Acórdão Nº 5001445-18.2021.8.24.0024 do Segunda Câmara de Direito Civil, 27-01-2022

Número do processo5001445-18.2021.8.24.0024
Data27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001445-18.2021.8.24.0024/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001445-18.2021.8.24.0024/SC

RELATORA: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF

APELANTE: NELSI TEREZINHA GATTI VERONEZE (AUTOR) ADVOGADO: TIAGO EFRAIM SALVADOR (OAB PR087138) APELADO: SERASA S.A. (RÉU) ADVOGADO: JORGE ANDRE RITZMANN DE OLIVEIRA (OAB SC011985)

RELATÓRIO

Nelsi Terezinha Gatti Veroneze ajuizou a Ação de Indenização por Danos Morais n. 5001445-18.2021.8.24.0024 em face de Serasa S.A., perante 1ª Vara da comarca de Fraiburgo.

A lide restou assim delimitada no relatório da sentença proferida pela magistrada Fernanda Pereira Nunes (Evento 18):

NELSI TEREZINHA GATTI VERONEZE, por meio de procurador legalmente habilitado, ajuizou "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS" contra SERASA S/A, ambos já qualificados.

A parte autora alegou, em síntese, que tomou conhecimento da comercialização de seus dados pessoais por meio dos serviços denominados "Lista Online" e "Prospecção de Clientes" oferecidos pela parte ré.

Na sequência, descreveu as informações constantes do site da parte ré acerca da "Lista Online" e da "Prospecção de Clientes" e esclareceu que, na prática, o contratante dos serviços prestados pela parte ré recebe as seguintes informações do consumidor: CPF, nome, endereço, até três telefones e sexo.

Nesse aspecto, narrou que o serviço pode ser segmentado por meio do uso de filtros, tais como sexo, idade, poder aquisitivo, classe social, localização, modelos de afinidade e triagem de risco, de modo que o custo do serviço, por pessoa natural, é de R$ 0,98 (noventa e oito centavos) em um universo potencial de 150.000.000 (cento e cinquenta milhões) de titulares de CPF's.

A partir dessas considerações, alegou que nunca teve a intenção de fazer parte dessas listas, que, no seu ponto de vista, vão de encontro com as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados e do Código de Defesa do Consumidor.

Por outras palavras, sustentou que sofreu abalo moral, já que, em virtude dos fatos, foi tomada por angústia, preocupação, incômodo e insegurança, uma vez que os seus dados pessoais podem ser utilizados para fins ilícitos em seu prejuízo ou de terceiros de boa-fé.

Citou precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.758.799) e aduziu que houve venda casada do "Score".

Ao final, requereu a concessão da gratuidade judicial e a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais (Evento 1, INIC1).

Juntou documentos (Evento 1).

A gratuidade judicial foi concedida (Evento 4, DESPADEC1).

Devidamente citada (Evento 7, AR1), a parte ré apresentou resposta sob a forma de contestação (Evento 9, CONT2), na qual alegou, preliminarmente: a) a ausência de interesse processual da parte autora, uma vez que inexistiu pedido administrativo de exclusão do seu nome das listas; b) a inépcia da petição inicial, sob o argumento de que inexiste prova documental do suposto dano moral. No mérito, alegou, em suma: a) que a demanda é, na realidade, parte da indústria do dano moral, alimentada por advogados que criam pretensões judiciais descabidas, em larga escala e, depois, saem em busca de consumidores para nomear em suas iniciais; b) que a parte autora refere-se aos serviços de marketing da empresa; c) que tais serviços consistem na disponibilização aos clientes da Serasa Experian de informações não sensíveis, originadas de fontes públicas, ou de natureza cadastral ou, ainda, que tenham sido coletadas em outras fontes, por terceiros, com a observância da legislação pertinente e dos direitos dos consumidores (como nome, CPF, endereço, entre outros); d) que por meio dos produtos "Lista Online" e "Prospecção de Clientes" é possível que os clientes da empresa adquiram informações do banco de dados da companhia, recebendo uma listagem em PDF de potenciais consumidores, com base em determinado perfil, contendo os seus dados cadastrais (CPF, nome, endereço, gênero, data de nascimento e até três números de telefone); e) que, com essa listagem, os clientes da Serasa Experian podem promover ações de marketing para potenciais consumidores, com finalidade exclusivamente comercial; f) que a divulgação de dados de natureza cadastral ou pública efetivada para a finalidade de marketing, ou o uso de tais dados em modelos internos da empresa, portanto, não fere qualquer direito do consumidor, seja da honra, privacidade ou qualquer outro; g) que recentemente, em ação civil pública que questionou especificamente o serviço de marketing de listas para prospecção ("Lista Online"), proposta pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, o Poder Judiciário entendeu que inexiste ato ilícito; h) que há nítida distinção entre o precedente do Superior Tribunal de Justiça e o caso em apreço; i) que inexiste dano moral a ser reparado; j) que inexiste venda casada em relação ao "Score Turbo". Finalizou requerendo a improcedência do pedido inicial e a condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé.

