Acórdão Nº 5001458-56.2021.8.24.0011 do Segunda Câmara Criminal, 14-09-2021

Número do processo5001458-56.2021.8.24.0011
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5001458-56.2021.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

RECORRENTE: DENILTON DA SILVA RODRIGUES (ACUSADO) ADVOGADO: FLAVIO ANITO DE SOUZA (OAB SC027775) ADVOGADO: JORGE LUIZ MARTINS (OAB SC004466) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) OFENDIDO: LUIZ FABIANI MANSKE BORDIN (OFENDIDO)

RELATÓRIO

Na Comarca de Brusque, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Denilton da Silva Rodrigues, dando-o como incurso nas sanções dos arts. 121, § 2º, incisos II e IV, c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal, e art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03, em razão dos seguintes fatos:

FATO 1

Segundo consta incluso no caderno indiciário, o denunciado DENILTON DA SILVA RODRIGUES reside na Rua Valdir Zorrer, n. 162, Bairro Steffen, nesta urbe, em uma quitinete que fica no mesmo terreno da casa do laçador, ora vítima Luiz Fabiani Manske Bordin.

No dia 11 de janeiro de 2021, por volta das 10h30min, DENILTON saiu de sua quitinete e foi em direção a casa da vítima Luiz, onde iniciou uma discussão, passando a ofender a vítima,visto que estava inconformado devido ao fato de o locador ter exigido a desocupação do imóvel em que o denunciado residia uns dias antes.

Na mesma ocasião o denunciado arremessou uma garrafa de vidro contra a vítima, causando nele pequenos ferimentos no braço (vide imagem anexa ao B.O. De fl. 5 do Inquérito 1 do evento 1).

Na sequência, o denunciado deixou o local, retornando para sua quitinete, onde se muniu de uma arma de fogo, calibre .22, e retornou até a casa da vítima, que fica a poucos metros de distância, com evidente animus necandi.

Ele ainda foi interpelado pelo seu amigo Adriano Bispo dos Santos que tentou demovê-lo da ideia, porém sem sucesso.

Após encontrar a vítima, DENILTON apontou o armamento que trazia consigo para Luiz e disparou contra ele algumas vezes, errando estes disparos, sendo que posteriormente tentou dar continuidade ao intento criminoso mas o artefato falhou, impedindo o criminoso de consumar sua ação por circunstâncias alheias à sua vontade.

Depois disso, o denunciado e seu amigo Adriano que saiu da casa atrás de DENILTON para tentar dissuadi-lo da ideia de matar Luiz fugiram em um motocicleta.

Os dois se ocultaram na casa da irmã de DENILTON, situada na Rua Antonio José Fischer, n. 236, Bairro Imigrantes, na cidade de Guabiruba/SC, onde a polícia militar compareceu para deter o atirador, mas ele logrou êxito em fugir novamente. Na casa da irmã de DENILTON foi apreendida a arma utilizada na prática criminosa, contendo uma munição intacta e quatro deflagradas (vide imagens anexas ao B.O. De fls. 11/12 e fls. 14/15 do Inquérito 1 do evento 1).

Após revista na residência do denunciado, com autorização da companheira deste, os policiais lograram êxito em encontrar uma munição de calibre .22 intacta e dois estojos deflagradas (vide imagem anexa ao B.O. De fl. 6 e fls. 14/15 do Inquérito 1 do evento 1).

Alguns dias depois dos fatos, o denunciado foi detido em cumprimento a mandado de prisão (vide B.O. De fl. 10 do Inquérito 2 do evento 1).

Convém informar que DENILTON tentou cometer o crime de homicídio contra a vítima por motivo fútil, em razão de seu inconformismo com o pedido feito pela vítima pela desocupação do imóvel, o que é completamente injustificável diante da gravidade da conduta que ele desejava consumar.

Anota-se que os envolvidos não possuíam desentendimentos anteriores, apenas houve o pedido de desocupação do imóvel por parte do locador, ora vítima, mas nada que pudesse ocasionar o ato final, sendo que DENILTON xingou a vítima e disparou imediatamente, de forma completamente consciente com intento claro de matá-lo.

Além disso, DENILTON atacou Luiz de completo inopino, surpreendendoo com os disparos de arma de fogo, pegando-a de maneira desprevenida, de surpresa, porque ele não esperava o ataque, pois estava na sua casa quando ele apareceu, não tendo havido nada que pudesse justificar o ataque contra sua vida, não podendo ele imaginar que o denunciado fosse atacá-lo repentinamente com intuito de matá-lo pelo seu inconformismo com o pedido feito dias antes, estando completamente desarmado, sem possibilidade de oferecer defesa.

