Acórdão Nº 5001195-43.2020.8.24.0016 do Segunda Câmara Criminal, 06-10-2020

Número do processo5001195-43.2020.8.24.0016
Data06 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5001195-43.2020.8.24.0016/SC



RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO


APELANTE: NICANOR ALVES (RÉU) ADVOGADO: JULIANE PEROTONI (OAB SC033765) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Capinzal, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Nicanor Alves, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 157, caput, e 331, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:
Fato 1
No dia 8 de maio de 2020, por volta das 15h20min, em via pública, na Rua Carmelo Zoccoli, Centro, nesta cidade e Comarca de Capinzal, o denunciado Nicanor Alves, reincidente em crime doloso (certidões do evento 9), subtraiu para si, mediante violência física em face da vítima João Maria Rodrigues Pereira, pessoa idosa, à época com 69 anos de idade, a sua carteira contendo a quantia de R$ 1.214,00 (um mil, duzentos quatorze reais).
Segundo consta, no fatídico dia, a vítima estava no centro da cidade quando percebeu estar sendo seguido pelo denunciado, razão pela qual adentrou em um estabelecimento comercial na tentativa de despistar o indivíduo. Posteriormente, após sair do local, foi abordado pelo denunciado, em plena luz do dia e em movimentada via pública no centro da cidade, o qual de forma violenta, já que agarrou a vítima pelos braços, subtraiu a sua carteira e empreendeu fuga.
Na sequência, populares que visualizaram o crime gritaram por socorro, oportunidade em que o denunciado foi abordado por um policial da reserva, que o conteve até a chegada da guarnição da Polícia Militar.
Fato 2
Nas mesmas circunstâncias de dia, hora e local descritos no fato acima, o denunciado Nicanor Alves desacatou os Policiais Militares Maiquel Jeferson Antunes e Diego Vetorazi, os quais estavam no exercício de suas funções, oportunidade que chamou a guarnição de "lixos, pé de porco, quando eu sair vou dar uma rajada de metralhadora em vocês", expondo eles ao ridículo, em evidente desprestígio a função e a dignidade da atividade exercida pelos funcionários públicos (Evento 1).
Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Nicanor Alves à pena de 6 anos, 4 meses e 6 dias de reclusão e 9 meses e 15 dias de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 22 dias-multa, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 157, caput, e 331, ambos do Código Penal (Evento 110).
Insatisfeito, Nicanor Alves deflagrou recurso de apelação.
Nas razões de insurgência, almeja a decretação de sua absolvição, "eis que manifesta a ausência de provas e em atenção ao princípio in dubio pro reo, com fundamento no art. 386, VII, do CPP".
Postula a proclamação da sua absolvição quanto ao delito de roubo com fundamento no princípio da insignificância, ou a declaração da extinção da sua punibilidade por aplicação, por analogia, do disposto no art. 34 da Lei 9.249/95.
De forma subsidiária, pleiteia a desclassificação de seu agir ao configurador do crime de tentativa de furto, sob a alegação de que não houve emprego de violência ou grave ameaça, assim como de que não obteve posse mansa e pacífica da res furtiva.
Não sendo esse o entendimento do Colegiado, reclama o reconhecimento da tentativa do crime de roubo.
Com relação ao delito de desacato, alude que seu agir é atípico porque proferiu ofensas aos Agentes Públicos "em momento de descontrole emocional, fruto da exaltação em que o apelante foi preso e colocado numa viatura de polícia".
Com relação à dosimetria, requer o expurgo dos antecedentes, aduzindo ofensa ao princípio que veda o bis in idem ou, subsidiariamente, sua consideração em uma única etapa da dosimetria.
Pugna, também, pela compensação entre a reincidência e a confissão espontânea.
Ainda, pleiteia o abrandamento do regime prisional para o aberto e a concessão do direito de recorrer em liberdade.
Por fim, requer a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça e a fixação de honorários recursais à Excelentíssima Defensora Dativa atuante em prol dos seus interesses (Evento 123).
O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 133).
A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Francisco Bissoli Filho, posicionou-se pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, "apenas, para que seja concedido ao apelante o benefício de justiça gratuita e para que sejam fixados os honorários advocatícios à defensora nomeada relativos à sua atuação em grau recursal" (Evento 5).


