Acórdão Nº 5001598-17.2020.8.24.0079 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 31-03-2022

Número do processo5001598-17.2020.8.24.0079
Data31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001598-17.2020.8.24.0079/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001598-17.2020.8.24.0079/SC

RELATOR: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA

APELANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (AUTOR) ADVOGADO: ALEX SCHOPP DOS SANTOS (OAB RS046350) APELANTE: FERNANDA NASCIMENTO DA SILVA (RÉU) ADVOGADO: JOAO MATHEUS DE SOUSA ANDRADE (OAB SC048597) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela devedora fiduciante, Fernanda Nascimento da Silva, da sentença, de lavra do Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Videira (Dr. Rafael Resende Britto), que, nos autos da ação de busca e apreensão proposta pelo credor fiduciário, Banco Bradesco Financiamentos S.A, julgou procedentes os pedidos formulados na exordial, para consolidar em mãos do banco credor a posse e a propriedade do bem alienado fiduciariamente, bem como julgou improcedentes os pedidos revisionais formulados pela devedora em contestação.

A devedora fiduciante, ora apelante, alegou em suas razões recursais:

(a) que os juros remuneratórios fixados no contrato são abusivos, uma vez que superiores ao fixados pelo Bacen à época da contratação;

(b) que é ilegal a cobrança de juros na forma capitalizada;

(c) que a ação de busca e apreensão deve ser julgada improcedente tendo em vista que o banco credor não constituiu regularmente em mora a devedora fiduciante;

(d) que são abusivas as cobranças referentes à tarifa de avaliação do bem e à tarifa de cadastro;

(e) que é ilegal a prática da venda casada; e

(f) que o credor deve ser condenado em danos morais, tendo em vista a ausência de formalidade legal para a propositura da ação, qual seja, a constituição em mora válida da parte devedora.

Pautou-se, nesse sentido, pelo provimento do apelo.

O credor apresentou contrarrazões ao evento 74, suscitando, em preliminar, a falta de dialeticidade do recurso. No mérito, pugna pela manutenção do veredicto.

É o relatório.

VOTO

I. Tempus regit actum

A sentença recorrida foi proferida em 26.03.2021. Logo, para fins de admissibilidade, à lide é aplicável o novo Código de Processo Civil, em consonância com o Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

II. Admissibilidade

Porque presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

Isso porque, da análise do recurso da devedora, nota-se que foram confrontados os argumentos desenvolvidos na sentença, ainda que de forma simples, não repetindo os termos trazidos em contestação.

Por tal razão, afasto a preliminar de falta de dialeticidade recursal, suscitada em contrarrazões pelo credor fiduciário.

III. Apelo da devedora fiduciante

(a) juros remuneratórios

Acerca da temática concernente à fixação de juros remuneratórios em contratos bancários, tal como a hipótese dos autos, a Súmula n. 382 do Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade".

Ademais, no que tange à possibilidade de revisão da taxa pactuada, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recursos Especiais Repetitivos (REsp. n. 1.112.879 e REsp. n. 1.112.880), firmou o seguinte entendimento:

Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações na espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.

Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios.

(REsp. n 1.112.879/PR. Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. em 12.05.2010).

Com efeito, a jurisprudência admite a revisão da cláusula que estabelece o percentual dos juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que aplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso e a exista abusividade no pacto, nos termos do entendimento fixado pelo o Superior Tribunal de justiça, em julgamento de Recurso Especial, afeto ao rito dos recursos repetitivos:

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

(REsp. N. 1.061.530/RS. Relª Minª Nancy Andrighi, j. em 22.10.2008).

Colhe-se do teor do aludido acórdão os esclarecimentos acerca dos parâmetros a serem utilizados pelo julgador ao apreciar a questão atinente à revisão da cláusula contratual dos juros remuneratórios:

[...] conclui-se que é admitida a revisão das taxas de juros em situações excepcionais, desde que haja relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) esteja cabalmente demonstrada.

Necessário tecer, ainda, algumas considerações sobre parâmetros que podem ser utilizados pelo julgador para, diante do caso concreto, perquirir a existência ou não de flagrante abusividade.

Inicialmente, destaque-se que, para este exame, a meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional para a Selic - taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - é insatisfatória. Ela apenas indica o menor custo, ou um dos menores custos, para a captação de recursos pelas instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional. Sua adoção como parâmetro de abusividade elimina o 'spread' e não resolve as intrincadas questões inerentes ao preço do empréstimo.

Por essas razões, conforme destacado, o STJ em diversos precedentes tem afastado a taxa Selic como parâmetro de limitação de juros. Descartados índices ou taxas fixos, é razoável que os instrumentos para aferição da abusividade sejam buscados no próprio mercado financeiro. Assim, a análise da abusividade ganhou muito quando o Banco Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias, ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados pelas instituições financeiras nas operações de crédito realizadas com recursos livres (conf. Circular nº 2957, de 30.12.1999).

As informações divulgadas por aquela autarquia, acessíveis a qualquer pessoa através da rede mundial de computadores (conforme http://www.bcb.gov.br/?ecoimpom - no quadro XLVIII da nota anexa; ou http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES, acesso em 06.10.2008), são segregadas de acordo com o tipo de encargo (prefixado, pós-fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador (pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada ('hot money', desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, 'vendor', cheque especial, crédito pessoal, entre outros).

A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade.

Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros. A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média.

Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos...

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