Acórdão Nº 5001296-96.2020.8.24.0043 do Segunda Câmara Criminal, 26-10-2021

Número do processo5001296-96.2020.8.24.0043
Data26 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5001296-96.2020.8.24.0043/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

APELANTE: ORLANDO AMARAL DE MOURA (ACUSADO) ADVOGADO: LUIZ GERALDO GOMES DOS SANTOS (OAB SC022978) ADVOGADO: TAINARA WAGNER (OAB SC037123) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: JOAO ROBERTO HENKEL (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Mondaí, o Ministério Público ofereceu Denúncia em face de Orlando Amaral de Moura, dando-o como incurso nos arts. 121, §2º, incisos II e IV, do Código Penal e 15 da Lei 10.826/03, em razão dos fatos assim descritos (Evento 1 dos autos de origem):

ATO 1:

No dia 17 de julho de 2020, em horário incerto, mas entre 21h20 e 22h40, na Rua Fabiano Vicente, s/n, Bairro Antas, no Município de Mondaí, o denunciado ORLANDO AMARAL DE MOURA, com manifesta intenção de matar, desferiu disparo de arma de fogo contra a cabeça da vítima Claudemir Schmitz, o que lhe ocasionou a morte em decorrência do traumatismo craniano, conforme Laudo Pericial n. 9427.20.00773.

Acrescente-se que o denunciado agiu imbuído por motivo fútil, pois atirou na vítima em virtude de mero desentendimento anterior a respeito da arma de fogo que o denunciado portava.

O crime ainda foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, pois o denunciado armou-se e surpreendeu a vítima com um único disparo na cabeça "a queima roupa", que prontamente caiu no chão, sem que pudesse esboçar qualquer reação.

Ressalte-se que a vítima foi socorrida pelos Policiais Militares que chegaram ao local, mas faleceu alguns dias depois no Hospital Regional de São Miguel do Oeste.

ATO 2:

No mesmo dia 17 de julho de 2020, momentos antes do crime contra a vida praticado, entre 21h e 22h, próximo à residência de Marcos Antonio Zacarias, na Rua Fabiano Vicente, s/n, Bairro Antas, no Município de Mondaí, o denunciado ORLANDO AMARAL DE MOURA efetuou disparo de arma de fogo em local habitado, já que nas proximidades de diversas residências.

Encerrada a instrução preliminar, a acusação foi admitida nos moldes em que formulada (Evento 73 do feito de origem) e mantida a decisão por este Órgão Fracionário no julgamento do Recurso em Sentido Estrito (Evento 16).

Submetido o réu a julgamento perante o Tribunal do Júri, a Inicial foi julgada procedente e Orlando Amaral de Moura foi condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 17 (dezessete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa, por infração aos arts. 121, §2º, incisos II e IV, do Código Penal e 15 da Lei 10.826/03 (Evento 281 dos autos de origem).

Inconformada, a Defesa interpôs Recurso de Apelação (Evento 294 do feito de origem), em cujas Razões (Evento 307 daquele processo) sustenta, preliminarmente, a nulidade do julgamento, uma vez que o réu foi conduzido algemado à Sessão Plenária.

No mérito, requer a absolvição, por entender que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, já que entende configurada a excludente de ilicitude da legítima defesa. Subsidiariamente, pugna pelo afastamento das qualificadoras e a adequação da reprimenda.

Apresentadas as Contrarrazões (Eventos 327 do feito de origem), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento da insurgência, apenas para que se adeque a reprimenda imposta (Evento 36).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Da preliminar

Sustenta a Defesa, preliminarmente, a nulidade do julgamento, uma vez que o réu foi conduzido algemado à Sessão Plenária, embora posteriormente as algemas tenham sido retiradas.

A tese não merece acolhimento. Vejamos.

O Enunciado 11 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, estabelece: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

É sabido que eventual nulidade decorrente do uso injustificado de algemas na Audiência Instrutória é relativa, e exige suscitação oportuna bem como efetiva demonstração de prejuízo.

No caso dos autos, verifica-se que a Defesa requereu que constasse da Ata o fato de o Apelante ter adentrado à Sessão Plenária com algemas, mas sem demonstrar o efetivo prejuízo suportado.

