Acórdão Nº 5001421-25.2020.8.24.0056 do Terceira Câmara Criminal, 10-11-2020

Número do processo5001421-25.2020.8.24.0056
Data10 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5001421-25.2020.8.24.0056/SC



RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA


RECORRENTE: ROSMAR ALVES FERNANDES (ACUSADO) ADVOGADO: Marco Tulio Granemann de Souza (OAB SC003240) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público ofereceu denúncia contra Rosmar Alves Fernandes (46 anos à época dos fatos) pela prática, em tese, do delito de feminicídio (CP, art. art. 121, § 2º, II, III, IV e VI, § 2°-A, I, e § 7°, III, na forma da Lei n. 11.343/2006), em razão dos fatos assim narrados:
"No dia 24 de maio de 2020, em horário a ser melhor esclarecido, mas certo que após às 22h, na residência da vítima, localizada na Rua São Pedro, n. 325, Bairro Centro, na Cidade de Timbó Grande/SC, o denunciado ROSMAR ALVES FERNANDES, com consciência e vontade, matou a ex-companheira Géssika Marafigo Martiol, por motivo fútil, de modo cruel, mediante recurso que dificultou a defesa da ofendida e por razões da condição de sexo feminino da vítima, isso tudo na presença física do descendente dela.
Na ocasião, o denunciado ROSMAR, empregando um facão de aproximadamente 30 centímetros de lâmina, desferiu pelo menos três golpes contra a vítima, um atingindo o lado esquerdo do tórax e outros dois a região anterior do pescoço de Géssika.
Os golpes causaram os seguintes ferimentos determinantes da causa da morte de Géssika, por choque hipovolêmico: ferimento cortante complexo frontal em sentido transversal do pescoço (tipo esgorjamento); ruptura total da traqueia e esôfago, bem como vasos cervicais (artérias carótidas e veias jugulares); e fratura por ferimento cortante da coluna cervical. Assim como ferimento cortante com penetração para o interior de tórax e abdômen com aproximadamente 5 (cinco) centímetros de comprimento.
O crime ocorreu por motivo fútil, pois ROSMAR matou Géssika por não ter se conformado com a separação do casal.
O modo como o crime foi cometido dificultou a defesa da ofendida, porque ROSMAR fez uso de um facão , ao passo que Géssika estava desarmada.
Houve também emprego de meio cruel, notadamente porque os golpes deferidos contra o pescoço da vítima lhe causaram sofrimento excessivo desnecessário previamente a sua morte.
O fato foi cometido em razão de a vítima ser mulher e excompanheira de ROSMAR, pois em contexto de violência doméstica, notadamente porque o denunciado e a vítima mantiveram relacionamento afetivo que se rompera aproximadamente um mês antes do crime.
O delito foi praticado, ainda, na presença física do filho comum do 4 casal , P.E.M.F., de apenas 4 (quatro) anos à época, que estava no apartamento da vítima quando do cometimento do crime." (Evento 1).
A pedido do Ministério Público, decretou-se a prisão preventiva do denunciado (Evento 12 dos autos n 5001335-54.2020.8.24.0056).
Recebida a peça acusatória em 12.06.2020 (Evento 3), o réu foi citado e apresentou resposta escrita, por meio de defensor constituído (Evento 34).
Admitiu-se a genitora da ofendida como assistente do Ministério Público (Evento 113).
Após a instrução do feito, as partes apresentaram alegações finais (Eventos 113 e 126), sobrevindo decisão mista interlocutória prolatada pelo Juiz de Direito Victor Luiz Ceregato Grachinski, donde se extrai da parte dispositiva:
"Ante o exposto, acolho integralmente a denúncia para pronunciar Rosmar Alves Fernandes como incurso nas sanções do art. 121, § 2°, incisos II, III, IV e VI, §§ 2ª-A, inciso I, e 7º, inciso III, do Código Penal, c/c art. 5º, inciso III, da Lei n. 11.340/2006, devendo ser submetido a julgamento pelo Tribunal Popular do Júri desta Comarca.
Intimem-se pessoalmente o defensor, o Ministério Público e o acusado (art. 420, I, do CPP).
Nego ao acusado o direito de recorrer desta decisão e aguardar a sessão do Tribunal do Júri em liberdade, uma vez que as circunstâncias que ensejaram a decretação da prisão preventiva não sofreram alterações. Impende salientar que as testemunhas ouvidas até o momento poderão ser arroladas para serem inquiridas diante do Conselho de Sentença, de modo que a necessidade de salvaguardar a conveniência da instrução processual permanece presente.
Preclusa a decisão de pronúncia, dê-se vista dos autos, sucessivamente, à acusação e à defesa para, no prazo de 5 dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de cinco, oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências (art. 422 do CPP).
Após, voltem os autos conclusos (art. 423 do CPP).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se." (Evento 129).
Irresignado, o réu interpôs recurso em sentido estrito, sustentando: a) desclassificação para o crime de lesão corporal seguida de morte; b) alternativamente, afastamento de todas as qualificadoras (Evento 155).
Houve contrarrazões (Evento 162) pela manutenção da sentença.
Em 09.10.2020 os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que, por parecer do Procurador de Justiça Paulo Roberto Speck, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Evento 15). Retornaram conclusos em 15.10.2020 (Evento 16).


