Acórdão Nº 5001424-59.2020.8.24.0159 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 15-12-2022

Número do processo5001424-59.2020.8.24.0159
Data15 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001424-59.2020.8.24.0159/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: SERTA-PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS LTDA (EMBARGADO) APELADO: KATIA GABRIELA RIGOTTI DAMIANI FLORENTINO (EMBARGANTE) APELADO: AMELIA BERNADETE RIGOTTI GONÇALVES (EMBARGANTE) APELADO: JOAO ANTONIO RIGOTTI (EMBARGANTE)

RELATÓRIO

SERTA-PARTICIPACOES E INVESTIMENTOS LTDA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pela magistrada de primeiro grau Michele Vargas, nos autos da ação de embargos de terceiros proposta por KATIA GABRIELA RIGOTTI DAMIANI FLORENTINO e outros, em curso perante o juízo da Vara Única da Comarca de Armazém, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de "ação de embargos de terceiro" ajuizada, em 03/09/2020, por João Antonio Rigotti, Amélia Bernadete Rigotti Gonçalves, Katia Gabriela Rigotti Damiani Florentino em desfavor de Serta Participações e Investimentos Ltda, nos autos qualificados, ao argumento de que: a) nos autos da execução em apenso, proposta pela embargada em face de Amândio Esmeraldino Correa e Lúcia Rogotti Correa, houve a penhora de 247.819 quotas da empresa Hotel do Lago Ltda, que originalmente pertenciam à executada Lúcia; b) o título inadimplido por Amândio e Lúcia, e que é objeto da execução em apenso, foi assinado em 31/08/2006; c) nesta data, a executada Lúcia não mais detinha todas as quotas penhoradas nos autos em apenso, haja vista que, no ano de 2004, celebrou com os embargantes contrato de cessão de 122.059 quotas; d) o contrato foi levado a registro na JUCESC e, por circunstâncias alheias à sua vontade, não houve a alteração das quotas, apenas a averbação do contrato de cessão; e) nos autos n. 0000885-04.2008.8.24.0159 a embargante Amélia busca que Lúcia seja compelida a proceder à averbação do contrato junto ao órgão competente, com a alteração das quotas; f) em virtude de serem proprietários das quotas onerosamente cedidas, deve ser levantada a constrição sobre elas impostas.

Pediram, ao final: a) a concessão de tutela de urgência a fim de suspender a alienação das 122.059 quotas cedidas; b) a determinação de levantamento da indisponibilidade/constrição judicial das 122.059 quotas; c) seja suspensa a penhora das 125.760 quotas de titularidade de Lúcia, até que se efetive a penhora de outros bens dos executados nos autos em apenso. Valoraram a causa. Juntaram documentos.

O pleito antecipatório foi deferido, determinando-se a suspensão dos efeitos da penhora sobre as quotas questionadas na presente lide (evento 15).

Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação, alegando, em suma, a inexistência de cessão válida das quotas sociais, em razão da ausência de assinatura em algumas laudas do contrato, bem como porque não há assinaturas das testemunhas. Sustentou que não há comprovação do pagamento pela cessão das quotas, de modo que o contrato é inválido. Ainda, argumentou que houve preclusão para apresentação dos presentes embargos de terceiro. Requereu, por fim, a improcedência dos pedidos iniciais (evento 24).

Houve réplica (evento 31).

Juntou-se aos autos cópia da sentença proferida nos autos n. 0000885-04.2008.8.24.0159 (evento 33).

Após, vieram os autos conclusos. É o relatório.

Passo a fundamentar e decidir.

Trata-se de "ação de embargos de terceiro" ajuizada por João Antonio Rigotti, Amélia Bernadete Rigotti Gonçalves, Katia Gabriela Rigotti Damiani Florentino em desfavor de Serta Participações e Investimentos Ltda, por meio da qual objetivam o levantamento da constrição imposta sobre 122.059 quotas sociais do Hotel do Lago Ltda.

Antes de prosseguir, registre-se que o feito será julgado antecipadamente, a teor do art. 355 do Código de Processo Civil, uma vez que se trata de providência que está em harmonia com a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal) e que, presentes as hipóteses legais, notadamente não havendo necessidade de produção de outras provas - como se verifica na espécie -, não implica cerceamento de defesa.

Inicialmente, deve-se afastar a alegação de que houve a preclusão para a propositura dos presentes embargos de terceiro. Como dito na decisão que deferiu a tutela de urgência, apesar de os embargantes terem sido cientificados acerca da penhora no ano de 2008, as quotas objeto da lide ainda não foram alienadas, de forma que a demanda fora proposta tempestivamente, nos termos do art. 675 do CPC.

