Acórdão Nº 5001314-72.2019.8.24.0037 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5001314-72.2019.8.24.0037
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001314-72.2019.8.24.0037/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: IVANETE DOS SANTOS ALVES (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL DUTRA DACROCE (OAB SC044558) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: ANDRÉ LUIS SONNTAG (OAB SC017910) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Ivanete dos Santos Alves ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada (RMC) em desfavor de Banco BMG S.A., ao argumento de que sofreu descontos indevidos em sua folha de pagamento, oriundos de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual aduz ter sido firmado mediante o desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

O Togado singular deferiu os benefícios da justiça gratuita (evento 4).

Contestação (evento 9).

Réplica (evento 15).

Ato contínuo, sobreveio sentença (evento 19), da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

5. Isto posto, este Juízo julga parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, a fim de:

a) determinar a adequação do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado, nos valores obtidos pelo autor através do saque (Evento 9, OUT8), tendo por base os encargos definidos para tal modalidade de empréstimo pelo Banco Central à época da contratação, com a devida compensação, na forma simples, dos valores já descontados a título de "empréstimo RMC";

b) condenar a instituição financeira ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00, com incidência de juros moratórios a contar do evento danoso, segundo orientação da Súmula n. 54 do STJ, e correção monetária, desde o arbitramento, nos termos da Súmula n. 362 do STJ.

5.1 Autoriza-se o banco réu a realizar a compensação de eventual saldo devedor do autor com a indenização a ser paga.

5.2 Outrossim, ante a sucumbência mínima, condena-se a instituição financeira ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Após o trânsito em julgado, inclua-se as custas no sistema eletrônico de cobranças e arquivem-se os presentes autos.

Inconformada com o decisum de primeiro grau, a casa bancária requerida interpôs recurso de apelação (evento 26), no qual sustentou a legalidade da contratação do cartão de crédito e suas cobranças, a impossibilidade da conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado simples e a inexistência de dano moral. Alternativamente, pleiteia pela minoração do quantum indenizatório.

Por sua vez, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 31), pleiteando pela majoração da indenização por danos morais.

Contrarrazões de ambas as partes litigantes (evento 33 e 36).

Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO



Tratam-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que, no âmbito de presente ação, julgou procedentes os pedidos formulados na peça exordial.

1 INSURGÊNCIAS DA CASA BANCÁRIA

1.1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a autora, ora apelada, realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados na sua folha de pagamento a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ainda, a inviabilidade da determinação de conversão do empréstimo por meio de cartão de crédito em empréstimo pessoal "simples".

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (Evento 9, CONTR5).

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da requerente, ora apelada, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelado, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras.

Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelada), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora insurgente, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO...

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