Acórdão Nº 5001306-92.2022.8.24.0004 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo5001306-92.2022.8.24.0004
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001306-92.2022.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARIA TEREZINHA NAZARIO DA LUZ (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Maria Terezinha Nazario da Luz interpôs recurso de apelação cível, em face da sentença proferida pela juíza de direito, Dra. Lígia Boettger Mottola, da 1ª Vara Cível da Comarca de Araranguá, que julgou improcedentes os pedidos da "ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada", ajuizada em face do Banco BMG S/A, nos seguintes termos:

MARIA TEREZINHA NAZARIO DA LUZ ingressou com ação em desfavor de BANCO BMG S.A alegando que pretendia a contratação de empréstimo consignado, mas que lhe foi fornecido, de forma indevida, um contrato de cartão de crédito, com condições mais gravosas, de forma que o contrato deve ser anulado, com restituição dos valores. Sustentou ter experimentado danos morais em razão da atitude abusiva. Pediu a declaração de nulidade do contrato, a repetição dos valores e indenização por danos morais.

Deferida a gratuidade da justiça, ocasião em que foi postergada a análise da tutela e ordenada a citação (evento 7).

Procuração da parte ré (evento 13).

Em sede de contestação, a parte ré arguiu preliminares. No mérito, alegou que o contrato apontava claramente que se tratava de contratação de cartão de crédito, em razão do que a autora tinha plena ciência do negócio, reputando legal a contração. Enfatizou que a autora utilizou o crédito, não devendo ser acolhido o pleito de repetição, mas que em caso de procedência do pedido devem ser compensados os valores sacados pela autora. Asseverou inexistir ato ilícito a justificar a condenação por danos morais. Afirmou, que o ônus da prova é da parte autora. Requereu a extinção ou a improcedência (evento 14). Juntou documentos.

Houve manifestação à contestação (evento 17).

Vieram os autos conclusos.

Este, em escorço suficiente, é o Relatório. Passo, pois, a decidir.

[...]

Diante do exposto, resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% sobre o valor da causa, cuja cobrança fica suspensa pelo prazo legal em face de litigar ao abrigo do benefício da Justiça Gratuita.

Ao Cartório para que atualize o cadastro dos autos, com remoção da pendência de apreciação de liminar/tutela de urgência.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.

Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se. (evento 19/1G)

Em suas razões recursais, sustentou, em síntese: a) o contrato é inválido, pois foi ludibriada pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada; b) a forma como o desconto é realizado torna o valor recebido impagável, na medida em que apenas dá conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização; c) a ausência de uso do cartão e as transferências por TED comprovam que a consumidora foi enganada; d) diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, pois não recebeu, tampouco utilizou o cartão de crédito; e) o contrato deve ser desconstituído, com a respectiva suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução em dobro da quantia indevidamente cobrada, ou, alternativamente, a conversão do crédito contrato em operação de empréstimo pessoal consignado; f) em razão do ato ilícito praticado, o banco deve ser condenado ao pagamento de danos morais. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso para, em reforma da sentença, julgar procedentes os pedidos da ação (evento 24/1G).

Contrarrazões do recorrido defendendo, em preliminar, a nulidade do recurso, por ofensa à dialeticidade, aventando, ainda, a ocorrência de prescrição e decadência. No mérito, pugnou pelo não provimento da insurgência (evento 29/1G).

Os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça e foram distribuídos a esta relatoria por sorteio.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade do recurso

Inicialmente, registre-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

1.1 Preliminares em contrarrazões

1.1.1 Nulidade por ofensa à dialeticidade

Em suas contrarrazões, a parte apelada pugna pelo não conhecimento do recurso, por não impugnar os fundamentos da sentença, limitando-se a reiterar as teses expostas na inicial.

Todavia, razão não lhe assiste.

Isso porque, não obstante a reiteração dos argumentos, a tese recursal se fundamentada na ilegalidade da contratação, argumentos aptos, em tese, a combater a sentença que julgou improcedentes os pedidos da ação.

Assim, tem-se que o recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os seus requisitos intrínsecos e extrínsecos, razão pela qual passa-se à análise das teses recursais.

1.1.2 Prescrição e decadência

Sustenta o banco apelado a ocorrência da prescrição e da decadência do direito da autora em requerer a restituição dos valores que entende teriam sido indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, pois o prazo prescricional aplicável à espécie é de três anos, conforme dispõe o art. 206, §3º, IV, do CPC, e, levando-se em conta que o contrato impugnado foi celebrado entre as partes no ano de 2017, a pretensão autoral estaria prescrita.

Entretanto, novamente sem razão a instituição financeira.

No caso em tela, tratando-se de ação com pedido de reparação de danos fundada em responsabilidade contratual, o exercício da pretensão de direito material submete-se ao prazo ordinário de dez anos previsto no art. 205 do Código Civil, nestes termos: "A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor."

Esta posição consoa com o atual entendimento emanado do Superior Tribunal de Justiça, que assim tem decidido:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO DECENAL. 1. Em se tratando de responsabilidade contratual, como sucede com os contratos bancários, salvo o caso de algum contrato específico em que haja previsão legal própria, especial, o prazo de prescrição aplicável à pretensão de revisão e de repetição de indébito será de dez anos, previsto no artigo 205 do Código Civil. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1769662/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 25-06-2019).

Pela teoria da actio nata, o direito à reparação surge quando lesado o direito do ofendido, de sorte que, no caso em exame, o termo inicial do cômputo do prazo prescricional dá-se na data da assinatura do contrato, pois, a partir de então nasce a pretensão referente ao contrato em si, que a autora alega ter pactuado sob outra modalidade, com cláusulas e encargos diversos.

No caso dos autos, constata-se que a contratação ocorreu em 15-01-2016 (evento 14/1G, CONTR10) e o ajuizamento da ação subjacente foi realizado em 16-02-2022. Logo, resta claro que não transcorreu o prazo decenal aplicável à hipótese em debate.

Desta forma, rejeita-se a prejudicial de mérito suscitada pelo recorrido.

2. Fundamentação

2.1 Da (ir)regularidade da operação contratada entre as partes

Sustenta a autora/apelante a invalidade da operação pactuada com a casa bancária, na medida em que teria sido por ele ludibriada, pois pretendia contratar unicamente empréstimo pessoal consignado, e não saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, sendo que, ao tempo da contratação, possuía margem consignável.

Os pedidos não prosperam.

A princípio, necessário destacar que a própria autora, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):

Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das...

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