Acórdão Nº 5001472-58.2021.8.24.0005 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 27-10-2022

Número do processo5001472-58.2021.8.24.0005
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001472-58.2021.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO

APELANTE: CLAUDETE MOREIRA CAVALARI (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Na Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Balneário Camboriú, Claudete Moreira Cavalari ajuizou ação "declaratória de nulidade de contrato cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais" contra Banco BMG S.A., objetivando a declaração de inexistência de contratação de empréstimo pela modalidade de cartão de crédito, o cancelamento do saldo devedor, a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente na pensão da parte autora, a condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 13.000,00 e, subsidiariamente, a readequação do contrato para a modalidade de empréstimo consignado "padrão". Postulou, ainda, a concessão a tutela de urgência, a inversão do ônus da prova, a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, e a condenação da instituição financeira ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

O pleito foi fundado na alegada ausência de contratação dessa espécie de avença, aduzindo ter firmado apenas contrato de empréstimo consignado, cujo pagamento se daria mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Para embasar sua pretensão, juntou os documentos do Evento 1 dos autos de origem.

A análise do pedido de tutela de urgência foi postergada para depois de apresentada a contestação. Foi concedido os benefícios da gratuidade judiciária e invertido o ônus da prova (Evento 3 dos autos de origem).

Citado, o banco demandado apresentou contestação e documentos, defendendo a prescrição e decadência, além da legalidade da contratação. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos formulados na inicial (Evento 8 dos autos de origem).

A parte autora manifestou-se sobre a contestação (Evento 12 dos autos de origem).

Em seguida, o togado a quo reconheceu a decadência do direito da autora e julgou extinto o presente feito (Evento 14), nestes termos:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil, reconheço a decadência do direito do autor de anular o negócio jurídico e, em consequência, JULGO EXTINTO o presente feito movido por CLAUDETE MOREIRA CAVALARI em desfavor de BANCO BMG S.A, razão pela qual condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica sobrestada em virtude da concessão da gratuidade judiciária (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).

Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, pugnando pelo afastamento da prescrição/decadência, reiterando as teses trazidas em sua peça vestibular para o provimento de seu apelo (Evento 18 dos autos de origem).

Depois de apresentadas as contrarrazões pela instituição financeira (Evento 28 dos autos de origem), o feito foi remetido a esta Corte de Justiça.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso interposto, passa-se à análise da quaestio juris.

1 Inicialmente, a parte autora discorreu sobre a inexistência de decadência/prescrição referente ao contrato em discussão, uma vez que foi firmado em fevereiro de 2017, enquanto protocolada a ação em janeiro/2021, devendo ser aplicado ao caso o prazo de 5 (cinco) anos previsto no art. 27 do CDC.

A apelada, por sua vez, afirma que o contrato foi perfectibilizado em janeiro de 2016, portanto, ocorrida a prescrição.

Por primeiro, faz-se necessário esclarecer a distinção entre os institutos da prescrição e decadência. A esse respeito, traz-se à baila lição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

Realmente, já antecipamos que há perfeita correspondência entre os institutos da prescrição e decadência e a classificação das ações, de acordo com a tutela jurisdicional pretendida.

E isto se dá, em verdade, porque se a prescrição é a extinção da pretensão à prestação devida - direito este que continua existindo na relação jurídica de direito material - em função de um descumprimento (que gerou a ação), esta somente pode ser aplicada às ações condenatórias. Afinal, somente este tipo de ação exige o cumprimento coercitivo de uma prestação.

Já a decadência, como se refere à perda efetiva de um direito, pelo seu não-exercício no prazo estipulado, somente pode ser relacionada aos direitos potestativos, que exijam uma manifestação judicial. Tal manifestação, por ser elemento de formação do próprio exercício do direito, somente pode-se dar, portanto, por ações constitutivas (Novo curso de direito civil: parte geral. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 467. v. I, sem destaque no original).

Definidas essas premissas, destaca-se que a presente demanda visa à reparação dos danos decorrentes de descontos supostamente indevidos lançados em benefício previdenciário, situação que não se revela aplicável o instituto da decadência, mas, sim, o disposto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê, de fato, prazo prescricional de 5 (cinco) anos, o qual começa a contar a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Nesse sentido, colhem-se julgados do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes (AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27-8-2019, sem destaques no original).

E desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO, COM PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DESCONTOS DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA [...] RECLAMO DO BANCO DEMANDADO. AGITADA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO NO TOCANTE AOS PLEITOS DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. TESE REPELIDA. RELAÇÃO JURÍDICA SOB ENFOQUE DE NATUREZA CONTINUADA. TERMO INICIAL, ADEMAIS, QUE DEVE PRINCIPIAR À DATA DO ÚLTIMO DESCONTO REALIZADO NO BENEFÍCIO DA PARTE ACIONANTE, E NÃO A CONTAR DO ATO DA PACTUAÇÃO, COMO AGITADO NA INSURGÊNCIA. LAPSO EXTINTIVO NÃO TRANSCORRIDO (Apelação Cível n. 0303852-80.2019.8.24.0023, da Capital - Bancário, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. em 23.1.2020, sem destaque no original).

In casu, primeiramente extrai-se a informação de desconto nos proventos da apelante no mesmo mês (janeiro) e ano (2021) em que proposta a presente ação (Evento 1 - Outros 7 dos autos de origem), não caracterizada, portanto, a prescrição, razão pela qual deve ser dado provimento ao recurso para cassar a sentença extintiva (Evento 14 dos autos de origem).

Por conseguinte, tendo em vista que a causa encontra-se suficientemente madura para julgamento, deve o ato judicial ser complementado, com a análise do pleito exordial, conforme dispõe o art. 1.013, § 4º, do Código de Processo Civil.

Pois bem.

2 A questão será analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes amolda-se às definições de consumidor final e fornecedor de serviços previstas nos arts. 2º e 3º, § 2º, daquela lei especial de regência.

3 Analisando a documentação encartada nos autos, infere-se que a parte...

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