Acórdão Nº 5001569-42.2020.8.24.0054 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 27-09-2022

Número do processo5001569-42.2020.8.24.0054
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001569-42.2020.8.24.0054/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: INEZ JOCHEN GUCKERT (AUTOR) ADVOGADO: ADRIANO MEZZOMO (OAB SC018297) ADVOGADO: BIANCA LETICIA MANSCHEIN (OAB SC063948) APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: GERSON VANZIN MOURA DA SILVA (OAB SC009603) ADVOGADO: JAIME OLIVEIRA PENTEADO (OAB SC017282)

RELATÓRIO

INEZ JOCHEN GUCKERT ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada (RMC) em face de BANCO BRADESCO S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 3).

Contestação apresentada (evento 10).

Réplica no evento 14.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 62):

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por INEZ JOCHEN GUCKERT contra o BANCO BRADESCO S.A., nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

Reconheço a má-fé processual do autor e, por conseguinte, condeno-o ao pagamento da multa prevista no caput do art. 81 do CPC, no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, observado o comando legal previsto no art. 98, 4º, do mesmo diploma legal.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 77), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a declaração de inexistência de débito; b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais e repetição do indébito; c) afastamento da multa por litigância de má-fé.

Contrarrazões no evento 81.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento acostado no evento 10.

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da ora parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente. Ademais, poderia ter juntado aos autos as faturas do cartão de crédito, documentos que poderiam comprovar que utilizou a cártula para aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade desta (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para o consumidor.

Portanto, muito embora a celebração do contrato de empréstimo por meio de cartão de crédito consignado esteja formalmente correta, observa-se, em verdade, que houve a utilização de modalidade mais gravosa para a consumidora (e mais vantajosa para a casa bancária), fato que ocasionou o desvirtuamento da real intenção do requerente, ferindo, assim, o princípio da lealdade e da boa-fé que regem as relações comerciais.

A respeito, tem-se as seguintes disposições do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

[...] III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

[...] § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...] III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Em hipóteses muito símiles a ora analisada, já decidiu esta Corte de Justiça:

APELAÇÕES CÍVEIS. RESTITUIÇÃO DE VALORES E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. AUTOR QUE PRETENDIA OBTER EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. EFETIVAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DESTINADOS AO PAGAMENTO MÍNIMO INDICADO NA FATURA DO CARTÃO. TAXA DE JUROS INCOMPATÍVEIS COM A MODALIDADE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT