Acórdão Nº 5001533-25.2020.8.24.0175 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 31-05-2022

Número do processo5001533-25.2020.8.24.0175
Data31 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001533-25.2020.8.24.0175/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BALSAMINA MARCELINO PREIS (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: GUSTAVO PALMA SILVA (OAB SC019770) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos por BALSAMINA MARCELINO PREIS e BANCO BMG S.A contra sentença de parcial procedência (evento 25) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:

JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por BALSAMINA MARCELINO PREIS em desfavor de BANCO BMG SA, para, acolhendo o pedido subsidiário e com amparo no artigo 6º, incisos III e V do Código de Defesa do Consumidor, determinar que a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado" conforme parâmetros acima elencados.

Ainda, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Frente a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a serem partilhados no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada uma, à luz do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil - sobretudo por se tratar de demanda de pouca complexidade, com reduzido número atos processuais e sem instrução do processo -, corrigidos monetariamente a partir da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora após o trânsito em julgado.

Por ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 3), fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte requerente.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Oportunamente, arquivem-se.

Em suas razões recursais (evento 29), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Diz que inexiste termo final a caracterizar dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, que se dá na data do vencimento da fatura, que constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores. Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, a autora (evento 33) requer a condenação da casa bancária ré ao pagamento de indenização por danos morais, haja vista o ilícito praticado por esta, e, ao final, haver a inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 41 e 42).

Este é o relatório.

VOTO

Insurgem-se ambos os litigantes contra sentença de parcial procedência da ação declaratória de inexistência do contrato de cartão de crédito cumulada com repetição do indébito e indenização por danos morais.

Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.

Contratação via cartão de crédito consignado (irresignação da ré)

Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.

No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela readequação do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, pelos seguintes parâmetros:

Com o fito de estabelecer diretrizes ao contrato sub judice, a instituição financeira, quando da readequação dos termos do contrato do "Cartão de Crédito Consignado" para os termos do empréstimo consignado observará os seguintes parâmetros:

a) o capital do empréstimo consignado será aquele disponibilizado pela instituição financeira, tanto quando da contratação, como eventuais valores posteriormente solicitados pela parte requerente;

b) os juros remuneratórios limitar-se-ão à taxa permitida pela legislação e pelo próprio INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para contratos dessa natureza, salvo se a taxa anteriormente contratada for mais benéfica ao consumidor, hipótese em que os juros remuneratórios a serem aplicados serão os contratados;

c) a data do empréstimo consignado será a mesma da assinatura do contrato em questão;

d) o valor de cada parcela deverá necessariamente corresponder (coincidir) com o valor da parcela estabelecido para o contrato de "Cartão de Crédito Consignado" - salvo em relação a última, que poderá ser menor -, porquanto foi esse o valor da parcela que a parte requerente aceitou contratar na ocasião, presumindo-se que possui condições saldá-la mensalmente, pois nada em sentido contrário consta nos autos.

e) a despeito da readequação dos termos do contrato, por questões de ordem prática e principalmente em respeito à Lei n. 10.820/2003, os descontos mensais das parcelas do financiamento continuarão incidindo sobre a Reserva de Margem Consignado (5%) até a quitação do saldo devedor, em havendo;

f) o número de parcelas do financiamento e eventual saldo devedor serão apurados em observância aos parâmetros acima estabelecidos. (evento 25).

Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.

Pois bem.

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.

Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).

Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).

Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:

O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação: a contratação de cartão de crédito com RMC.

Na sua folha de pagamento será descontado apenas o correspondente a 6% do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor e mais os acréscimos é enviado para pagamento sob a forma de fatura que chega mensalmente à casa do consumidor.

Se este pagar integralmente o valor da fatura, que é o próprio valor do empréstimo, estará quitada a dívida; se, entretanto, como ocorre em quase todos os casos, o pagamento se restringir ao desconto consignado no contracheque (6% apenas do total devido), sobre a diferença não paga, isto é, 94% do...

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