Acórdão Nº 5001380-88.2019.8.24.0025 do Grupo de Câmaras de Direito Público, 27-10-2021

Número do processo5001380-88.2019.8.24.0025
Data27 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoGrupo de Câmaras de Direito Público
Classe processualApelação (Grupo Público)
Tipo de documentoAcórdão
Apelação (Grupo Público) Nº 5001380-88.2019.8.24.0025/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU) APELADO: GILSON VIEIRA (AUTOR)

RELATÓRIO

Gilson Vieira propôs "ação de auxílio-acidente" em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

Alegou que: 1) exercia funções de manutenção geral; 2) em 1º-10-2012, sofreu acidente de trabalho; 3) teve lesão nos dedos da mão esquerda; 4) houve perda parcial da capacidade laboral; 5) recebeu auxílio-doença, que foi indevidamente cessado pela autarquia; 6) não há prescrição e 7) não há carência de ação pela ausência de requerimento administrativo.

Postulou a conversão do auxílio-doença em auxílio-acidente.

Em contestação, o réu sustentou, preliminarmente, a prescrição de todos os débitos anteriores aos 5 anos que antecederam o ajuizamento da ação e a falta de interesse de agir pela ausência de prévio requerimento administrativo. No mérito, alegou que: 1) o benefício cessou há aproximadamente 6 anos e 2) o autor não cumpre os requisitos para concessão do auxílio-acidente, pois não ficou demonstrada a redução da capacidade laboral. Subsidiariamente, requereu a compensação dos valores já recebidos e a aplicação integral do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997. Ainda, requereu a restituição dos honorários periciais pelo Estado de Santa Catarina e a isenção do pagamento das custas processuais (autos originários, Evento 14).

Foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente os pedidos formulados por GILSON VIEIRA contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS para:

a) determinar ao INSS que implemente o benefício de auxílio-acidente em favor da parte autora, relegando para a fase de cumprimento da sentença a fixação da data de início do pagamento da benesse, em face da discussão sobre o assunto travada no STJ em sede de Recurso Especial Repetitivo (Tema n. 862).

b) condenar a autarquia previdenciária ré ao pagamento, em favor da parte autora, de uma só vez, das parcelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal contada retroativamente do ajuizamento da presente ação, com correção monetária e juros de mora conforme os parâmetros constantes da fundamentação desta sentença.

Ainda, condeno a autarquia previdenciária ré ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil sobre o valor das parcelas vencidas até a data desta sentença, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 76 do TRF4.

Diante do que dispõe a Lei Complementar Estadual n. 156/1997, fica o ente público isento do pagamento das custas judiciais (art. 33).

Considerando a eficácia dos provimentos fundados no artigo 497 do CPC, tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, aprioristicamente, a recurso com efeito suspensivo por se tratar de condenação de verba alimentar (art. 1.012, II, CPC/2015), determino seu cumprimento imediato no tocante à implantação do benefício.

Expeça-se alvará judicial para liberação dos honorários periciais em favor do experto que atuou na causa.

Caso interposto o recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias (artigo 1.009, §§ 1º e 2º).

Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se. (grifos no original) (autos originários, Evento 34)

O réu, em apelação, sustentou, preliminarmente, a falta de prévio requerimento administrativo e a prescrição do fundo de direito, com a condenação do autor ao ressarcimento aos cofres públicos (autos originários, Evento 39).

Contrarrazões no Evento 44 dos autos originários.

Em 2-2-2021, a a Primeira Câmara de Direito Público decidiu afetar o julgamento a este Grupo de Câmaras de Direito Público com a instauração de Incidente de Assunção de Competência, a fim de compor o entendimento desta Corte a respeito da questão jurídica: extrapolação dos 5 anos da cessação do auxílio-doença em que não houve prévio requerimento administrativo e sua consequência para a resolução dos processos em curso (autos originários, Evento 1).

Intimado para se manifestar sobre a instauração do incidente, o INSS alegou que: 1) não há interesse processual, pois o benefício pode ser obtido sem a intervenção do Judiciário, através da análise administrativa e 2) os entendimentos do STJ e do STF são no sentido da imprescindibilidade de prévio requerimento (Evento 7).

O segurado deixou o prazo transcorrer in albis (Evento 9).

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Davi do Espírito Santo manifestou pela "admissão do presente Incidente de Assunção de Competência e a fixação de tese jurídica no sentido de que a extinção do feito sem resolução de mérito, por ausência de interesse processual, somente ocorra nas hipóteses em que a ação pleiteando a concessão do auxílio-acidente esteja fundamentada em matéria fática não analisada pelo INSS quando da cessação do auxílio-doença, procedendo-se à análise referida sempre em concreto, independentemente do transcurso do prazo de 5 (cinco) anos, a fim de não extrapolar os limites do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral n. 350." (Evento 12).

VOTO

1. Admissibilidade

O escopo do juízo suscitante é firmar a tese em relação à seguinte questão jurídica: extrapolação dos 5 anos da cessação do auxílio-doença em que não houve prévio requerimento administrativo e sua consequência para a resolução dos processos em curso.

Dispõe o art. 947 do CPC/2015:

Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

[...]

§ 4º Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.

Referido dispositivo contempla exatamente a hipótese dos autos: trata-se de questão pontual e relevante, não repetida em grande número de processos a ensejar IRDR, mas que seu desfecho terá ampla repercussão social, pois impactará diretamente na concessão dos benefícios previdenciários.

Além disso, é salutar que seja adotado um entendimento uniforme quanto ao prazo de 5 anos para ajuizamento da ação após a cessação do auxílio-doença.

A propósito, o enunciado n. 469 do Fórum de Processualistas Civis estabelece que "A 'grande repercussão social', pressuposto para a instauração do incidente de assunção de competência, abrange, dentre outras, repercussão jurídica, econômica ou política".

Assim, admite-se a instauração de Incidente de Assunção de Competência.



2. Tese jurídica

A controvérsia cinge-se a: presença, ou não, de interesse processual após o decurso do prazo de 5 anos do encerramento do auxílio-doença.

Acerca da (im)prescindibilidade de pedido administrativo nas ações previdenciárias, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 631.240, fixou a seguinte tese:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.

1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.

2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.

3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.

4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.

5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.

6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.

7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.

8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a...

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