Documento eletrônico assinado por GETULIO CORREA, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 417914v5 e do código CRC 9a932f19.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): GETULIO CORREAData e Hora: 16/11/2020, às 11:46:43
















Recurso em Sentido Estrito Nº 5001421-25.2020.8.24.0056/SC



RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA


RECORRENTE: ROSMAR ALVES FERNANDES (ACUSADO) ADVOGADO: Marco Tulio Granemann de Souza (OAB SC003240) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


1. Presentes os pressupostos legais, o recurso é conhecido e desprovido.
2. O réu foi denunciado pela prática, em tese, do crime de feminicídio qualificado, assim tipificado no CP:
"Art. 121. Matar alguém:
[...]
§ 2° Se o homicídio é cometido:
[...]
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
[...]
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
[...]
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

Da leitura dos autos, vê-se correta a aplicação do art. 413 do CPP no decisum questionado.
Isso porque a decisão de pronúncia representa um simples juízo de admissibilidade, de cunho declaratório, na qual o magistrado procede à análise da existência do crime e de indícios da autoria delitiva.
Não se trata de decisão condenatória propriamente dita, a qual exige provas cabais da materialidade e da autoria. É por isso que, nesta fase processual, eventuais dúvidas acerca da autoria do delito e do elemento volitivo do agente devem ser dirimidas pela sociedade.
Afinal, nos crimes dolosos contra a vida, o juiz natural é a sociedade, que, por meio do Tribunal Popular do Júri, decide soberanamente a respeito das questões duvidosas, não podendo o juiz singular usurpar tal competência outorgada pela própria Constituição (art. 5º, XXXVIII, "c" e "d").
Da doutrina de Fernando da Costa Tourinho Filho, a propósito:
"Dês que haja prova da materialidade do fato e indícios suficientes de que o réu foi o seu autor, deve o Juiz pronunciá-lo. A pronúncia é decisão de natureza processual (mesmo porque não faz coisa julgada), em que o Juiz, convencido da existência do crime, bem como de que o réu foi seu autor (e procura demonstrá-lo em sua decisão), reconhece a competência do Tribunal do Júri para proferir o julgamento" (Código de processo penal comentado. Saraiva. 14 ed. São Paulo, 2012. v. 2, p. 80).
Acerca do tema, orienta o STJ:
"A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. Nesta fase processual, de acordo com o art. 413 do Código de Processo Penal, qualquer dúvida razoável deve ser resolvida em favor da sociedade, remetendo-se o caso à apreciação do seu juiz natural, o Tribunal do Júri" (HC n. 223.973, Mina. Marilza Maynard - convocada do TJSE, j. 27.06.2014).
Deste Tribunal, igualmente:
"'A pronúncia é mero juízo de admissibilidade; certa a existência do crime, toda e qualquer discussão que se distancie dos indícios da autoria (CPP, art. 408), deve ser feita perante o Tribunal do Júri. A liminar absolvição, portanto, em sede provisional, exige cabal demonstração da excludente de criminalidade ou causa de isenção, sem o que não pode ser admitida' (Recurso criminal n. 03.018784-7, de Itaiópolis, rel. Des. Irineu João da Silva)" (Recurso Criminal n. 2015.029774-0, Des. Jorge Schaefer Martins, j....

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