Acórdão Nº 5001296-96.2020.8.24.0043 do Segunda Câmara Criminal, 16-03-2021

Número do processo5001296-96.2020.8.24.0043
Data16 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5001296-96.2020.8.24.0043/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


RECORRENTE: ORLANDO AMARAL DE MOURA (ACUSADO) ADVOGADO: LUIZ GERALDO GOMES DOS SANTOS (OAB SC022978) ADVOGADO: TAINARA WAGNER (OAB SC037123) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na Comarca de Mondaí, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Orlando Amaral de Moura, dando-o como incurso nos arts. 121, §2º, incisos II e IV, do Código Penal e 15 da Lei 10.826/03, em razão dos fatos assim descritos (evento 1 dos autos de origem):
ATO 1:
No dia 17 de julho de 2020, em horário incerto, mas entre 21h20 e 22h40, na Rua Fabiano Vicente, s/n, Bairro Antas, no Município de Mondaí, o denunciado ORLANDO AMARAL DE MOURA, com manifesta intenção de matar, desferiu disparo de arma de fogo contra a cabeça da vítima Claudemir Schmitz, o que lhe ocasionou a morte em decorrência do traumatismo craniano, conforme Laudo Pericial n. 9427.20.00773.
Acrescente-se que o denunciado agiu imbuído por motivo fútil, pois atirou na vítima em virtude de mero desentendimento anterior a respeito da arma de fogo que o denunciado portava.
O crime ainda foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, pois o denunciado armou-se e surpreendeu a vítima com um único disparo na cabeça "a queima roupa", que prontamente caiu no chão, sem que pudesse esboçar qualquer reação.
Ressalte-se que a vítima foi socorrida pelos Policiais Militares que chegaram ao local, mas faleceu alguns dias depois no Hospital Regional de São Miguel do Oeste.
ATO 2:
No mesmo dia 17 de julho de 2020, momentos antes do crime contra a vida praticado, entre 21h e 22h, próximo à residência de Marcos Antonio Zacarias, na Rua Fabiano Vicente, s/n, Bairro Antas, no Município de Mondaí, o denunciado ORLANDO AMARAL DE MOURA efetuou disparo de arma de fogo em local habitado, já que nas proximidades de diversas residências.
Encerrada a instrução preliminar, foi julgado admissível o pleito formulado na Exordial e, em consequência, o Magistrado a quo pronunciou Orlando Amaral de Moura pela suposta prática do delito tipificado nos arts. 121, §2º, incisos II e IV, do Código Penal e 15 da Lei 10.826/03 (evento 73 dos autos de origem).
Inconformada, a Defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito (evento 1 dos autos de origem), em cujas Razões pugna pela absolvição sumária do Recorrente com o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa própria, bem como a absolvição quanto ao delito conexo por inexistência de provas. Subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras e a revogação da prisão preventiva por ausência dos requisitos para manutenção da segregação, pleiteando a fixação de cautelares diversas.
Apresentadas as Contrarrazões (evento 88 do feito de origem), e mantida a decisão pelos próprios fundamentos (evento 90 daquele processo), os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Humberto Francisco Scharf Vieira, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento da insurgência (evento 10).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Pugna a Defesa, inicialmente, pela absolvição sumária do Recorrente com o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa própria, bem como a absolvição quanto ao delito conexo por inexistência de provas. Subsidiariamente, requer o afastamento das qualificadoras e a revogação da prisão preventiva por ausência dos requisitos para manutenção da segregação, pleiteando a fixação de cautelares diversas.
Contudo, o pleito não comporta provimento pelas razões abaixo alinhadas.
Sabe-se que, por força do artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição da República, compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dentre os quais se inclui o homicídio, tentado ou consumado (art. 74, §1º, do Código de Processo Penal).
É exatamente por isso, inclusive, que vigora na primeira fase do procedimento escalonado dos crimes da alçada do Tribunal do Júri, disciplinado entre os artigos 406 e 421 do Código de Processo Penal, o brocardo in dubio pro societate, no sentido de que, na dúvida, compete ao Conselho de Sentença deliberar sobre a matéria.
Nesse norte, colhe-se desta Câmara, o Recurso em Sentido Estrito n. 0000012-58.2012.8.24.0031, rel. Des. Salete Silva Sommariva, julgado em 13-06-2017:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR TRÊS VEZES ( CP, ART> 121, § 2º, II E IV, C/C 14, II - PRONÚNCIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO BROCARDO IN DUBIO PRO SOCIETATE - INOCORRÊNCIA - PREVALÊNCIA DO CARÁTER POPULAR E DEMOCRÁTICO DAS DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DO JÚRI - PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - PRETENSO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INDUVIDOSA ACERCA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - INVIABILIDADE - MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA NÃO DEMONSTRADA - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifou-se)
Do corpo do acórdão, extrai-se:
A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo. Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática.
É esse também o entendimento da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do ARE 788457 AgR, Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 13/05/2014, Publicado 28-05-2014:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. 1. O princípio do in dubio pro societate, insculpido no art. 413 do Código de Processo Penal, que disciplina a sentença de pronúncia, não confronta com o princípio da presunção de inocência, máxime em razão de a referida decisão preceder o judicium causae. Precedentes: ARE 788288 AgR/GO, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 24/2/2014, o RE 540.999/SP, Rel. Min. Menezes de Direito, Primeira Turma, DJe 20/6/2008, HC 113.156/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 29/5/2013. 2. O acórdão recorrido extraordinariamente assentou: "RESE - Pronúncia - Recurso de defesa - Impossibilidade de absolvição ou impronúncia - Indícios de autoria e materialidade do fato - Negado provimento ao recurso da defesa." 3. Agravo regimental DESPROVIDO. (grifou-se)
Fixada esta premissa, isto é, de que na fase do judicium accusationis deve-se adotar postura deferente à competência constitucional do Tribunal do Júri, passa-se à análise do conjunto probatório até agora produzido, a fim de se verificar, no termos do art. 413 do Código de Processo Penal, a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio qualificado (art. 121, §2º, incisos II e IV, do Código Penal), além do conexo (disparo de arma de fogo em local habitado), nos quais o Recorrente foi dado como incurso, para fins de pronúncia.
Destaque-se que "a impronúncia deve respeitar o raciocínio inverso ao da pronúncia, vale dizer, enquanto esta demanda a prova da existência do crime e indícios suficientes de quem seja o seu autor, aquela exige o oposto" (NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 119-120).
Do delito de homicídio qualificado consumado
Extrai-se dos autos que a materialidade e os indícios suficientes da autoria, podem ser verificados por meio dos Boletins de Ocorrências (Evento 1, INQ5, Página 5/8 e INQ1, Página 35/39), Relatórios de informações e diligências (Evento 1, INQ1, Página 27; INQ2, Página 2/3; INQ2, Página 22/24, INQ3, Página 1/6), Termo de Apreensão ( Evento 1, INQ2, Página 4), Laudos Periciais do local do crime (Evento 8), da vítima (evento Evento 1, INQ2, Página 19) e da munição (Evento 16), prontuário médico (evento 11), todos juntados aos autos 5001274-38.2020.8.24.0043, bem como pela prova oral colhida em ambas as fases processuais.
Nesse sentido, a testemunha João Roberto Henkel, vulgarmente conhecida como "Tidão", afirmou na etapa indiciária:
[...] que eu sei que nós tava tomando samba na rua, pra lá na beira da estrada, eu e o Claudemir; [...] na rua ali dele, nisso...

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