VOTO


O recurso deve ser conhecido apenas em parte.
1. Não tem interesse recursal o Apelante no que diz respeito ao pedido de concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, pois a providência foi concedida na origem: "Condeno o acusado às custas, porque vencido, suspensa a exigibilidade, enquanto defendido por defensor dativo" (Evento 110).
Vale salientar que a gratuidade da justiça "não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios" (CPC, art. 98, § 2º), que "ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário" (CPC, art. 98, § 3º).
Exceto isto, o recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
2. No tocante ao delito patrimonial (fato 1 descrito na denúncia), a pretensão absolutória, com fundamento na alegação de escassez probatória, não merece guarida.
A ocorrência material e a autoria do fato foram devidamente comprovadas e exsurgem do positivado no boletim de ocorrência (Evento 1, doc1, p. 5 dos autos do Inquérito Policial) e da prova oral colacionada ao feito.
Ouvido em solo administrativo, a Vítima João Maria Rodrigues Pereira esclareceu:
percebeu que estava sendo seguido por um indivíduo, de cor morena, altura aproximada de 1,70m, e "uns 36 anos"; [...] foi abordado pelo referido indivíduo; que este indivíduo segurou o declarante pelos braços com força, retirou sua carteira que estava no bolso de sua calça e saiu correndo; [...] que esclarece que caiu sozinho, não tendo sofrido agressão física por parte do autor do roubo (Evento 1, doc1, p. 12, dos autos do Inquérito Policial).
No contraditório, João Maria Rodrigues Pereira voltou a discorrer sobre o evento, fornecendo mais detalhes a respeito do ocorrido:
foi ao banco receber sua aposentadoria; percebeu que alguém estava lhe seguindo logo após sair da agência; essa pessoa "me pegou pelo pescoço (fez um gesto imitando um golpe de 'gravata'), botou a mão na minha mão, e tirou a mão da minha carteira, eu 'dei' na camisa dele e ele escapou, fui atrás e caí dois tombos". Informado de que, na Delegacia de Polícia, aduziu que foi segurado pelo braço para a subtração da carteira, afirmou "isto". Indagado se foi segurado pelo braço, respondeu "isso; pelo pescoço; pelo braço me retirou a carteira"; o agente foi imobilizado por uma pessoa na rua momentos depois; tinha consigo por volta de R$ 1.200,00 na carteira; recuperou toda a quantia; tem renda de dois salários mínimos mensais; gastou com medicamentos em virtude dos machucados ocasionados pelo tombos. Ainda reconheceu o réu em audiência como sendo a pessoa que lhe roubou (evento 52, doc2, transcrição conforme a sentença, com alterações).
Como é cediço, nos crimes contra o patrimônio, praticados, via de regra, de forma clandestina, consumados apenas na presença do acusado e da vítima, as declarações firmes e harmônicas desta merecem credibilidade e relevância probatória. Isso porque, além de o ofendido ser ao mesmo tempo espectador e sujeito passivo do delito, é a pessoa mais categorizada a reconhecer o agente e narrar com precisão o desenrolar dos fatos, não tendo por objetivo acusar um inocente, senão contribuir para a resolução justa do processo. Logo, a sua palavra possui valor suficiente para alicerçar o decreto condenatório.
Essa é a orientação que emana do Superior Tribunal de Justiça:
Cumpre ressaltar que, nos crimes contra o patrimônio, geralmente praticados na clandestinidade, tal como ocorrido nesta hipótese, a palavra da vítima assume especial relevância, notadamente quando narra com riqueza de detalhes como ocorreu o delito, tudo de forma bastante coerente, coesa e sem contradições, máxime quando corroborado pelos demais elementos probatórios, quais sejam o reconhecimento feito pela vítima na Delegacia e os depoimentos das testemunhas colhidos em Juízo (AgRg no AREsp 865.331, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 9.3.17).
Na hipótese, embora a Vítima tenha apresentado algum embaraço para explicar a ação, tendo em vista sua idade avançada e as circunstâncias em que foram colhidas suas declarações judiciais (audiência por videoconferência por causa das medidas de prevenção ao Coronavírus), ela obteve êxito em esclarecer que sua carteira foi subtraída mediante força física sobre seus membros superiores (além do emprego de um golpe...

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