Dessa forma, o denunciado DENILTON tentou matar pessoa, por motivo fútil e mediante uso de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.

FATO 2

Anota-se que a arma de fogo que estava na posse do denunciado DENILTON DA SILVA RODRIGUES na data dos fatos narrados acima, ele já possuía e detinha a sua disposição muito antes dos fatos, sem ter qualquer autorização, ocultandoa na sua própria casa e transportando-a consigo, sendo que na data do acontecido o denunciado a utilizou para tentar ceifar a vida da vítima.

A arma se mostrou eficiente aos fins a que se destina, tendo em vista que foi dela que saíram os disparos que, felizmente, não acertaram a vítima de início.

Dessa forma, o denunciado DENILTON possuiu, manteve sob sua guarda, portou, deteve, adquiriu, recebeu, teve em depósito e transportou arma de fogo de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Encerrada a instrução preliminar, o Juízo de origem julgou admissível a Exordial e, em consequência, pronunciou Denilton da Silva Rodrigues pela prática do ilícito previsto no art. 121, § 2º, incisos II e IV, c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal, e art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03.

Irresignada, a Defesa interpôs Recurso em Sentido Estrito, em cujas Razões pugna pela despronúncia, com fundamento na insuficiência probatória. Subsidiariamente, pugna pela revogação da segregação cautelar.

Apresentadas as Contrarrazões, os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Fábio Strecker Schmitt, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do Recurso.

Este é o relatório.

VOTO

O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.

Do mérito

Pugna, a Defesa, pela despronúncia, por entender que os elementos de convicção produzidos se mostram insuficientes à manutenção do decisium vergastado.

Sem razão.

Inicialmente, cumpre dizer que, em crimes da competência do Tribunal do Júri, como na hipótese, o Magistrado somente está autorizado a reconhecer provas da materialidade do crime e indícios de sua autoria, relegando a apreciação do mérito da causa ao Órgão constitucionalmente destinado à tal fim.

Desta forma, nessa fase, em que vigora o brocardo in dubio pro societate, é defeso ao Juiz uma profunda valoração das provas amealhadas ao processo, cabendo-lhe, tão somente, o exame da viabilidade da acusação.

Acerca do assunto, aliás, manifestou-se esta Câmara Criminal, quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito de n. 0000012-58.2012.8.24.0031, de relatoria da Desembargadora Salete Silva Sommariva, julgado em 13/06/2017, e de cujo inteiro teor se extrai o seguinte excerto:

A compatibilidade do brocardo in dubio pro societate com o texto constitucional decorre da própria garantia constitucional atribuída à instituição do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF, no qual se privilegia o caráter popular e democrático dos veredictos em situações que se viole o bem jurídico vida.

Desse modo, a observância à tal máxima no momento da decisão de pronúncia, cuja índole é de um juízo de admissibilidade acerca da imputação levada a cabo pela acusação, a fim de submeter o feito à apreciação pelo Tribunal do Júri, não significa uma decisão de mérito a respeito do caso, senão uma forma de assegurar o exercício da garantia fundamental por aqueles que, constitucionalmente, detêm a prerrogativa de julgar crimes dolosos contra a vida, isto é, a sociedade ou comunidade.

Portanto, no microssistema do Tribunal do Júri, não há falar-se em incompatibilidade ou prevalência de um princípio sobre outro, pois, enquanto na etapa de admissibilidade a dúvida é resolvida em benefício da sociedade, na fase de julgamento do mérito a incerteza sobre a autoria de crime doloso contra a vida conduz à absolvição do réu, em que incide a máxima do in dubio pro reo.

Diante disso, os brocardos em referência não podem ser considerados mutuamente excludentes justamente porque, nesse procedimento autônomo, a sua incidência opera-se em etapas distintas, nas quais são proferidas decisões de natureza diversas, de modo a justificar a aplicação de tais princípios em cada uma delas.

Isso posto, descabe cogitar de inconstitucionalidade do art. 413 do CPP, pois sua aplicação visa enaltecer o preceito constitucional contido no art. 5º, XXXVIII, "d", proibindo-se a interferência do juiz singular em hipóteses nas quais a Constituição assegura a participação popular e democrática. (grifou-se)

Feitas tais considerações, proceder-se-á à análise quanto a existência de elementos mínimos a possibilitar a remessa do julgamento de mérito ao Tribunal do Júri.

Consta dos autos...

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