Acórdão Nº 5001194-02.2023.8.24.0033 do Primeiro Grupo de Direito Criminal, 31-05-2023

Número do processo5001194-02.2023.8.24.0033
Data31 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Direito Criminal
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Tipo de documentoAcórdão










Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5001194-02.2023.8.24.0033/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


EMBARGANTE: ALEXANDRO FERNANDES RODRIGUES (RECORRIDO) EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE)


RELATÓRIO


Trata-se de embargos infringentes opostos por Alexandro Fernandes Rodrigues contra o acórdão proferido pela Primeira Câmara Criminal que, na sessão de julgamento do Recurso em Sentido Estrito realizada no dia 30/3/2023, "decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso ministerial e, por maioria de votos, dar-lhe provimento a fim de cassar a decisão de rejeição da denúncia, de modo que o processo siga seus ulteriores termos na origem; vencida a Desembargadora Ana Lia Moura Lisboa Carneiro que votou no sentido de negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Desembargador Carlos Alberto Civinski que lavrará o acórdão" (evento 14, Extratoata1).
O embargante pretende, em síntese, a prevalência do voto vencido a fim de manter a decisão que rejeitou a Denúncia diante da ausência de justa causa a validar o ingresso dos policiais em sua residência, razão pela qual requer sejam acolhidos os presentes embargos (evento 20, Embinfr1).
Admitidos os embargos, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Dr. Marcelo Truppel Coutinho, manifestou-se pelo conhecimento e não acolhimento dos infringentes (evento 25, Promoção1).
Este é o relatório que submeto à apreciação do i. Revisor.




Documento eletrônico assinado por LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3441529v8 e do código CRC 43463bb5.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZAData e Hora: 10/5/2023, às 16:27:43
















Embargos Infringentes e de Nulidade Nº 5001194-02.2023.8.24.0033/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA


EMBARGANTE: ALEXANDRO FERNANDES RODRIGUES (RECORRIDO) EMBARGADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE)


VOTO


Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso.
O embargante, em síntese, requer a prevalência do voto da Relatora originária, Desa. Ana Lia Moura Lisboa Carneiro que, não obstante vencida, compreendeu pela manutenção da decisão de primeiro grau que rejeitou da Denúncia, escorada na ausência de justa causa para ingresso dos policiais em sua residência, conforme observa-se do teor de seu voto:
Para melhor compreensão da controvérsia, oportuno transcrever a decisão combatida:
Trata-se de denúncia que imputa a Alexandro Fernandes Rodrigues a prática do crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06.
A denúncia deve ser rejeitada, por ausência de justa causa.
No inquérito (APF) relacionado foram ouvidos dois policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante.
O policial militar Adair disse: a guarnição tem ciência da intensa prática do crime de tráfico de drogas no bairro Matadouro; na data da ocorrência foi observada grande movimentação de usuários na localidade, próximo ao campinho de futebol; pediram apoio de outra guarnição; quatro policiais militares ingressaram na localidade a pé; foi feito o patrulhamento na região do campinho; na metade da rua Wilson Cordeiro, próximo ao Bar da Aninha, frequentado por usuários de drogas, foi avistado um masculino vestindo roupa preta, parado em frente a um imóvel com portão de metal, perto do numeral 26 daquela rua; quando esse masculino viu os policiais "tentou se evadir, não conseguiu, pra dentro de uma quitinete, próxima desse bar"; foi abordado pelos policiais "ali"; foram feitas buscas no "perímetro interno e externo dentro dessa quitinete"; dentro da quitinete, próximo ao portão onde o conduzido estava, foi encontrada uma meia de criança, dentro da qual havia várias pedras de crack; o conduzido relatou que estava traficando há poucos dias e que o dono da droga era José, o qual reside na quitinete; a droga havia sido deixada para o conduzido vender (evento 1, vídeo 2).
A policial militar Maite relatou: a guarnição estava fazendo incursão na rua Wilson Cordeiro (Matadouro), local conhecido pelo tráfico de drogas; foi avistado um masculino sentado em frente a um portão prateado; quando viu a guarnição ele correu; a guarnição foi atrás e o abordou; feita busca pessoal, com ele nada foi encontrado; porém, "no local, no perímetro" foram encontradas, dentro de uma meia de criança, 48 "buchinhas" de crack (evento 1, vídeo 3).
O conduzido ficou em silêncio (evento 1, vídeo 4).
Pelo que se infere das narrativas dos policiais, eles fizeram uma incursão numa rua onde possivelmente estaria ocorrendo o tráfico de drogas. Em determinado momento, viram o acusado sentado em frente a um imóvel com portão de metal, perto do n. 26 da rua Wilson Cordeiro. Ao avistar os policiais, o acusado tentou se evadir, para dentro de uma quitinete, porém foi impedido e abordado. Não ficou muito claro o exato local da abordagem, mas se o réu estava na rua, em frente a um portão, e tentou se evadir, sem êxito, para dentro de um imóvel, é forçoso concluir que foi abordado ainda na rua, antes de conseguir chegar ao local visado.
Em busca pessoal, nada de ilícito foi encontrado com o acusado. Ou seja, ele não tinha nada de ilícito. Também não foi flagrado oferecendo ou negociando entorpecentes, ou em situação típica do tráfico de drogas. Aliás, ele foi visto parado, sentado, em frente a um portão. Então, pelo simples fato do réu ter tentado se evadir, os policiais passaram a fazer buscas no "perímetro", inclusive dentro de uma quitinete, sem permissão do proprietário/morador. Dentro dessa quitinete, os policiais aprenderam 48 pedras de crack.
Ou seja, os policiais ingressaram dentro de uma residência (quitinete) apenas porque o réu, que estava na via pública ou calçada, ali próximo, sentado, tentou se evadir ao avistar a guarnição.
Segundo o art. 5º, XI, da CRFB, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
Pelos que se infere dos elementos colhidos até agora, nenhuma das hipóteses acima restou configurada.
O fato do crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, na modalidade guardar/armazenar, ser uma infração penal permanente não significa que, no caso em análise, havia situação de flagrante delito a autorizar o ingresso na residência, independentemente de mandado.
A situação de flagrância, que excepciona a garantia fundamental da inviolabilidade do domicílio, é aquela depreendida pelo agente público antes de ingressar no imóvel e que, por isso, legitima a decisão de nele entrar. Isto é, deve haver, no mínimo, fundada suspeita de uma situação de flagrante delito antes do agente ingressar na casa (justa causa). Não se pode ingressar e, depois, legitimar a conduta com a constatação fortuita de que ali estava ocorrendo um crime.
Esse é o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em...

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