Acórdão Nº 5001562-67.2020.8.24.0113 do Primeira Turma Recursal - Florianópolis (Capital), 09-06-2022

Número do processo5001562-67.2020.8.24.0113
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
Classe processualRECURSO CÍVEL
Tipo de documentoAcórdão
RECURSO CÍVEL Nº 5001562-67.2020.8.24.0113/SC

RELATOR: Juiz de Direito DAVIDSON JAHN MELLO

RECORRENTE: MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ/SC (RÉU) RECORRIDO: TEREZINHA ARTZ (AUTOR)

RELATÓRIO

Relatório dispensado, a teor do art. 38 da Lei n. 9.099/95.

VOTO

Trata-se de recurso inominado interposto pelo MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ contra a sentença que julgou procedentes os pedidos iniciais, para "declarar nulos os contratos temporários firmados entre as partes referentes ao período de 03/04/2006 até 01/11/2016", bem como "condenar o réu ao pagamento dos valores de FGTS, limitados ao período retroativo de cinco anos do ajuizamento da ação" (Evento 28).

Em síntese, o recorrente defende (a) a incidência da prescrição trienal (inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil); (b) a impossibilidade jurídica do pedido; (c) a regularidade das contratações temporárias e a inviabilidade do levantamento das quantias relacionadas ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).

Pois bem.

A autora/recorrida (técnica em enfermegem) ingressou com a ação subjacente visando: o reconhecimento da nulidade dos contratos temporários que celebrou com o ente municipal recorrente no período compreendido entre abril de 2006 e novembro de 2016; e a subsequente percepção dos valores atinentes ao FGTS.

Não se afigura aplicável a tal pretensão o prazo prescricional de 3 (três) anos disciplinado no inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil. A hipótese submete-se, consoante reiterada jurisprudência, ao lapso quinquenal referido no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.

A propósito:

RECURSO INOMINADO. FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO. PRORROGAÇÃO. DIREITO AO RECEBIMENTO DOS VALORES DO FGTS DURANTE O PERÍODO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO ENTE PÚBLICO. PLEITEIA, EM SUMA, PROVIMENTO PARA DESOBRIGAR O MUNICÍPIO DE CAMBORIÚ A RECOLHER FGTS. PRESCRIÇÃO TRIENAL. INAPLICABILIDADE. PRAZO QUINQUENAL, NOS TERMOS DO DECRETO-LEI N. 20.910/32, DIANTE DA ESPECIALIDADE DESTE DIPLOMA (STJ, RESP 1.251.993, REL. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES). PRECEDENTES NAS TURMAS RECURSAIS. [...] (TJSC, Recurso Cível n. 0300051-80.2019.8.24.0113, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Juiz Marco Aurelio Ghisi Machado, Segunda Turma Recursal - Florianópolis (Capital), j. 13-04-2021).

Não há como acolher, portanto, a insurgência no tocante a esse aspecto (prescrição).

Também não prospera a suscitada impossibilidade jurídica do pedido. Além de não representar mais uma das condições da ação (porque a partir da vigência do NCPC a possibilidade jurídica do pedido passou a ser tratada como matéria de mérito), não se vislumbra óbice à dedução de causa de pedir e dos pedidos encerrados no caso dos autos.

A esse respeito:

RECURSO INOMINADO. MUNICÍPIO DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ. TESE DE QUE AS CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS FORAM SUCESSIVAS, O QUE ACARRETARIA NA NULIDADE DOS CONTRATOS E NO DIREITO DA SERVIDORA AO FGTS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA COM FUNDAMENTO NA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INSURGÊNCIA DA AUTORA. POSICIONAMENTO DESTA TURMA RECURSAL NO SENTIDO DE QUE PODE EVENTUALMENTE SER RECONHECIDA A NULIDADE, CASO COMPROVADAS SUCESSIVAS RENOVAÇÕES DE UM ÚNICO CONTRATO, SEM PRÉVIO PROCESSO SELETIVO E INSTRUMENTO CONTRATUAL PRÓPRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Recurso Cível n. 5010447-06.2020.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Margani de Mello, Segunda Turma Recursal - Florianópolis (Capital), j. 20-07-2021).

Quanto à inadequação das inúmeras renovações dos contratos de serviço temporário (para o exercício das funções de técnico em enfermagem e de auxiliar de enfermagem) firmados entre os litigantes (e a consequente burla à regra do concurso público - art. 37, inciso II, da Constituição Federal), à inviabilidade de se atribuir culpa à demandante (dolo bilateral) e o seu direito à percepção das verbas concernentes ao FGTS (nos termos do art. 19-A da Lei n. 8.036/1990), incumbe reproduzir o seguinte excerto da veneranda sentença guerreada (Evento 29), in verbis:

De início, deve-se dizer que a modalidade de "contratação temporária" de servidores é perfeitamente admissível pelo direito brasileiro, nos termos do art. 37, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, ainda que regida pelo critério da excepcionalidade, eis que, cediço, o concurso é a regra para a investidura no serviço público. Somente em casos de excepcional interesse público, para atender necessidade temporária, será possível a contratação de servidores públicos por prazo determinado, sem concurso público prévio.

Alexandre de Moraes, comentando este dispositivo, ensina que:

"O texto constitucional permite a contratação temporária sem concurso público no art. 37, IX, mantendo disposição relativa à contratação para serviço temporário e de excepcional interesse público, somente nas hipóteses previstas em lei. [...] "Observe, porém, que haverá flagrante desvio inconstitucional dessa exceção se a contratação temporária tiver como finalidade o atendimento de necessidade permanente da Administração Pública. Assim, impossível a contratação temporária por tempo determinado - ou de suas sucessivas renovações - para atender a necessidade permanente, em face do evidente desrespeito ao preceito constitucional que consagra a obrigatoriedade do concurso público, admitindo-se, excepcionalmente essa contratação, em face da urgência da hipótese e da imediata abertura de concurso público para preenchimento dos cargos efetivos" (in Constituição do brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo, Atlas, 2002, p. 849/850).

O tema em análise já foi objeto de muitas discussões, pois, em tese, essas reiteradas e sucessivas contratações implicariam na descaracterização do instituto, por burlar o caráter temporário e excepcional. Diante disso, vê-se que o Supremo Tribunal Federal creditou repercussão geral ao tema:

"DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PESSOAL. DISCUSSÃO ACERCA DOS REQUISITOS DA TEMPORARIEDADE E DA EXCEPCIONALIDADE, JUSTIFICADORES DO INTERESSE PÚBLICO EM QUE FUNDAMENTADA A CONTRATAÇÃO. MATÉRIA QUE ULTRAPASSA OS INTERESSES DAS PARTES, PASSÍVEL DE REPETIÇÃO EM INÚMEROS PROCESSOS. PRESENÇA DE REPERCUSSÃO GERAL". (RE 658026 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 1-11-12).

Mais adiante, a Suprema Corte discorreu sobre os requisitos para a (in)validade do contrato temporário, in verbis:

"O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração" (RE 658026, Relator: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2014, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-214 divulg 30-10-2014 public 31-10-2014).

Os requisitos supracitados formam a tese do Tema 612 do Supremo Tribunal Federal, sendo, deste modo, questão pacificada.

A nulidade da contratação almejada pela demandante, portanto, perpassa pela análise dos requisitos referenciados em sede de repercussão geral.

A demandante foi contratada temporariamente pela Administração Pública Municipal para os cargos de técnico de enfermagem, de 03/04/2006 a 31/05/2011 e...

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