Acórdão Nº 5001557-06.2020.8.24.0126 do Primeira Câmara Criminal, 21-06-2022

Número do processo5001557-06.2020.8.24.0126
Data21 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5001557-06.2020.8.24.0126/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: JOSE GONCALVES DE LIMA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

No Juízo da 2ª Vara da Comarca de Itapoá, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de José Gonçalves de Lima, pela prática, em tese, das infrações penais contra a vida disciplinadas no art. 121, § 2º, II, IV e VI, na forma do § 2º-A, II, com a causa de aumento prevista no § 7º, III, Código Penal (Fato 1), e art. 121, § 2º, II, IV e VI, na forma § 2º-A, II, com a majorante do § 7º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (Fato 2), bem como do crime conexo disposto no art. 129, do Estatuto Repressor (Fato 3), em razão dos fatos assim narrados na inicial acusatória (Evento 1 dos autos originários):

FATO 1 - FEMINICÍDIO MAJORADO

No dia 7/8/2020, por volta das 18:00, na Rua 1920, s/n, bairro Palmeiras, Itapoá/SC, o denunciado José Gonçalves de Lima, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, matou a vítima Sônia Regina Barboza da Silva, com dois disparos de arma de fogo, atingindo-a na cabeça.

José tinha desentendimentos com família da vítima e por diversas vezes já haviam trocado ofensas recíprocas.

No dia dos fatos, José teve mais uma dessas corriqueiras discussões com a vítima, aproximadamente 1 hora antes do cometimento do crime.

Naquele dia, José não conseguiu conter o desprezo que sentia ao ouvir palavras, que entendia como desaforadas, proferidas por uma mulher e dirigidas a ele. Mesmo já tendo ouvido palavras semelhantes proferidas por outras pessoas daquela família e naquele contexto, não suportou o fato de que uma mulher lhe ofendesse em público. Em completo menosprezo ao gênero feminino, o denunciado não aceitou que uma mulher, pudesse dirigir-se a ele daquela forma, apesar de já ter antes suportado inerte ofensas análogas oriundas do cônjuge e do cunhado dela.

Assim, após ouvir da vítima palavras que considerou inaceitáveis, premeditou o delito, armou-se e foi em direção à casa da filha de Sônia, onde ela estaria. Chegando ao local, deixou sua motocicleta ligada ao lado de fora (o que demonstra que tinha plena consciência de seus objetivos) e adentrou a residência pronto para matar.

Entrando na casa, José disse para a vítima "retire tudo o que você falou", sacou a arma e, mesmo diante das súplicas de Sônia, efetuou um disparo em direção a sua cabeça, momento em que a vítima foi ao chão. Logo em seguida, confirmando sua intenção de matar, o denunciado efetuou mais um disparo de arma de fogo em direção à cabeça da vítima, que já se encontrava no chão.

Ao desferir dois tiros na cabeça de vítima, que estava desarmada em sua residência, o denunciado, em ação rápida e inesperada, cometeu o delito mediante recurso que dificultou sua defesa.

Os fatos ocorreram na presença física de dois filhos da vítima, Evelyn Regina Martins, de 19 anos, e outro filho de 5 anos de idade, e do neto, de 10 meses.

A vítima morreu no local, em decorrência de traumatismo crânio encefálico grave por ferimentos por arma de fogo, como comprova o Laudo Pericial nº 9406.20.02967 (fls. 41/42, Evento 1, autos 5001541-52.2020.8.24.0126).

FATO 2 - FEMINICÍDIO NA FORMA TENTADA

Na mesma data, horário e local apontados no Fato 1, o denunciado José Gonçalves de Lima, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, imediatamente, tentou matar a vítima Evelyn Regina Martins, não consumando seu intento por circunstância alheia à sua vontade, consistente no fato de que a arma falhou quando o denunciado tentou desferir tiros contra a vítima.

O denunciado, após ter desferido dois tiros contra a vítima Sônia, engatilhou a arma e tentou atirar contra a vítima Evelyn, porém, a arma falhou.

Os mesmos motivos que fundamentaram a decisão do denunciado de matar a vítima Sônia, fundamentaram sua decisão de matar Evelyn, que também havia participado da contenda pretérita.

No momento imediatamente anterior, Evelyn segurava seu filho, bebê, no colo, que, portanto, presenciou os fatos, junto ainda com o irmão dela, de 5 anos de idade.

FATO 3 - LESÃO CORPORAL

Na mesma data, horário e local apontados no Fato 1, o denunciado José Gonçalves de Lima, de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, logo que frustrada a execução de seu intento feminicida contra Evelyn, ofendeu-lhe a integridade corporal, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial 9406.20.02962, consistentes em "fratura da falange proximal do primeiro quirodáctilo esquerdo, ferida corto contusa suturada com cerca de 2 cm de extensão no dorso da mão esqueda, ferida corto contusa suturada com 3 cm e extensão no couro cabeludo região temporal esquerda, ferida corto contusa suturada com cerva de 2 cm de extensão no supercílio esquerdo, hematoma periorbitário esquerdo".

