Acórdão Nº 5001455-02.2019.8.24.0002 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5001455-02.2019.8.24.0002
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001455-02.2019.8.24.0002/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001455-02.2019.8.24.0002/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: ELAINE ANISIA RHODEN (AUTOR) ADVOGADO: VITOR LEONARDO SCHMITT BERNARDONI (OAB SC049331) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)

RELATÓRIO

Elaine Anisia Rhoden ajuizou ação declaratória nulidade de contrato bancário c/c conversão em avença de mútuo consignado, repetição de indébito e indenização por danos morais (RMC) em face de Banco PAN S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento *).

Contestação apresentada (evento 12).

Réplica no evento 17.

Sobreveio sentença de mérito, com o seguinte dispositivo (evento 27):

ANTE O EXPOSTO, revogo a tutela de urgência e julgo improcedentes os pedidos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade suspendo por força da Justiça Gratuita.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 32), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a declaração da nulidade do contrato de cartão consignado (RMC); b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais em valor não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) e à repetição do indébito em dobro; c) a incidência da correção monetária a contar dos desembolsos e de juros moratórios desde a citação; d) a majoração dos honorários sucumbenciais e o arbitramento dos recursais.

Contrarrazões no evento 42.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente "ação declaratória nulidade de contrato bancário c/c conversão em avença de mútuo consignado, repetição de indébito e indenização por danos morais" (RMC), julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, representando obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Verifica-se, por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, conforme se verifica dos descontos realizados no contracheque da autora (evento 1, declaração de hipossuficiência 7, e contraqueche 8, fls. 18 e ss.).

Entretanto, compulsando detidamente o caderno processual, constata-se que a contestação, o contrato, e as contrarrazões juntados pelo banco não dizem respeito à autora Elaine Anisia Rhoden, haja vista que em nome de Antonio Pereira da Silva (eventos 12 e 42).

Assim, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na eventual contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de professora da Secretaria do Estado de Santa Catarina (evento 1).

Oportunamente, cabe destacar que a casa bancária não acostou o contrato e as faturas do cartão de crédito supostamente solicitado pela parte autora, para fins de comprovação de aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da consumidora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que a parte demandante, professora, submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a instituição financeira não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Portanto, observa-se, em verdade, que houve a utilização de modalidade mais gravosa para a parte autora (e mais vantajosa para a casa bancária), fato que ocasionou o desvirtuamento da real intenção da requerente, ferindo, assim, o princípio da lealdade e da boa-fé que regem as relações comerciais.

A respeito, tem-se as seguintes disposições do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

[...] § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...] III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT