Acórdão Nº 5001533-64.2019.8.24.0044 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 13-05-2021

Número do processo5001533-64.2019.8.24.0044
Data13 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001533-64.2019.8.24.0044/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: HENRIQUE GINESTE SCHROEDER (OAB SC003780) ADVOGADO: MAIARA SOARES DALPIAZ (OAB SC036381) APELADO: ACIOMAR DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO: Lourival Salvato (OAB SC028775)


RELATÓRIO


BANCO BMG SA interpôs recurso de apelação (autos da origem, evento 26) em face da sentença (autos da origem, evento 22), que, proferida pelo juízo da 1ª Vara da Comarca de Orleans, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor na ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido de restituição de valores e de indenização por dano moral, para converter a operação de saque em cartão de crédito em operação de empréstimo pessoal consignado, condenando a instituição financeira demandada, ainda, à restituição/compensação de eventuais valores cobrados a maior em decorrência da contratação de operação não consentida pelo consumidor, bem como ao pagamento de danos morais à parte contrária.
Cuida-se, na origem, de na ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido de restituição de valores e de indenização por dano moral aforada em 17-12-2019 aforada por ACIOMAR DE SOUZA contra BANCO BMG SA, na qual sustenta, inicial, (1) a invalidade do contrato firmado entre as partes. Neste sentido, informa que foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, operação com natureza e sujeita a encargos diversos, e superiores, aos do empréstimo pretendido. Destaca que o desconto do valor emprestado em sua folha de pagamento, limitado a 5% de seu rendimento líquido, acaba por tornar o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização, fazendo com que o consumidor, a despeito dos pagamentos efetuados, permaneça eternamente devedor do saldo contratado. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Defende, por fim, (2) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária.
No evento 3 (autos da origem), foi concedida a gratuidade da justiça requerida pelo demandante.
Devidamente citado, o BANCO BMG SA apresentou contestação (autos da origem, evento 10), na qual defendeu, em suma, que houve a expressa contratação pelo autor, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores ao autor, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido. Pugnou pela improcedência da demanda.
Manifestação à contestação no evento 16 (autos da origem), na qual o autor, rebatendo os argumentos da parte adversa, reitera os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.
Sobreveio sentença de mérito prolatada em 19-12-2019 pela magistrada Rachel Bressan Garcia Mateus, da 1ª Vara da Comarca de Orleans, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (autos da origem, evento 22):
Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, com resolução de mérito, julgo procedentes os pedidos iniciais formulados por ACIOMAR DE SOUZA contra BANCO BMG S.A. para o fim de:
a) declarar inexistente a relação jurídica exclusivamente com relação ao cartão de crédito com RMC, com o consequente cancelamento do referido cartão;
b) determinar que a parte requerida proceda com a conversão do contrato "cartão de crédito consignado" para "empréstimo consignado", tendo como valor atual do financiamento o decorrente do montante originalmente repassado à parte autora, subtraída a quantia total dos descontos já efetivadas de RMC, sem qualquer acréscimo de encargo moratório, ressaltando-se que as condições desse novo contrato, notadamente o número de prestações, deverão ser recalculadas, levando-se em conta o percentual máximo consignável;
c) condenar o BANCO BMG S.A. a restituir em dobro os valores indevidamente descontados da aposentadoria da parte autora em relação ao contrato, corrigidos monetariamente pelo INPC e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, ambos contados desde o desconto de cada parcela, permitida a compensação com eventual saldo devedor.
d) condenar o BANCO BMG S.A. ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a titulo de indenização por danos morais, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, a partir do evento danoso (13.11.2015) e correção monetária pelo INPC a partir desta data.
Ainda que o valor da condenação não tenha sido fixado no valor postulado pela parte, mas em observância à jurisprudência majoritária atual sobre o tema, não haverá sucumbência recíproca, nos termos da Súmula 326 do STJ, razão pela qual condeno a parte ré integralmente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se.
Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (autos da origem, evento 26), por sua vez, alega, em síntese, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.
Contrarrazões apresentadas no evento 33 (autos da origem).
Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.
Este é o relatório

VOTO


1. Exame de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
2. Fundamentação
2.1. Da regularidade da operação contratada entre as partes
Sustenta a instituição financeira recorrente, inicialmente em seu recurso, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido.
Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.
A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).
As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):
Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os...

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