Acórdão Nº 5001306-63.2021.8.24.0025 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 10-11-2022
Número do processo | 5001306-63.2021.8.24.0025 |
Data | 10 Novembro 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Terceira Câmara de Direito Comercial |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5001306-63.2021.8.24.0025/SC
RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO
APELANTE: RUTE DE AMARAL TAVARES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)
RELATÓRIO
RUTE DE AMARAL TAVARES interpôs recurso de apelação contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais" ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A
O dispositivo da sentença foi redigido no seguinte teor (evento 17, SENT1):
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Rute de Amaral Tavares em face do Banco BMG S/A.
CONDENO a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do Dr. Procurador) da parte requerida, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), ex vi do disposto no art. 85, §§ 8º e 16, do Código de Processo Civil, cujas verbas permanecerão com a exigibilidade suspensa, em razão da gratuidade concedida.
P. R. I.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos em definitivo, com baixa no E-proc.
Em suas razões recursais (evento 23, APELAÇÃO1), a parte autora/apelante sustentou, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); "que nunca sequer utilizou ou desbloqueou cartão algum, sendo, porém, descontado todos os meses de seu benefício valores referentes a empréstimo desta modalidade" (fl. 2); "que a prática intentada pela Apelada induz o consumidor a acreditar ter contratado um empréstimo consignado "normal", porém que os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário do Apelante se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado - fato este já denunciado em Ação Civil Pública ajuizada no Estado do Maranhão, como relatado na peça inicial -, tornando, assim, a dívida impagável" (fl. 3); a ausência de contratação e informação do serviço ofertado; a ocorrência de falha na prestação de serviço; a ausência de uso e desbloqueio do cartão; a existência de provas que comprovam a desvirtuação da modalidade de empréstimo realizada; a ausência de abatimento da suposta dívida; a inexistência de prova que demonstre a realização de saque pelo apelante; e que há dano moral "in re ipsa".
Requereu, ao final, o provimento do apelo e a reforma da sentença, para que seja declarada a nulidade da contratação de empréstimo consignado na modalidade RMC, com a condenação do banco réu/apelado à restituição em dobro dos valores descontados a título de RMC, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Pugnou pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor e pela inversão do ônus da prova, bem como a condenação da apelada ao pagamento de custas e despesas processuais, honorários advocatícios na porcentagem de 20% (vinte por cento) sob o valor da condenação ou valor diverso que entender ser devido. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça.
Apresentadas as contrarrazões (evento 25, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte.
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso.
1 Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova
Requereu a parte autora/apelante seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos.
Sabe-se que, nos termos do que preceitua a Súmula 297 do STJ, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Assim, reconhecida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, bem como a evidente situação de hipossuficiência do consumidor, que muitas vezes não possui cópia do contrato ou de outros documentos da relação jurídica com o banco, mostra-se plenamente viável a inversão do ônus da prova, a teor do disposto no art. 6º, VIII, do CDC.
Recurso provido no ponto.
2 Do pleito de gratuidade da justiça
Pleiteou a parte autora/apelante a concessão do benefício da gratuidade da justiça.
Registra-se, entretanto, que o benefício requerido já lhe foi concedido pelo Juízo a quo em decisão interlocutória (evento 4, DESPADEC1), não existindo qualquer elemento que demonstre a alteração na situação econômica da parte apelante ou a necessidade de revogação do benefício.
Assim, inexiste interesse recursal da parte apelante em relação ao ponto.
A propósito, esta corte já decidiu: "Sendo obtida a pretensão em decisão de primeiro grau, ao apelante é defeso renová-la, pois lhe carece o interesse recursal para tanto [...]" (Apelação Cível n. 2010.000170-4, de São José do Cedro, rel. Des. Saul Steil, j. 7-6-2010).
Logo, não se conhece do recurso no ponto.
3 Do contrato de cartão de crédito consignável
Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.
Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).
E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:
Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
[...]
§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).
No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada do "Termo de adesão cartão de crédito consignado emitido pelo Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento" firmado em 28-2-2018 (evento 9, CONTR2).
Além disso, os comprovantes de TED apresentados (evento 9, ANEXO3 - fl. 1) demonstram a efetivação de depósitos de valores em conta-corrente de titularidade da parte autora.
Ressalta-se, no entanto, que a parte autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado. A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.
Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 9, ANEXO3), o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que dificulta a quitação do contrato em um tempo razoável.
Ademais, observa-se das faturas apresentadas que não houve a utilização do cartão de crédito para nenhuma outra compra, o que corrobora a alegação da parte autora de que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.
Aliás, mister registrar que, "[...] a alegação de que a parte autora não dispunha de margem para contratação de empréstimo consignável ao tempo da celebração da avença - restando somente a opção de obter o crédito pretendido mediante adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável - não afasta a demonstração de que, no caso sub judice, houve vício no consentimento da...
RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO
APELANTE: RUTE DE AMARAL TAVARES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)
RELATÓRIO
RUTE DE AMARAL TAVARES interpôs recurso de apelação contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais" ajuizada em desfavor de BANCO BMG S.A
O dispositivo da sentença foi redigido no seguinte teor (evento 17, SENT1):
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Rute de Amaral Tavares em face do Banco BMG S/A.
CONDENO a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios do Dr. Procurador) da parte requerida, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), ex vi do disposto no art. 85, §§ 8º e 16, do Código de Processo Civil, cujas verbas permanecerão com a exigibilidade suspensa, em razão da gratuidade concedida.
P. R. I.
Transitada em julgado, arquivem-se os autos em definitivo, com baixa no E-proc.
Em suas razões recursais (evento 23, APELAÇÃO1), a parte autora/apelante sustentou, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); "que nunca sequer utilizou ou desbloqueou cartão algum, sendo, porém, descontado todos os meses de seu benefício valores referentes a empréstimo desta modalidade" (fl. 2); "que a prática intentada pela Apelada induz o consumidor a acreditar ter contratado um empréstimo consignado "normal", porém que os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário do Apelante se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado - fato este já denunciado em Ação Civil Pública ajuizada no Estado do Maranhão, como relatado na peça inicial -, tornando, assim, a dívida impagável" (fl. 3); a ausência de contratação e informação do serviço ofertado; a ocorrência de falha na prestação de serviço; a ausência de uso e desbloqueio do cartão; a existência de provas que comprovam a desvirtuação da modalidade de empréstimo realizada; a ausência de abatimento da suposta dívida; a inexistência de prova que demonstre a realização de saque pelo apelante; e que há dano moral "in re ipsa".
Requereu, ao final, o provimento do apelo e a reforma da sentença, para que seja declarada a nulidade da contratação de empréstimo consignado na modalidade RMC, com a condenação do banco réu/apelado à restituição em dobro dos valores descontados a título de RMC, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Pugnou pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor e pela inversão do ônus da prova, bem como a condenação da apelada ao pagamento de custas e despesas processuais, honorários advocatícios na porcentagem de 20% (vinte por cento) sob o valor da condenação ou valor diverso que entender ser devido. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça.
Apresentadas as contrarrazões (evento 25, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a esta Corte.
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço parcialmente do recurso.
1 Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova
Requereu a parte autora/apelante seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos.
Sabe-se que, nos termos do que preceitua a Súmula 297 do STJ, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras. Assim, reconhecida a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, bem como a evidente situação de hipossuficiência do consumidor, que muitas vezes não possui cópia do contrato ou de outros documentos da relação jurídica com o banco, mostra-se plenamente viável a inversão do ônus da prova, a teor do disposto no art. 6º, VIII, do CDC.
Recurso provido no ponto.
2 Do pleito de gratuidade da justiça
Pleiteou a parte autora/apelante a concessão do benefício da gratuidade da justiça.
Registra-se, entretanto, que o benefício requerido já lhe foi concedido pelo Juízo a quo em decisão interlocutória (evento 4, DESPADEC1), não existindo qualquer elemento que demonstre a alteração na situação econômica da parte apelante ou a necessidade de revogação do benefício.
Assim, inexiste interesse recursal da parte apelante em relação ao ponto.
A propósito, esta corte já decidiu: "Sendo obtida a pretensão em decisão de primeiro grau, ao apelante é defeso renová-la, pois lhe carece o interesse recursal para tanto [...]" (Apelação Cível n. 2010.000170-4, de São José do Cedro, rel. Des. Saul Steil, j. 7-6-2010).
Logo, não se conhece do recurso no ponto.
3 Do contrato de cartão de crédito consignável
Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.
Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).
E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:
Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
[...]
§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).
No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada do "Termo de adesão cartão de crédito consignado emitido pelo Banco BMG S.A. e autorização para desconto em folha de pagamento" firmado em 28-2-2018 (evento 9, CONTR2).
Além disso, os comprovantes de TED apresentados (evento 9, ANEXO3 - fl. 1) demonstram a efetivação de depósitos de valores em conta-corrente de titularidade da parte autora.
Ressalta-se, no entanto, que a parte autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado. A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.
Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 9, ANEXO3), o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que dificulta a quitação do contrato em um tempo razoável.
Ademais, observa-se das faturas apresentadas que não houve a utilização do cartão de crédito para nenhuma outra compra, o que corrobora a alegação da parte autora de que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.
Aliás, mister registrar que, "[...] a alegação de que a parte autora não dispunha de margem para contratação de empréstimo consignável ao tempo da celebração da avença - restando somente a opção de obter o crédito pretendido mediante adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável - não afasta a demonstração de que, no caso sub judice, houve vício no consentimento da...
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