Quanto aos embargos de terceiro, necessário salientar que possui o objetivo de vedar que a constrição judicial atinja patrimônio de pessoa diversa daquela cuja obrigação jurídica ensejou o ajuizamento de ação e, por conseguinte, os atos de expropriação de bens, sendo imprescindível que o terceiro seja proprietário ou possuidor de boa-fé.

Desse modo, para a procedência do pedido de desconstituição da penhora, é indispensável a convergências dos requisitos consistentes na qualidade de pessoa estranha aos polos da ação em que determinada a constrição e, além disso, a comprovação da propriedade ou posse da coisa penhorada. É o que dispõe o art. 674 do CPC:

Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.

§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.

§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:

I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843 ;

II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;

III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;

IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.

Levando-se em conta tais premissas, tem-se que devidamente demonstrada nos autos a existência dos requisitos necessários à procedência do pedido de levantamento da penhora de 122.059 quotas sociais efetuada nos autos da execução em apenso.

Analisando detidamente os autos da ação de execução por quantia certa apensada ao presente feito, movida pela embargada em desfavor de Amândio Esmeraldino Correa e Lúcia Rogotti Correa, observa-se que a demanda teve por objeto uma nota promissória emitida em 31/08/2006 (evento 299, anexo 47).

Em junho de 2007 houve a penhora de 247.819 quotas sociais do Hotel do Lago Ltda, de titularidade da executada Lúcia Rigotti Corrêa, naquela oportunidade, esposa do executado Amândio Esmeraldino Correa (evento 01, outros 14).

Nesse sentido, a parte embargante sustentou que é indevida a penhora da integralidade das quotas, uma vez que 122.059 delas não mais pertencem à executada quando penhoradas, mas aos embargantes, que as adquiriram por meio de contrato de cessão de quotas sociais.

Com razão.

Pelo que consta dos autos, antes de o crédito perseguido nos autos da execução ser gerado, a executada Lúcia celebrou contrato de cessão, em 14/01/2004, com a parte embargante, onde cedeu as 122.059 quotas que lhe pertenciam, consoante demonstra o instrumento contratual juntado ao evento 01 (outros 16). A executada permaneceu titular de 125.760 quotas.

Nesta toada, não merece acolhimento a alegação da embargada no sentido de que o contrato é inválido, pois não foi rubricado em todas as laudas, bem como porque não há assinaturas das testemunhas. Cotejando o instrumento, verifica-se que as partes assinaram o documento, cujas assinaturas foram reconhecidas em cartório (evento 31). Além do mais, o contrato foi, sim, assinado por duas testemunhas, tornando-se infundadas as alegações firmadas pela parte embargada.

Em 2005, os embargantes notificaram Lúcia para que esta, no prazo de cinco dias, assinasse a oitava alteração contratual do Hotel Lago Ltda, a fim de regularizar a transferência das quotas sociais, de acordo com o contrato cessão (evento 01, outros 17).

Ocorre que, por relutância da executada, não houve a alteração das quotas sociais junto ao órgão competente, sendo, então, encaminhado o contrato de cessão para a JUCESC, com intuito de arquivá-lo (evento 01, outros 20), mas por circunstâncias alheias (ação de separação entre os executados), não foi possível o arquivamento.

Nada obstante o não arquivamento do contrato de cessão e o fato de a executada Lúcia não ter assinado a oitava alteração contratual do hotel, a verdade é que os embargantes adquiriram, por cessão onerosa, parte das quotas sociais que pertenciam à executada Lúcia, em momento anterior à nota promissória firmada com o exequente, ora embargado, de forma que não podem permanecer constritas nos autos da execução.

A corroborar, tem-se a sentença dos autos n. 0000885-04.2008.8.24.0159, em que embargante Amélia requereu a condenação de Lúcia à obrigação de fazer consistente na assinatura da alteração contratual do Hotel Lago, a fim de regularizar a transferência das quotas. No decisum, transitado em julgado em 04/08/2021 (evento 394), reconheceu-se a existência e validade do contrato, oportunidade em que foi determinado o cumprimento da obrigação de fazer requerida na inicial.

Colaciona-se parte do julgado:

De acordo com o teor do Enunciado nº 225 da III Jornada de Direito Civil: " Na omissão do contrato social, a cessão de quotas sociais de uma sociedade limitada pode ser feita por instrumento próprio, averbado no registro da sociedade, independentemente de alteração contratual, nos termos do art. 1.057 e parágrafo único do Código Civil". No caso em comento, tenho que não houve previsão contratual em sentido diverso, sendo, portanto, perfeitamente possível a forma de instrumentalização escolhida para a cessão das quotas sociais (documento particular...

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