Acórdão Nº 5001301-72.2021.8.24.0144 do Primeira Câmara de Direito Público, 27-09-2022

Número do processo5001301-72.2021.8.24.0144
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001301-72.2021.8.24.0144/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: DIRCEU BONI (AUTOR)

RELATÓRIO

Cuida-se de Apelação Cível interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra sentença que reconheceu o direito de DIRCEU BONI ao auxílio-acidente em razão de sequelas decorrentes de acidente laboral.

Em sua insurgência, o INSS aduz inexistir interesse processual da parte autora em razão do longo período decorrido desde a cessação do auxílio-doença. Pleiteia, assim, a extinção do feito ou, subsidiariamente, que o termo inicial do benefício se dê a partir da data da sua citação nos presentes autos.

Em sede de contrarrazões, o apelado pugnou pela manutenção do decisum.

Este é o relatório.

VOTO

Nega-se provimento ao recurso.

De início, observa-se que o apelo é tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido.

1) Interesse processual

Quanto ao mérito, o questionamento trazido pelo INSS diz sobre a necessidade de renovação do requerimento administrativo de auxílio-acidente como condição ao manejo da ação judicial, em razão do longo período decorrido desde a cessação do auxílio-doença.

O tema foi objeto de amplos debates, tendo-se firmado o entendimento de que não é necessário esvaziar a via extrajudicial. E assim se concluiu, em síntese, a partir da compreensão de que o INSS, ao conceder o auxílio-doença, toma ciência da incapacidade e deve diligenciar na entrega do melhor benefício ao segurado.

O entendimento encontra amparo em julgado do Supremo Tribunal Federal - RE 631.240 (confirmado pelo Tema 350 daquela Corte) - no qual restou expressamente consignado que

Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo.

Considera-se, pois, que nas situações como a presente, a autarquia já teve oportunidade de avaliar as condições de saúde do segurado, estando apta, em tese, a identificar as limitações que autorizam a implantação do auxílio-acidente. Se não o fez, tem-se que a conduta do INSS configura o não acolhimento da pretensão.

Também no julgamento do referido RE 631.240, o relator, Min. Roberto Barroso, deixou clara a extensão da tese lançada:

As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).

No primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.

Desse modo, entende-se que a cessação do auxílio-doença implica na negativa, ainda que tácita, do auxílio-acidente. E daí porque se torna desnecessária nova provocação extrajudicial como condição ao ingresso em juízo.

Única limitação que se impõe é temporal. É que em sessão do dia 14.10.2020, o colendo Grupo de Câmaras de Direito Público deste Tribunal, sem afastar as conclusões acima expostas, estabeleceu que

Decorridos cinco anos da cessação do pagamento do auxílio-doença, o pedido judicial de sua conversão em auxílio-acidente depende de prévio requerimento administrativo. (Ata n. 217)

Buscou-se, na ocasião, salvaguardar os interesses do segurado em sintonia com as regras processuais de utilidade e necessidade, evitando-se, assim, "demandas temporalmente muito distantes dos fatos, o que exige a possibilidade de um novo posicionamento administrativo, haja vista a perspectiva saliente de alteração da situação de saúde". (TJSC, Apelação n. 0300784-44.2018.8.24.0028, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, j. 10.11.2020)

Reforçando a exposição, cita-se:

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ACIDENTÁRIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. EXEGESE DO ARTIGO 485, I E VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NA ORIGEM. RECURSO DO REQUERENTE. INTERESSE PROCESSUAL EVIDENCIADO. AÇÃO AJUIZADA ANTES DE DECORRIDO PRAZO QUINQUENAL DESDE A CESSAÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. DESNECESSIDADE DE NOVO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RESSALVA FEITA PELO STF EM REPERCUSSÃO GERAL. ADEMAIS, ENTENDIMENTO DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE DE JUSTIÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA RETOMADA DA MARCHA PROCESSUAL. Consoante uniformização de entendimento em deliberação do Grupo de Câmaras de Direito Público, reunido em sessão realizada na data de 14-10-2020, "decorridos cinco anos da cessação do pagamento do auxílio-doença, o pedido judicial de sua conversão em auxílio-acidente depende de prévio requerimento administrativo". Na hipótese, houve a fluência de menos de 5 (cinco) anos entre o último pagamento do auxílio-doença e a data de aforamento da demanda visando à concessão de auxílio-acidente, situação que viabiliza o processamento da pretensão, independentemente de novo requerimento administrativo. [...] (TJSC, Apelação n. 0308463-29.2016.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 20-05-2021). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5000878-81.2021.8.24.0025, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Diogo Pítsica, Quarta Câmara de Direito Público, j. 7.4.2022).

E ainda:

JUÍZO DE RETRATAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA QUE EXTINGUE O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. DECISÃO QUE VAI AO ENCONTRO DO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO EM INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA N. 5004663-29.2021.8.24.0000 (TEMA 24). AÇÃO PROPOSTA APROXIMADAMENTE DEZ ANOS APÓS A CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO ANTERIOR. EXTINÇÃO DA AÇÃO DE PLANO ANTES MESMO DA CITAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA. AUSÊNCIA DE DEFESA DE MÉRITO E INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. APELO DA AUTORA DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NEGATIVO. (TJSC, Apelação n. 5000029-34.2019.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Artur Jenichen Filho, Quinta Câmara de Direito Público, j. 5.4.2022).

A primeira premissa a ser fixada, destarte, é no sentido de que o interesse processual resta caracterizado se entre a cessação do auxílio-doença e o ingresso da ação judicial não houver decorrido prazo maior que 5 anos.

Na espécie, o auxílio-doença foi cessado em 29.2.2008, sendo que a ação foi protocolada somente em 12.10.2021.

Num primeiro olhar, assim, a parte autora careceria de interesse ao manejo da ação judicial.

Ocorre que o entendimento acima firmado culminou em novas discussões sobre a manutenção ou extinção dos feitos em andamento, o que motivou o Grupo de Câmaras de Direito Público a receber Incidente de Assunção de Competência, registrado como Tema 24, e no qual foi firmada a seguinte tese jurídica vinculante:

Na hipótese de extrapolação dos 5 anos da cessação do auxílio-doença em que não houve prévio requerimento administrativo, deve-se observar o seguinte:

No primeiro grau: a) Até 3-9-2014, as ações em curso com contestação de mérito continuam a tramitar, ficando prejudicado o exame do interesse de agir. b) A partir de então, contestado ou não o mérito, a ausência do prévio requerimento administrativo conduz à extinção do processo por falta de interesse. b.1) Ação judicial proposta. Verificação da falta do prévio requerimento administrativo, antes mesmo da citação do INSS. Solução: extinguir o processo por falta de interesse. b.2) Ação judicial proposta. Ausência do filtro processual, pelo juiz, acerca da existência ou não do prévio requerimento administrativo. INSS citado. Contestação alegando falta de interesse processual e defesa de mérito. Solução: extinção do processo por falta de interesse. b.3) Ação judicial proposta. Ausência do filtro processual, pelo juiz, acerca da existência ou não do prévio requerimento administrativo. INSS citado. Contestação alegando falta de interesse e também defesa de mérito. Preliminar não analisada no curso do processo. Instrução realizada. Sentença em que se deve analisar o mérito.

No segundo grau: c) Nas hipóteses "b.1." e "b.2", havendo apelação do autor, o caso é de desprovimento. d) Ação judicial proposta. Ausência do filtro processual, pelo juiz, acerca da existência ou não do prévio requerimento administrativo. INSS citado. Contestação alegando falta de interesse e defesa de mérito. Preliminar não analisada no curso do processo. Instrução realizada. Sentença que também não examina a preliminar ou a rejeita. d.1) Procedência do pedido. Apelação da autarquia sustentando, entre outras teses, a falta de interesse. Solução: julgamento do mérito do recurso...

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