Acórdão Nº 5001373-70.2020.8.24.0087 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 15-03-2022

Número do processo5001373-70.2020.8.24.0087
Data15 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001373-70.2020.8.24.0087/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: LEONARDA ALVES BORGES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Leonarda Alves Borges interpôs Recurso de Apelação contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Vara Única da Comarca de Lauro Muller que, nos autos da "ação ordinária" n.5001373-70.2020.8.24.0087 movida pela ora Apelante em face de Banco BMG S.A., julgou improcedentes as pretensões vertidas na exordial, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:

DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Leonarda Alves Borges contra Banco BMG S/A, extinguindo o feito com resolução do mérito.

Na forma do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e mais honorários de sucumbência de 10% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade, contudo, diante da justiça gratuita deferida.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Interposto eventual recurso, cumpra-se conforme o art. 1.010 do CPC.

Cumpridas as formalidades legais, arquivem-se os autos.

(Evento 50, autos de origem, grifos no original).

Em suas razões recursais a Requerente aduz, em síntese, que: a) "foi surpreendida com a existência de uma reserva de margem consignável, em garantia de um contrato de cartão de crédito supostamente celebrado com a empresa Requerida, serviço este que nunca solicitou"; b) "a instituição financeira promoveu deliberadamente um contrato de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (contrato nº. 11330059), sem prestar informações de forma clara e suficiente, fazendo com que a consumidora efetuasse pagamento mínimo de fatura mensal, sem que ocorra qualquer abatimento da dívida original"; c) "Em nenhum momento a instituição bancária comprova os pressupostos básicos característicos dos contratos de cartão de crédito, em especial a ocorrência de compras pela consumidora e, ainda, não menos importante, o envio e desbloqueio do próprio cartão"; d) "Em nenhum momento a instituição bancária comprova os pressupostos básicos característicos dos contratos de cartão de crédito, em especial a ocorrência de compras pela consumidora e, ainda, não menos importante, o envio e desbloqueio do próprio cartão"; e) "A Requerente é pessoa de baixíssima instrução (apenas assina o próprio nome) e idade considerável, que não foi cientificada a contento dos termos de tal ajuste comercial, especialmente pelo fato de que as taxas aplicadas ao cartão de crédito são expressivamente mais onerosas que as dos empréstimos consignados normais. Repisase, a apelante não foi devidamente informada de que o empréstimo contratado não se tratava de uma cédula de crédito consignado, mas sim de um saque de limite de cartão de crédito, e prova contrária não resulta da análise detida dos autos"; e f)"a pretensão da Requerente encontra amplo respaldo legal, doutrinário e jurisprudencial, motivo pelo qual o presente apelo é digno de provimento também neste ponto, para o fim de condenar a Requerida ao pagamento de justa indenização como forma de compensação pelos danos morais ocasionados, nos termos da exaustiva fundamentação supra".

Empós, sem contrarrazões, os autos ascenderam a este grau de jurisdição, sendo distribuídos a esta relatoria por sorteio na data de 6-12-2021.

É o necessário escorço.

VOTO



1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Demandante ajuizou "ação ordinária" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado até o cancelamento dos descontos; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

A Magistrada a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na exordial (Evento 50).

Brota do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira, por sua vez, defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia de cartão de crédito consignado.

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao Consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Merece ênfase que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de Aposentados e Pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é idosa, pensionista e detentora da benesse da gratuidade da justiça.

Do extrato de pagamento do benefício n. 055.360.066-4 (Evento 1, CHEQ7), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; (b) uma reserva de margem consignável para cartão de crédito; e (c) descontos a título de empréstimo sobre a RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito ao Demandante e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Também, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

E isso porque não é lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Deve ser gizado que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que a Hipossuficiente tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

Ora, o Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz do que dispõe o art. 39, incisos I, III e IV, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro...

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