Acórdão Nº 5001548-92.2020.8.24.0013 do Quarta Câmara de Direito Civil, 19-05-2022

Número do processo5001548-92.2020.8.24.0013
Data19 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001548-92.2020.8.24.0013/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: FUGINI ALIMENTOS LTDA (RÉU) APELADO: JOCELAINE PEREIRA VAZ (AUTOR)

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 53 dos autos de primeiro grau), por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Jocelaine Pereira Vaz ajuizou a presente ação de indenização por danos morais em face de Fugini Alimentos Ltda, partes já qualificadas. Alegou a autora que no dia 14/12/2020 adquiriu um sachê de molho de tomate da marca ré, pelo qual efetuou o pagamento no valor de R$ 1,80 (um real e oitenta centavos). Discorreu ter deparado com um corpo estranho dentro da embalagem, provavelmente um rato em decomposição. Mencionou que, após promover reclamações com a empresa ré, recebeu em troca um novo sachê de molho, sendo recolhido aquele que apresentava problemas. Pugnou a autora pela inversão do ônus da prova e condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais em valor não inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Citada, a empresa ré ofereceu contestação no ev. 19, impugnando a concessão de gratuidade da justiça à autora. No mérito, sustentou não ter sido comprovado que o produto foi contaminado, até porque a embalagem "estufa" quando isto acontece, o que não ocorreu no caso concreto. Rechaçou os argumentos de indenização por danos morais e inversão do ônus da prova. Réplica em ev. 24. Na audiência de instrução e julgamento foram ouvidos três informantes, uma testemunha, além de colhido o depoimento pessoal da autora. Alegações finais remissivas (ev. 46).

A Magistrada julgou procedente o pedido exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido exordial, com resolução de mérito, o que faço com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil e, por via de consequência, condeno a parte ré ao pagamento de R$ 10.000,00 à autora a título de indenização por danos morais, valor este que deverá ser atualizado monetariamente desde o seu arbitramento pelo INPC, com juros de mora de 1% ao mês a contar do evento danoso (outubro/2020). Condeno ainda a ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a parte ré interpôs apelação na qual alega, em resumo, a ausência dos requisitos da responsabilidade civil em razão da inexistência de ato ilícito, nexo de causalidade entre a conduta da empresa e os danos alegados pelo apelado.

Alega a ausência de abalo anímico indenizável.

Requer, pois, a improcedência dos pedidos exordiais com a consequente condenação da apelada ao pagamento dos encargos sucumbenciais (evento 59).

Contrarrazões no evento 66.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, uma vez que a Lei n. 13.256/2016 modificou a redação original do referido dispositivo legal para flexibilizar a obrigatoriedade de a jurisdição ser prestada em consonância com a ordem cronológica de conclusão dos autos. Observe-se que essa salutar alteração legislativa significou uma importante medida destinada à melhor gestão dos processos aptos a julgamento, pois permitiu a análise de matérias reiteradas e a apreciação em bloco de demandas ou recursos que versem sobre litígios similares sem que haja a necessidade de espera na "fila" dos feitos que aguardam decisão final, o que contribui sobremaneira na tentativa de descompressão da precária realidade que assola o Poder Judiciário em decorrência do assombroso número de lides jurisdicionalizadas.

Trata-se de apelação cível contra sentença que, em ação indenizatória por danos morais, julgou procedente o pedido exordial e condenou a ré ao pagamento de R$ 10.000,00 à autora, bem como das custas e dos honorários sucumbenciais, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, de acordo com o art. 85, §2º, do CPC.

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

A demandada pretende a reforma do decisum guerreado para seja julgado improcedente o pedido exordial.

Aponta que o produto não foi remetido para análise ou qualquer outra verificação para se averiguar se o produto estava contaminado e em que circunstâncias teriam ocorrido essa contaminação.

Aduz que se estivesse contaminado o produto, a embalagem estaria estufada e não há relatos de tal ocorrência.

Sustenta que os métodos de fabricação da recorrente são eficientes e seguros, fato impeditivo do direito da requerente, sendo impossível que durante o processo fabril ocorresse qualquer tipo de contaminação de tal natureza.

De início, ressalte-se ser indiscutível que se está diante de relação de consumo, atraindo os ditames do Código de Defesa do Consumidor.

Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade dos fornecedores é objetiva, ou seja, independe da demonstração de culpa para estar configurada, bastando a prova da conduta lesiva, do dano e do nexo causal, conforme preceituam os artigos 3º, § 2º e 18, caput, da Lei n. 8.078/1990, in verbis:

Art. 3º [...] § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

A matéria objeto deste recurso sempre se revelou controversa na jurisprudência pátria, especialmente quanto a necessidade da ingestão do produto contaminado pelo consumidor para a configuração dos danos morais.

Contudo, recentemente, a Segunda Seção da Corte da Cidadania proferiu orientação no sentido de que, para fins de caracterização do dano moral prescinde a efetiva ingestão, pelo consumidor, do produto alimentício com corpo estranho:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. AQUISIÇÃO DE ALIMENTO (PACOTE DE ARROZ) COM CORPO ESTRANHO (CONGLOMERADO DE FUNGOS, INSETOS E ÁCAROS) EM SEU INTERIOR. EXPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR A RISCO...

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