Acórdão Nº 5001420-34.2020.8.24.0058 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 09-03-2021

Número do processo5001420-34.2020.8.24.0058
Data09 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001420-34.2020.8.24.0058/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: SOLANGE PETRIS (AUTOR) ADVOGADO: PAOLLA ROSSANA SALOMONE (OAB RS081705) APELADO: BANCO SAFRA S A (RÉU) ADVOGADO: ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO (OAB SC043613)


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por Solange Petris e Banco Safra S.A. contra sentença (doc. 26, evento 25) que julgou parcialmente procedentes os pleitos exordiais da ação revisional de cédula de crédito bancário, nos seguintes termos:
Diante do exposto, RESOLVO O MÉRITO, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por SOLANGE PETRIS em face de BANCO SAFRA S A, declarando: a) A somatória dos juros remuneratórios a incidir no pacto serão os contratados; b) Que é permitida a capitalização diária dos juros, conforme contratado; c) Para o período de mora, são aplicáveis os encargos moratórios pactuados na cláusula 4 das condições gerais da cédula de crédito bancário, ressaltando que a sua importância não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 1% ao mês; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC, vedada a cumulação com quaisquer outros encargos. Havendo valores pagos indevidamente pela autora em razão dos encargos extirpados nesta sentença, deverão ser restituídos de forma simples e compensados de eventual saldo devedor, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, devidos a partir da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde a data de cada desembolso. Face à sucumbência mínima do réu, CONDENO a autora ao pagamento das custas processuais e à quitação dos honorários advocatícios do patrono-réu, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, com fulcro no art. 85, § 2.º, do Código de Processo Civil. Todavia, fica suspensa, por ora, a cobrança das despesas processuais em relação à autora, tendo em vista que lhe restou deferido o benefício da justiça gratuita (evento 9). Por fim, oficie-se, com urgência, ao eminente Relator do Agravo de Instrumento nº 5016447-37.2020.8.24.0000/TJSC, dando ciência sobre a presente sentença.
Foram opostos embargos de declaração por ambos os litigantes, os quais foram rejeitados (doc. 35, evento 44).
Em suas razões, a casa bancária sustentou, em preliminar, a ocorrência de julgamento "ultra petita" e ofensa ao princípio da adstrição, por ter o comando judicial limitado os juros moratórios em 1%.
No mérito, alegou a (o): a) inviabilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, bem como de revisão contratual; b) possibilidade de aplicação dos juros moratórios superior a 1% ao mês; c) inexiste cobrança da comissão de permanência no pacto, motivo pelo qual seria viável a incidência dos demais encargos moratórios; d) é descabida a multa por oposição de embargos protelatórios. Ao final prequestionou dispositivos legais e requereu a inversão do ônus sucumbencial (doc. 36, evento 49).
Por sua vez, a autora também apelou, aduzindo, em suma, a (o): a) necessidade de limitação dos juros remuneratórios à média de mercado; b) afastamento da capitalização diária; c) ilegalidade das tarifas de cadastro, de registro de contrato e de avaliação do bem; d) ilegalidade do seguro de proteção financeira e do IOF; e) repetição dobrada de valores (doc. 46, evento 60).
Contrarrazões (doc. 47, evento 61 e doc. 48, evento 65).
Ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Este é o relatório

VOTO


Os apelos foram interpostos contra sentença de parcial procedência dos pleitos exordiais formulados em ação revisional de cédula de crédito bancário.
Julgamento "ultra petita"
Aduz a casa bancária a ocorrência de julgamento "ultra petita" e ofensa ao princípio da adstrição, afirmando que não houve pedido na peça exordial de limitação dos juros moratórios em 1%.
Sabe-se que ao Magistrado é defeso acolher pretensão diversa da pedida ou deferir pleito em proporção maior ou menor que a postulada pelo demandante, sob pena de incorrer em julgamento extra, ultra ou citra/infra petita, respectivamente, bem como considerar questões não levantadas pelas partes se não constituírem matéria de ordem pública.
Todas essas situações acabam por violar o princípio da congruência, que deve haver entre o pedido e a sentença, consoante disposto nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.
A propósito, Luiz Rodrigues Wambier leciona:
Os arts. 128 e 460 expressam o que a doutrina denomina de princípio da congruência, ou da correspondência, ente o pedido e a sentença. Ou seja, dado o princípio dispositivo, é vedado à jurisdição atuar sobre aquilo que não foi objeto de expressa manifestação pelo titular do interesse. Por isso, é o pedido (tanto o imediato como o mediato) que limita a extensão da atividade jurisdicional. Assim, considera-se extra petita a sentença que decidir sobre pedido diverso daquilo que consta da petição inicial. Será ultra petita a sentença que alcançar além da própria extensão do pedido, apreciando mais do que foi pleiteado. E é infra petita a sentença que não versou sobre a totalidade do pedido, apreciando apenas parcela dele, sem, todavia, julgar tudo quanto tenha sido expressado no pedido. Claro que a limitação da sentença também diz respeito indiretamente à causa de pedir, pois, ao analisar o pedido, necessariamente deverá o julgador ter em vista os fatos e os fundamentos que lhe dão sustentáculo. Se a causa de pedir não integra o pedido, certamente o identifica. Assim, também é vedado ao juiz proferir sentença fundada em outra causa de pedir que não a constante da petição inicial (Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 303).
Colhe-se, ainda, da doutrina:
Diz-se ultra petita a decisão que (i) concede ao demandante mais do que ele pediu, (ii) analisa não penas os fatos essencial postos pelas partes como também outros fatos essenciais ou (iii) resolve a demanda em relação aos sujeitos que participaram do processo, mas também em relação a outros sujeitos, não-participantes. [...]
Quando uma decisão ultrapassa os limites do pedido, ela precisa ser invalidada, já que proferida com vício de procedimento (error in procedendo); mas a invalidação deve cingir-se à parte em que supera os limites do pedido. Deve-se ver que uma decisão desse tipo pode ser, ideologicamente, cingida em, pelo menos, dois capítulos bem distintos: um que corresponde à integralidade do pedido do demandante, isto é, vai até o limite por ele estabelecido, e outro que supera esse limite, representando um plus. O primeiro capítulo deve ser preservado, porquanto adstrito aos limites do pedido, salvo se houver outro vício que o contamine; o segundo capítulo, e só ele, é que precisa ser expurgado da decisão, que será anulada, nesta parte. (DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 284/285).
Na hipótese dos autos, vislumbra-se do petitório inaugural a seguinte tese:
[...] Nesse contexto, em caso de mora, apenas deverá incidir juros remuneratórios, juros moratórios de 01% ao mês e multa de 02%, observado o estabelecido na Súmula 296 do STJ.
Dessarte, não há negar que a exordial contém requerimento expresso de limitação dos juros de mora em 1% ao mês.
Logo, porque a prestação jurisdicional não extrapolou os limites aos quais estava adstrita ao deliberar a respeito da temática, rejeita-se a prefacial.
Tese de necessidade de manutenção do pacto firmado entre as partes
A casa bancária afirma a liberdade de pactuação do contrato objeto do imbróglio, inclusive com a concordância em relação às cláusulas e aos demais encargos estipulados, motivo pelo qual alega que não há cobranças ilegais ou abusivas, a prevalecer a boa-fé entre os contratantes e o que fora firmado. Aduz, ainda, a impossibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, tais ponderações não merecem guarida.
A relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes é tida como de consumo, enquadrando-se os apelados no conceito de consumidor final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o apelante no de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º, §2º, da Legislação Consumerista), "in verbis":
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
[...]
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Tal entendimento foi consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
Vale ressaltar que o reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do...

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