Acórdão Nº 5001193-08.2020.8.24.0167 do Câmara de Recursos Delegados, 27-07-2022

Número do processo5001193-08.2020.8.24.0167
Data27 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação Criminal Nº 5001193-08.2020.8.24.0167/SC

RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA

AGRAVANTE: IRMO CARDOSO DA SILVA JUNIOR (ACUSADO) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

I. C. da. S. J., com base no art. 1.021 do Código de Processo Civil (CPC), interpôs o presente agravo interno em face de decisão exarada pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, alínea "a", do aludido códice, e considerando a posição firmada no bojo de recurso representativo da controvérsia (RE 603.616 RG/RO - Tema 280/STF), negou seguimento ao recurso extraordinário por ele manejado (Evento 47).

Em suas razões recursais, o Agravante sustenta o desacerto do decisum vergastado, aduzindo que o paradigma sobredito foi inadequadamente aplicado.

A defesa afirma, que embora no julgamento do Tema 280 o Supremo Tribunal Federal tenha proclamado ser lícita a entrada forçada em domicílio, sem mandado judicial, quando amparada em fundadas razões que indiquem que dentro da casa ocorra situação de flagrante delito, no caso dos autos não havia justa causa para a invasão da residência.

Alega, nesse pensar, a ausência de motivação apta a legitimar o ingresso em seu domicílio, sem consentimento e sem mandado judicial, salientando "que antes da invasão não havia situação de flagrância ou justa causa que autorizasse a invasão domiciliar" (Evento 59, fls. 03-04), pelo que impõe-se a anulação da ação penal que culminou na sua condenação, defendendo que o acórdão recorrido não está em consonância com a tese firmada no RE 603.616 RG/RO - Tema 280/STF.

Nesses termos, entre outras considerações, requer "seja conhecido e provido o presente Agravo Interno, para determinar a remessa do Recurso Extraordinário interposto ao C. Supremo Tribunal Federal"; e "caso reste o presente recurso não conhecido ou não provido que se verifique a possibilidade de concessão de ordem de habeas corpus de ofício" (Evento 59, fl. 04).

Em sede de contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, "propõe o conhecimento do agravo interno interposto, mas, no mérito, requer que lhe seja negado provimento para manter-se íntegra a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário" (Evento 121, fl. 05).

Ato contínuo, os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

1. O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual é conhecido.

2. No mérito, entretanto, as teses articuladas não prosperam.

Cuida-se de agravo interno mediante o qual se pretende a reforma de juízo negativo de admissibilidade exarado pela 2ª Vice-Presidência deste Tribunal, com consequente ascensão de recurso extraordinário à Corte de destino.

Inicialmente, cumpre registrar que no julgamento do paradigma sobredito (RE 603.616 RG/RO), relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados."

A respeito, pertinente transcrever a ementa do aresto utilizado como referência:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (STF, RE 603616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 5-11-2015 - Tema 280, grifou-se).

Por oportuno, dos fundamentos do voto do Relator, cabe destacar:

[...]

No caso da inviolabilidade domiciliar, em geral, é necessário o controle judicial prévio - expedição de mandado judicial de busca e apreensão. O juiz analisa a existência de justa causa para a medida - na forma do art. 240, §1º, do CPP, verifica se estão presentes as "fundadas razões" para a medida - e, se for o caso, determina a expedição do mandado de busca e apreensão.

No entanto, é a própria Constituição que elenca exceções - entre elas o flagrante delito - nas quais dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em casa. Em crimes permanentes, o agente está permanentemente em situação de flagrante delito. Assim, seria de difícil compatibilização com a Constituição exigir controle judicial prévio para essas hipóteses.

Da mesma forma, a cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. Talvez porque, nessas hipóteses, presume-se urgência no ingresso na casa.

Essa urgência é presumida independentemente de o crime envolver violência ou grave ameaça à pessoa.

Nas hipóteses em que a Constituição dispensa o controle judicial prévio, resta o controle a posteriori. Pelo entendimento atualmente aceito na jurisprudência, se a situação de flagrante se confirma, qualquer controle subsequente à medida é dispensado. Não se exige das autoridades policiais maiores explicações sobre as razões que levaram a ingressar na casa onde a diligência foi realizada.

Assim, voltando ao exemplo da droga mantida em depósito em residência, se o policial obtém, mediante denúncia anônima, a informação de que a droga está naquela casa, não poderá pedir mandado judicial, porque ninguém se responsabilizou validamente pela declaração - art. 5º, IV, CF. No entanto, poderá forçar a entrada na casa e fazer a prisão em flagrante. Se, eventualmente, vier a ser indagado, poderá pretextar que soube da localização da droga por informações de inteligência policial. De qualquer forma, a solidez das informações que levaram ao ingresso forçado não é analisada.

Já afirmamos que essa solução é menos insatisfatória. Em consequência, resta fortalecer o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa. Ou seja, que havia...

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