Juntou documentos (Evento 9).

A parte autora apresentou réplica (Evento 13, RÉPLICA1).

Ato contínuo, os autos vieram conclusos.

[...]

Na parte dispositiva constou:

Ante ao exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por NELSI TEREZINHA GATTI VERONEZE na presente ação ajuizada em desfavor de SERASA S/A extinguindo o feito com resolução do mérito.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil.

A exigibilidade da verba sucumbencial devida ficará suspensa por 05 (cinco) anos, diante da gratuidade judicial concedida (CPC, art. 98, § 3º).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Caso haja a apresentação de apelação por qualquer uma das partes e considerando que não há exame de admissibilidade de recurso pelo Juízo de Primeiro Grau, desde já determino a intimação do recorrido para contrarrazoar, em 15 (quinze) dias úteis. Após, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina (artigo 1.013 do Código de Processo Civil).

Oportunamente, arquivem-se os autos.

Irresignada, a Autora interpôs Recurso de Apelação (Evento 23), aduzindo, em síntese, que: a) a Ré efetua "um comércio aberto de dados sigilosos de pessoas que sequer tem conhecimento de tal prática", o que é ilegal, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD); b) a Requerida oferece um serviço denominado "prospecção de clientes", lucrando com os dados de pessoas, sem o conhecimento destas, classificando-os como bons e ruins; c) "o contratante dos serviços acima descritos, recebe uma ou mais bases de dados de contatos (clientes) com as seguintes informações: CPF, nome, endereço, até 3 telefones e sexo, todos fornecidos sem o consentimento ou conhecimentos dessas pessoas" e "o serviço pode ser segmentado por meio do uso de filtros, tais como sexo, idade, poder aquisitivo, classe social, localização, modelos de afinidade e triagem de risco"; d) o serviço é negociado por R$ 0,98 por nome; d) a conduta da Demandada já foi questionada em ação civil pública e pelo Procon do Estado de São Paulo; e) "não quer e nunca teve intenção de fazer parte destas listas, sequer recebeu qualquer valores pela comercialização de seus dados, ou sequer autorizou tal comerceiliação [sic]"; e) "a parte recorrida quem vende dados sigilosos, comerciando as claras sem qualquer autorização ou consentimento, além de promover o score possitivo [sic] para seus assinantes, ou seja, para quem pagar, uma evidente venda casada"; f) o vício de consentimento ocasiona dano moral presumido, que se perfectibiliza pela alienação dos dados sigilosos, ante a violação do direito à intimidade, privacidade e exposição de dados pessoais; g) "o fato da parte recorrente ter seus dados pessoais disponibilizados e comercializados na internet é suficiente para causar um grande temor pela sua segurança e de seus familiares, a ponto de resvalar na paz de espírito deles"; h) "ao comercializar dados pessoais dos cadastrados, como a parte autora, ultrapassa o limite permitido pela legislação brasileira e fere o direito à privacidade da parte autora, bem como seus direitos a intimidade e a imagem, o que inclui o direito à proteção de seus dados pessoais, bem como que o seu respectivo tratamento seja feito de forma adequada"; e i) faz jus à indenização pela ofensa contra si perpetrada.

Ao final, rogou pelo provimento do Apelo para que a sentença seja reformada a fim de ser "reconhecido o comércio ilegal de dados da parte recorrida além da clara venda casada" e ser a Ré condenada "ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), ou em outro valor a ser fixado", bem como ao custeio dos ônus sucumbenciais.

Apresentadas as Contrarrazões (Evento 28), os autos vieram a esta Corte.

Instada a se manifestar sobre o documento juntado pela Apelada ao responder o Recurso (Evento 4 dos autos recursais), a Autora peticionou prestando as declarações que entendeu pertinentes (Evento 8).

Após, regressaram os autos conclusos para julgamento.

É o relato do necessário.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do Recurso.

Trata-se de demanda em que a Autora sustentou ser ilegal a comercialização de dados pessoais pela Demandada nos termos das Leis ns. 8.078/1990 e 13.709/2019, apontando que a prática ocasionou-lhe danos morais por violação aos direitos da personalidade.



1 Interesse de agir

Em sede de contrarrazões, a Apelada sustentou que a Apelante carece de interesse processual quanto ao pedido de exclusão de todos os dados pessoais dos seus bancos de dados, porquanto não formulou o pedido na via extrajudicial.

Todavia, a prefacial não pode prosperar.

A norma processual civil exige, como condição da ação, a legitimidade ad causam e o interesse de agir. É o que se extrai do art. 17 do Código de Processo Civil: "para postular em juízo é necessário ter...

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