O denunciado causou as referidas lesões ao agredir a vítima pegando-a pelos cabelos, jogando-a no chão e batendo nela com sua arma.

Encerrada a instrução processual e apresentadas alegações finais pelas partes, sobreveio sentença de pronúncia, que julgou admissível a pretensão formulada, submetendo o réu a julgamento Popular pelo suposto cometimento dos delitos descritos na peça vestibular (Evento 121 dos autos originários).

Inconformado com a prestação jurisdicional, o réu manejou Recurso em Sentido Estrito, o qual, à unanimidade, foi conhecido e desprovido por esta Colenda Câmara Criminal, que manteve a decisão de pronúncia nos seus exatos termos (Evento 18 destes autos).

Realizado o julgamento, o Conselho de Sentença reconheceu a materialidade e autoria dos delitos atribuídos ao acusado, razão pela qual o Juiz presidente julgou procedente a denúncia, com o seguinte dispositivo (Evento 283 dos autos originários):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia e, em consequência, CONDENO o acusado José Gonçalves de Lima, já qualificado, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 36 anos e 2 meses de reclusão e 5 meses de detenção, em regime inicialmente fechado, por infração ao artigo 121, § 2º, incisos II e IV, e § 7º, inciso III, do mesmo artigo, do Código Penal (Fato 1), artigo 121, § 2º, incisos II e IV e no § 7º, inciso III, do mesmo artigo, do Código Penal, na forma do artigo 14, inciso II, do mesmo Código (Fato 2), e artigo 129 do Código Penal (Fato 3).

Irresignado, o réu interpôs o presente recurso, sustentando, em suma: a) prefacialmente, o reconhecimento de nulidade posterior à pronúncia em razão do uso indevido de algemas na sessão plenária de julgamento; b) a realização de novo julgamento, porquanto a decisão dos jurados, no tocante à tese de homicídio privilegiado, motivação fútil e crime doloso contra a vida da vítima Evelyn, revela-se manifestamente contrária à prova dos autos; c) a injustiça na aplicação da pena, em razão da valoração desfavorável da culpabilidade dos três delitos imputados na denúncia, bem como porque não foi reconhecido o comportamento da vítima em seu favor; e d) ao final, quanto ao delito de lesão corporal, a necessidade de afastamento da negativação dos vetores atinentes ao motivo e circunstâncias do crime, bem como da agravante do recurso que dificultou a defesa da vítima deve ser afastada, pois ausente elementos a ampará-la (Evento 284 dos autos originários).

Em contrarrazões, o Ministério Público propôs a manutenção incólume da sentença vergastada (Evento 287 dos autos originários).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Procurador Henrique Limongi, que se manifestou pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 41 destes autos).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 2357208v13 e do código CRC 994ea439.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIROData e Hora: 21/6/2022, às 18:29:36





Apelação Criminal Nº 5001557-06.2020.8.24.0126/SC

RELATORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO

APELANTE: JOSE GONCALVES DE LIMA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por José Gonçalves de Lima en face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Itapoá que, considerando o julgamento externado pelo Tribunal do Júri, julgou procedente a pretensão deduzida na denúncia e condenou-o à pena privativa de liberdade de 36 (trinta e seis) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 5 (cinco) meses de detenção, em regime inicial fechado, por infração ao art. 121, § 2º, II e IV, e § 7º, III, do Código Penal (Fato 1), ao art. 121, § 2º, II e IV e § 7º, III, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal (Fato 2), e ao art. 129, do Código Penal (Fato 3).



1. Dos fatos

Consta da peça vestibular, em suma, que o apelante, de forma consciente e voluntária, ceifou a vida da vítima Sônia Regina Barboza da Silva mediante a deflagração de dois disparos de arma de fogo contra a cabeça da ofendida.

Segunda a pretensão acusatória, o réu - que costumava desentender-se com a família da vítima -, no dia dos fatos, após uma das discussões corriqueiras, não conteve o desprezo pelas palavras proferidas por uma mulher e planejou a empreitada delituosa. Assim, consoante a acusação, o recorrente, armado, dirigiu-se à casa da filha da vítima Sônia, adentrou no domicílio, sabendo que a encontraria, e efetuou dois disparos na região da cabeça de Sônia, causando-lhe ferimentos que foram a causa eficiente da sua morte.

De acordo com o Parquet, os fatos ocorreram na presença física de dois filhos da vítima, Evelyn Regina Martins, de 19 anos, outro filho de 5 (cinco) anos de idade, e do neto, de 10 meses.

Ato contínuo, consoante sustentado na peça vestibular, nas mesmas...

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