Acórdão Nº 5001621-06.2020.8.24.0000 do Órgão Especial, 19-04-2023

Número do processo5001621-06.2020.8.24.0000
Data19 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão










Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5001621-06.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SALIM SCHEAD DOS SANTOS


AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis ADVOGADO(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA RÉU: Câmara de Vereadores - MUNICÍPIO DE FORQUILHINHA/SC - Forquilhinha RÉU: Prefeito - MUNICÍPIO DE FORQUILHINHA/SC - Forquilhinha MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: MUNICÍPIO DE FORQUILHINHA/SC


RELATÓRIO


A Procuradoria-Geral de Justiça, por seu Procurador de Justiça Coordenador do CECCON, e o Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça da Comarca de Meleiro ajuizaram a presente ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo 53, VI, da Lei Complementar n. 17/2011 do Município de Forquilhinha, por afronta aos artigos 10, § 1º, e 112, I e II, da CESC/1989.
O dispositivo impugnado tem a seguinte redação:
Art. 53. Os parcelamentos devem atender ao disposto nesta lei, bem como à ordem urbanística expressa em leis municipais, Lei do Plano Diretor Municipal, Lei de Uso e Ocupação do Solo Municipal, e aos seguintes requisitos:
[...]
VI - Quando de interesse do Poder Público Municipal, as áreas verdes públicas e destinadas à implantação de equipamentos urbanos poderão ser definidas fora do perímetro da gleba onde for realizado o loteamento.
Os autores sustentam, em suma, que ao permitir que as áreas verdes públicas pudessem ser definidas fora do perímetro da gleba em que for realizado o loteamento, o Município extravasou sua competência suplementar, na medida em que contraria as regras estabelecidas pela União na Lei n. 6.766/1949, cujo artigo 4º, I, dispõe que os loteamentos devem contemplar "áreas destinadas a sistema de circulação, à implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livros de uso público", assim como também contraria regras estabelecidas pelo Estado de Santa Catarina na Lei n. 17.492/2018, cujo artigo 7º exige reserva mínima de 35% da área da gleba para áreas públicas. Requereram, ao final, a procedência da ação, com afastamento dos efeitos repristinatórios (evento 1, INIC1).
Notificado, o Prefeito de Forquilhinha defendeu a constitucionalidade do dispositivo impugnado porquanto, no seu entendimento, houve regular exercício da competência legislativa suplementar, pois cabe ao Município promover o parcelamento e a ocupação do solo urbano, com a finalidade de atender as especificidades e necessidades locais, Afirmou que "tanto a Lei Estadual como a Lei Federal em momento algum vedam que as áreas públicas sejam externas a área loteada, esta análise deve ser feita localmente, para preservação do interesse local" (evento 18, INF1).
A Câmara de Vereadores, notificada, deixou de se manifestar (evento 17).
Citada, a Procuradoria-Geral do Município, em preliminar, arguiu o descabimento da ação direta por entender que a pretensão inicial caracterizaria, quando muito, ofensa reflexa à Constituição. No mérito, disse que o dispositivo impugnado não contraria a Lei Estadual 17.492/2018 porque seu artigo 34, § 11, prevê a possibilidade de doação de área institucional em local distinto da gleba loteada. Disse ainda que "mesmo que não houvesse a expressa menção na Lei Estadual, isto não poderia ser interpretado como uma vedação, visto que retiraria a autonomia do Município de legislar na defesa do interesse local". Sustentou que a "competência concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, não afasta a competência legislativa dos Municípios para promover o parcelamento e a ocupação do solo urbano, com a finalidade de atender as especificidades e necessidades locais", e, bem por isso, "ao dispor sobre a preservação do interesse local, o dispositivo impugnado em nada contrária a legislação estadual ou federal" (evento 22, INF1).
A Procuradoria-Geral de Justiça, ao final, defendeu a procedência da ação (evento 28, PROMOÇÃO1).
É o relatório

VOTO


1 - Preliminar de ofensa reflexa
Preliminarmente, a Procuradoria-Geral do Município de Forquilhinha defendeu o não conhecimento da ação porquanto a ofensa descrita na inicial seria, quando muito, reflexa. Contudo, sem razão.
Isso porque a análise de conformidade da lei municipal com os limites da competência legislativa suplementar dos Municípios tal como prevista na CRFB/1988 e na CESC/1989 pressupõe, necessariamente, a confrontação da lei local com as leis estadual e federal, sem que isso caracterize ofensa reflexa à Constituição. Com efeito, verificado, após o confronto das leis, o extravasamento da competência suplementar, a jurisprudência vem entendendo pela caracterização de ofensa direta ao texto da Constituição que dispõe sobre a repartição de competência legislativa.
Nesse sentido, vale citar da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em situação semelhante:
A discussão sobre limites da competência concorrente entre a União e os Estados não é nova no Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência deste Supremo Tribunal sequer conhecia de ações diretas de inconstitucionalidade fundadas em alegação de incompatibilidade entre leis nacionais e leis estaduais, afirmando configurar-se afronta indireta a norma constitucional (por exemplo, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.344, Relator o Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 2.8.2002).Sobreveio orientação jurisprudencial agora consolidada neste Supremo Tribunal, passando-se por ela a considerar direta a contrariedade à repartição de competência legislativa traçada pela Constituição da República, ainda que essa análise ponha também em pauta o cotejo das normas infraconstitucionais (ADI 5250, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-130 DIVULG 26-05-2020 PUBLIC 27-05-2020).
No mesmo sentido, deste Tribunal de Justiça:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. [...]1) CONFRONTO ENTRE LEIS INFRACONSTITUCIONAIS. ALEGADA EXTRAPOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR EM MATÉRIA AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO Á REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO. "- Se é certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a esfera de competência normativa dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais [...], não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta Política." (ADI n. 9096066-94.2010.8.24.0000, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 19.04.2017) (TJSC, Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) n. 5000886-36.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gerson Cherem II, Órgão Especial, j. 15-12-2021).
Assim, afasta-se a preliminar de inadmissibilidade da ação direta.
2 - Mérito
2.1 - Competência suplementar dos Municípios em direito urbanístico
2.1.1 - Na divisão de competências legislativas entre os entes que compõem a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, a Constituição de 1988 reserva à União a competência privativa para legislar sobre determinados assuntos (artigo 22), bem como prevê hipóteses de competência concorrente com os Estados e o Distrito Federal (artigo 24).
A Constituição estabelece ainda que, "no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais" (artigo 24, § 1º), bem como que "a competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados" (artigo 24, § 2º).
Dessa forma, sobre direito urbanístico (artigo 24, I), cabe à União estabelecer normas gerais e ao Estados Federados, suplementar a legislação federal.
No tocante aos Municípios, o artigo 30 da Constituição da República, no que interessa ao caso, estabelece o seguinte:
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
[...]
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da...

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