Constou da Ata da Sessão Plenária:

[...] A defesa solicitou que constasse em ata que o deslocamento entre a porta lateral do plenário e seu local de assento foi realizado com o réu algemado. O juízo deferiu requerimento, determinando a realização desta anotação. A condução foi realizada com algemas para a segurança dos presentes, uma vez que o acusado passa muito próximo dos jurados, da escrevente, do juízo e da promotora. Além disso, no momento da entrada do acusado em plenário, não estava presente no recinto a guarnição da Polícia Militar, circunstância que reforçou a necessidade de utilização da algema entre este deslocamento para segurança do preso e dos presentes. No mais, o acusado acompanhou o restante do julgamento sem algemas ou marcapasso. Os demais deslocamentos também foram realizados sem a utilização de algemas. [...] (Evento 276 dos autos de origem)

Como se vê, o uso de algemas restou devidamente justificado pelo Magistrado de origem, sendo que se deu apenas para entrada do Apelante em plenário, especialmente porque não havia efetivo da Polícia Militar no local, visando a segurança dos presentes, não havendo qualquer mácula.

Em situações semelhantes, esse vem sendo o posicionamento adotado pela Corte Superior, destacando-se o AgRg no AgRg no AREsp 1688482/SE, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 04/05/2021, DJe 10/05/2021:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 474, § 3º, DO CPP. TESE DE NULIDADE. ALEGAÇÃO DE INIDONEIDADE NO USO DE ALGEMAS PERANTE O JÚRI. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ.1. A Corte de origem dispôs que o Magistrado a quo, na sessão plenária, já se debruçou sobre o questionamento, tendo fundamentado, à saciedade, o uso de algemas, pelo Acusado, durante a solenidade de julgamento, não havendo que se falarem qualquer desvio da normalidade jurídica a refletir negativamente no processo crime e no julgamento deste. [...] Na ocasião, assim se pronunciou a Douta Julgadora a quo, in verbis: ?(...) considerando a gravidade do crime pelo qual responde o acusado, o que aponta para a periculosidade de sua personalidade motivando inclusive o desaforamento da presente Sessão, é, de julgamento para esse Juízo, entendo se enquadrar para o caso do réu nas situações de excepcionalidade da Súmula Vinculante de número 11 do Supremo Tribunal Federal (...)?.2. [...] o emprego de algemas durante o julgamento plenário não viola a Súmula vinculante n. 11 do Supremo Tribunal Federal, quando necessário para garantir a segurança de todos os presentes, como demonstrado pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri no caso (HC n. 507.207/DF, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 12/6/2020).3. No caso concreto, a periculosidade do agravante, demonstrada pela necessidade de desaforamento da Sessão, é razão suficiente a justificar a excepcionalidade do uso de algemas.4. "Não se revela desproporcional ou desarrazoado o emprego de algemas quando, pelas circunstâncias da ocasião, a sua utilização se justifica como cautela à integridade física dos presentes" (RHC n. 25.475/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 18/06/2014) (RHC n. 85.305/DF, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 1º/8/2017).5. Agravo regimental desprovido.

Em igual direção, tratando especificamente do caso em que o Apelante é conduzido algemado à Sessão Plenária, tem-se decisão da Terceira Câmara Criminal desta Corte na Apelação n. 0002445-38.2017.8.24.0135, de Navegantes, de Relatoria do Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo, j. 16-06-2020:

APELAÇÃO CRIMINAL (RÉU PRESO). TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E CRIMES CONEXOS DE RECEPTAÇÃO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 121, §2º, II, IV E VI, ART. 180, CAPUT, AMBOS DO CP E ART. 14, CAPUT, DA LEI N° 10.826/03). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO EM RELAÇÃO AO USO DE ALGEMAS DURANTE O INGRESSO DO RÉU NO PLENÁRIO DO JÚRI. NO MÉRITO, PRETENSA ANULAÇÃO DA DECISÃO DOS JURADOS POR SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. RECURSO CONHECIDO E, AFASTADA A PRELIMINAR, DESPROVIDO. - A parte irresignada com o andamento da Sessão Plenária deve insurgir-se no momento oportuno nos moldes dos arts. 571, VIII, e 572, I, ambos do CPP. Eventual nulidade, decorrente da inobservância de formalidade legal, somente deve ser declarada se ocasionou prejuízo ou possa influenciar na deslinde da causa (arts. 564, IV, 566 e 572, II, todos do CPP). - Só haverá novo julgamento do acusado pelo Tribunal do Júri quando a decisão dos jurados for diametralmente oposta às provas coligidas nos autos, não havendo falar em nulidade quando é acolhida uma das teses apresentadas no processo (prática do crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo recurso que dificultou a defesa da vítima), mormente quando tal versão é confirmada pelas provas orais e documentais produzidas nos autos. - Possível o recrudescimento da pena-base quando adequadamente justificada a desvaloração da modular consequências do crime. Na hipótese, o Juiz Presidente do Tribunal do Júri fundamentou adequada e...

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