressalto que os pedidos relativos à tutela de urgência serão analisados ao final.

1 Prejudiciais de mérito

1.1 Da prescrição e decadência

Em prejudicial de mérito, o banco apelante arguiu a prescrição da pretensão da parte autora quanto ao ressarcimento pelos danos materiais que alega ter sofrido, nos termos do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil.

Alegou, também, a decadência da pretensão autoral em anular o negócio jurídico, nos termos do art. 178 do Código Civil.

Pois bem. Antecipo que razão não lhe assiste.

A presente demanda possui natureza condenatória e de ressarcimento dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da falha na prestação do serviço bancário, ante o não cumprimento do dever de informação. Em casos tais, entende-se pela não incidência do instituto da decadência, mas apenas da possibilidade de prescrição, que, no caso, é de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.

Além disso, o termo inicial do prazo prescricional é a data do último pagamento/desconto indevido, por se tratar de prestações de trato sucessivo.

Nesse sentido, colhem-se precedentes:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.CONTRARRAZÕES. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL À ESPÉCIE. INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO STJ. TERMO INICIAL. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. LAPSO TEMPORAL NÃO EXAURIDO. [...] (Apelação n. 5004519-87.2021.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 22-3-2022, grifei).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE REVISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.PREFACIAIS DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. APLICABILIDADE AO CASO TÃO SOMENTE DO PRAZO PRESCRICIONAL ESTABELECIDO NO ART. 27 DO CDC. CONTRATO COM PRESTAÇÕES MENSAIS, CONTÍNUAS E SUCESSIVAS. TERMO INICIAL DE CINCO ANOS QUE FLUI A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO EFETUADO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE.[...] (Apelação n. 5005077-16.2021.8.24.0036, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 27-01-2022, grifei).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO COMERCIAL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇAO DE INDÉBITO E INDENIZACÃO POR DANOS MORAIS. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO CONSUMIDOR PARA PAGAMENTO MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. CONTRARRAZÕES. AVENTADA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PELO CONSUMIDOR QUE SE EXTINGUE EM CINCO ANOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 27 DO CDC. QUINQUÊNIO NÃO ESCOADO. PREJUDICIAL REFUTADA. VENTILADA A DECADÊNCIA DO DIREITO À ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. PRAZO DECADENCIAL DO ART. 178 DO CC NÃO APLICÁVEL À AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. ADEMAIS, PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO, COM A RENOVAÇÃO DO PRAZO MÊS A MÊS. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. [...] (Apelação n. 5002630-67.2020.8.24.0011, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rodolfo Tridapalli, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 17-2-2022, grifei).

No caso em apreço, verifica-se que o contrato juntado aos autos foi firmado em 16-3-2016 (evento 12, CONTR4). De acordo com as faturas apresentadas na contestação, os pagamentos por meio de desconto na folha de pagamento ocorreram desde o dia 10-5-2016, até pelo menos 10-5-2021, de forma mensal e contínua (evento 12, FATURA5 e evento 12, FATURA6). Por outro lado, tem-se que a demanda foi ajuizada em 17-3-2021, não havendo, portanto, falar em prescrição ou decadência.

Prejudiciais afastadas.

2 Mérito

2.1 Do contrato de cartão de crédito consignável

Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.

A parte autora/apelada afirma ser nula a contratação do empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), ao argumento de que foi induzida em erro pelo banco réu, uma vez que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado como tantos outros já celebrados entre as partes.

O banco réu/apelante, por sua vez, sustentou a regularidade e a legalidade da contratação.

Pois bem.

Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos...

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