Acórdão Nº 5001368-08.2020.8.24.0068 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-10-2021

Número do processo5001368-08.2020.8.24.0068
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001368-08.2020.8.24.0068/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: AGOSTINHO GIBIKOSKI (AUTOR) ADVOGADO: FABIANA CABRAL TIBOLA (OAB SC055668) ADVOGADO: GABRIELE JULI GANDOLFI (OAB SC055387) ADVOGADO: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Tratam-se de embargos de declaração opostos por Banco Pan S.A. contra acórdão que, em suma, conheceu e deu provimento ao recurso de apelação interposto pela parte embargada para declarar a nulidade da avença firmada entre as partes e, por consectário, determinou o retorno dos contratantes ao status quo ante, bem como condenou a instituição financeira demandada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do voto.

Inicialmente, a casa bancária aponta contrariedade da declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito firmado entre as partes em virtude do vício de consentimento, uma vez que diverge da determinação do dispositivo legal de art. 171, do Código Civil, bem como do entendimento jurisprudencial.

Pugna, ainda, o banco recorrente pela análise expressa de determinados dispositivos legais que seriam supostamente imprescindíveis ao deslinde de quaestio.

Requereu, também, o prequestionamento da matéria atinente ao caso concreto (evento 14).

Sem contrarrazões (evento 19).

É o relatório.

VOTO

Sabe-se que, em regra, os embargos de declaração não podem ter como consequência a modificação lato sensu da decisão. Em síntese, seus objetivos estão elencados no artigo 1.022 do CPC/2015, quais sejam: 1) aclarar a decisão; 2) eliminar incongruências; 3) suprir omissões e, ainda, 4) corrigir erro material.

In casu, a instituição financeira o embargante alega a existência de contrariedade no decisum, ao argumento de que a avença firmada entre as partes só poderia ser anulada pela tese do vício de consentimento caso existisse prova robusta de que o autor foi induzido em erro.

Não assiste-lhe razão. Senão vejamos.

Isso porque, no que tange ao suscitado tema, vislumbra-se que a decisão recorrida expôs de maneira clara e precisa as razões pelas quais reformou a sentença a quo a fim de reconhecer a nulidade do contrato firmado entre os litigantes.

Registra-se, por oportuno, que no acórdão guerreado houve fundamentação e exposição das razões de decidir, as quais foram alicerçadas nos entendimentos adotados por este Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina acerca da matéria ventilada.

Ademais, não há falar em contrariedade no acórdão em relação ao dispositivo legal do art. 171, do Código Civil, uma vez que a relação entre a casa bancária e a parte autora é notadamente consumerista, portanto, regida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Nesse ponto, revela-se propício colacionar trecho do aresto guerreado (evento 9) do qual é possível extrair que houve expressa e congruente fundamentação acerca do tema controvertido. Vejamos:

"[...] Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (evento 10 - contrato 2).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do requerente, ora apelante, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que os próprios extratos bancários juntados pela casa bancárias no evento n. 10 - Fatura 3, demonstram que não houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços. Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o requerente iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese o requerente ter lançado sua assinatura nos documentos, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida, ora apelada, não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Diante destas constatações, tem-se que a conduta perpetrada pela casa bancária apelada afetou a boa-fé objetiva, razão pela qual fica evidente a nulidade da avença firmada entre as partes.

A respeito da quaestio, tem-se o seguinte julgado deste Areópago:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. BANCO RÉU QUE, VIOLANDO O DIREITO DE INFORMAÇÃO, INTERFERIU DIRETAMENTE NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA CONSUMIDORA, ENSEJANDO NA ACEITAÇÃO DE CONTRATO INEVITAVELMENTE MAIS ONEROSO DENTRE OS DISPONÍVEIS. CONTRATO NULO. DANO MORAL EVIDENTE. ATENTADO CONTRA VERBA DE SUBSISTÊNCIA. JUROS DE MORA DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DO ARBITRAMENTO. ÔNUS SUCUMBENCIAL INVERTIDO. Quando se desvirtua ou se sonega o direito de informação, está-se agindo em sentido diametralmente oposto a boa-fé objetiva, ensejando, inclusive, a enganosidade. A informação deve ser clara, objetiva e precisa, pois, do contrário, equivale ao silêncio, vez que influi diretamente na manifestação de vontade do consumidor sobre determinado serviço ou produto - corolário da confiança...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT