Acórdão Nº 5001612-05.2020.8.24.0013 do Quarta Câmara de Direito Civil, 30-03-2023

Número do processo5001612-05.2020.8.24.0013
Data30 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001612-05.2020.8.24.0013/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001612-05.2020.8.24.0013/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃO


APELANTE: NELCI MARTINS DOS SANTOS (REQUERENTE) APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.


RELATÓRIO



Nelci Martins dos Santos (requerente) interpôs recurso de apelação contra sentença (Evento 60, SENT1 dos autos de origem) que, na ação declaratória de inexistência de débito e com pleito de restituição em dobro e cumulada com compensação por danos morais, aforada em desfavor do Banco Santander (Brasil) S.A. (substituto do Banco Olé Bonsucesso Consignado S.A - requerido), julgou improcedentes os pedidos exordiais.
Em atenção aos princípios relacionados à economia e à celeridade processual, adota-se para o relatório e esclarecimento dos fatos àquele redigido pelo Magistrado de Origem na sentença (Evento 60), porquanto retrata a questão em litígio e a tramitação da demanda a ser julgada.
Nelci Martins dos Santos ajuizou ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais c/ pedido de tutela provisória de urgência de natureza antecipada e repetição de indébito em face de Banco Ole Consignado S.A, ambos devidamente qualificados nos autos.
Narrou, em síntese, que: (a) é pessoa idosa e humilde, titular de benefício previdenciário de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo; (b) teve pedido de empréstimo consignado indeferido, sob fundamento de que não havia mais limite, uma vez que teria realizado empréstimo em 10/2020, no valor de R$ 11.934,19, com desconto a partir de 11/2020; (c) o autor não reconhece esse financiamento, mas apenas o que foi realizado em 10/2020 no Banco Panamericano; (d) o valor supostamente emprestado não foi creditado em sua conta. Requereu: (i) gratuidade de justiça; (ii) em sede liminar, a suspensão do desconto das parcelas relativas ao empréstimo questionado; (iii) seja declarada a inexistência do débito indicado; (iv) condenação da ré a restituir em dobro os valores indevidamente descontados; (v) condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 25.000,00.
A tutela provisória de urgência foi concedida (evento 5).
Citado, o requerido apresentou contestação(evento 14), na qual alegou que: (a) o contrato foi firmado em 23/09/2020, no valor de R$ 12.036,09, tratando-se de refinanciamento de outros empréstimos (refinanciamento e portabilidade); (b) o valor excedente de R$ 587,63 foi depositado na conta do autor; (c) o contrato foi formalizado de modo digital, tendo o autor encaminhado seus documentos e foto; (d) não houve tentativa de resolução na via administrativa e não há danos, motivo pelo qual não se configurou pretensão resistida; (e) o contrato não pode ser anulado sem devolução dos valores recebidos.
Instadas acerca da produçaõ probatória (evento 15), a ré requereu que (evento 20): (a) seja oficiado ao Banco Bradesco para apresentar extratos bancários de janeiro a setembro/2019; (b) seja oficiado ao Banco Cooperativo do Brasil S/A para apresentar extratos de outubro a junho/2020; (c) seja oficiado ao Banco Safra para que informe se ocorreu a portabilidade do contrato em agosto/2019 para o Banco Pan.
Por sua vez, a parte autora apresentou réplica (evento 21), na qual o alegou que não possui meios para efetuar contratação por meio eletrônico. Reiterou os pedidos iniciais. Ainda, requereu a produção de prova pericial e testemunhal (evento. 30).
Decisão de saneamento (evento 32).
Respostas aos ofícios expedidos (eventos 47, 48 e 50).
A parte autora reiterou os argumentos expostos na exordial e réplica (evento 56) e a parte ré confirmou a ocorrência de portabilidade (evento 57).
(Grifos no original.)
Sentenciando, o Togado de primeiro grau julgou a lide nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, CPC, com resolução do mérito, julgo improcedentes os pedidos.
Por consequência, revogo a decisão de evento 5.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados estes em 10% do valor da causa, dada sua baixa complexidade (art. 85, § 2º, do CPC). Contudo, suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência com relação à parte autora, pois concedida a gratuidade da justiça, a teor do que dispõe o art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.
Inconformado com a prestação jurisdicional, o demandante apela e apresenta suas razões recursais (Evento 65, APELAÇÃO1, p. 1-9), por meio da quais, após explanação fática, sustenta, em síntese, a ausência de prova de regular contratação, sob o argumento de que "o Apelado/instituição bancária apenas anexou as imagens/fotografias na negociação, sem qualquer prova que, de fato, o apelante tenha enviado. Além disso, juntou no evento 20, cópia de e-mails enviados ao apelante, com a proposta e posterior liberação do contrato, sem que haja qualquer resposta ou confirmação por parte do Apelante Nerci. Além disso, também merece atenção o fato de que não há qualquer assinatura que embase a contratação, tampouco provas de que o apelado contratou o referido empréstimo" (p. 4).
Argui que sequer possui e-mail para transacionar, sendo pessoa humilde, "de modo que as imagens/fotografias não foram enviadas por ele bem como não são aptas a suprir assinatura e configurar a negociação, conforme prevê o próprio contrato" (p. 4), bem como que "NÃO houve a confirmação da transação econômica (financiamento) entre as partes pelo Apelado. Portanto a relação foi unilateral, ou seja, o Apelado transacionou com os dados cadastrais do Apelante, sem a autorização desse" (p. 5), e assim reforça que "NÃO REALIZOU a portabilidade/refinanciamento, NÃO AUTORIZOU que o fizesse, NÃO ENVIOU fotografia/imagem dos seus documentos pessoais, tampouco assinou qualquer documento hábil a comprovar a transação" (p. 7).
Desse modo, afirma que deve ser "julgando procedente os pedidos iniciais, reconhecendo a inexistência do negócio jurídico, condenando o banco a danos morais e repetição do indébito" (p. 7), nos termos da peça inicial.
Intimado, o réu apresentou contrarrazões, requerendo o desprovimento do apelo (Evento 71, CONTRAZ1, p. 1-7).
Distribuídos os autos, então, vieram conclusos.
Este é o relatório.


VOTO


Trata-se de recurso de apelação combatendo sentença proferida em ação declaratória de inexistência de débitos cumulada com pleito de devolução em dobro e indenização por danos morais, demanda na qual se discute a validade de instrumento contratual de crédito, porquanto alega o apelante não tê-lo pactuado, eis que não teria realizado qualquer refinanciamento de empréstimos consignados anteriores com o apelado.
De início, prudente destacar que a sentença foi proferida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
O apelo é cabível, tempestivo, e a parte postulante está dispensada do pagamento de preparo, porque litiga sob a concessão do benefício da Gratuidade de Justiça (Evento 5, DESPADEC1), razão pelas quais admite-se a análise e o processamento.
Adianta-se que o recurso deve ser acolhido, culminando na necessidade de reforma da sentença e novo julgamento, no sentido da parcial procedência, nos termos da fundamentação abaixo.
I - Da apreciação segundo normas protetivas estabelecida no CDC:
Ab initio, consigna-se que a relação estabelecida entre as partes é de consumo, razão pela qual incidem na hipótese as normas protetivas previstas no Código de Defesa do Consumidor, o que inclusive foi reconhecido nos autos de origem sem oposição do apelado.
Cediço que nas relações de consumo consumidor é à pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final e de fornecedor a "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (artigos 2° e 3° do Legislação Consumerista).
Desse modo, a legislação consumerista, por sua natureza protetiva, preconiza a responsabilidade civil objetiva relativa aos danos causados, fundamentada pela teoria do risco (artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e artigos 12, 14 e 17 do CDC), ao passo que a demonstração da culpa do fornecedor de serviços, salvo exceção legal, é prescindível.
Com efeito, conforme a orientação da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho leciona que:
[...] todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos. (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 544).
Excepciona-se a responsabilidade do fornecedor apenas quando comprovada alguma situação que ocasione a ruptura do nexo de causalidade, na exegese do art. 14, § 3°, II e III do CDC, o que não se vislumbra na hipótese em...

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