Acórdão Nº 5001642-88.2019.8.24.0073 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 28-04-2022

Número do processo5001642-88.2019.8.24.0073
Data28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001642-88.2019.8.24.0073/SC

RELATOR: Desembargador DINART FRANCISCO MACHADO

APELANTE: ELIA KAMKE CORREA (Espólio) (AUTOR) APELANTE: BANCO PAN S.A. (RÉU) APELANTE: MAICO RAFAEL CORREA (Inventariante) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Elia Kamke Correa, sucedida pelos seus herdeiros, contra a sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Timbó que, nos autos da "ação declaratória de ilegalidade contratual c/c restituição de valores e indenização por dano moral" ajuizada em desfavor do Banco Pan S.A., julgou improcedentes os pedidos iniciais (evento 36, SENT1).

O dispositivo da sentença foi redigido nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado por ELIA KAMKE CORREA contra o BANCO PAN S.A., com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte ativa ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC. Está igualmente obrigada a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pelo vencedor, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte antes referida ao advogado do litigante vencedor no percentual de 10% sobre o valor da causa (devidamente corrigido pelo INPC/IBGE desde a data da propositura da demanda), conforme art. 85 do CPC.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à parte ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação cível (evento 40, APELAÇÃO1), no qual sustenta, em síntese: que nunca contratou ou pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado (RMC); que nunca solicitou, recebeu ou utilizou o cartão de crédito supostamente disponibilizado; que foi induzida em erro ao contratar produto bancário diverso do almejado, porquanto nunca desejou qualquer cartão de crédito, apenas um empréstimo consignado padrão. Deduz que a aludida contratação acarretou dano moral. Requereu, ao final, o provimento do apelo e a reforma da sentença, para que seja seja julgada "TOTALMENTE PROCEDENTE A DEMANDA nos termos da inicial"

O banco réu/apelado apresentou contrarrazões (evento 23, CONTRAZAP1), nas quais arguiu, em resumo, a validade do cartão de crédito consignado, a regularidade da contratação ante a assinatura do pacto e a "cláusula expressa, nos termos da Instrução Normativa n. 28/2008, autorizando a Reserva de Margem consignável". Enfatiza que não haveriam danos morais, nem materiais. Requer o desprovimento do recurso.

Ascenderam os autos a esta Corte.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1 Do contrato de cartão de crédito consignável

Cinge-se a controvérsia acerca da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, por meio do qual é permitido ao banco credor a retenção de valores mediante reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário.

A parte autora/apelante afirma ser nula a contratação do empréstimo consignado via cartão de crédito, com reserva de margem consignável (RMC), ao argumento de que foi induzida em erro pelo banco réu, uma vez que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado como tantos outros já celebrados entre as partes.

O banco réu/apelado, por sua vez, sustentou a regularidade e a legalidade da contratação.

Pois bem.

Inicialmente, necessário referir que o desconto denominado "reserva de margem consignável" (RMC) é o "limite reservado no valor da renda mensal do benefício para uso exclusivo do cartão de crédito" (art. 2º, XIII, da Instrução Normativa n. 28/INSS/PRES, de 16 de maio de 2008).

E tal desconto possui previsão legal, conforme disposto no art. 6º da Lei n. 10.820/2003, com a redação dada pela Lei n. 13.172/2015:

Art. 6º. Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.

[...]

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (grifei).

No presente caso, o banco réu comprovou a existência de liame contratual entre as partes mediante a juntada do "Termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão de crédito consignado Pan" e "autorização para desconto em folha de pagamento", contrato n. 712914081 (evento 14, CONTR2).

Além disso, o comprovante de evento 14, DEMTRANSF3 corrobora a efetivação dos depósitos em conta-corrente de titularidade da autora em 13-12-2016. Assim, infere-se que houve a formalização de contrato entre as partes, bem como a liberação dos valores referentes aos saques do cartão de crédito na conta-corrente da autora.

Ressalta-se, no entanto, que a autora não nega ter celebrado contrato de empréstimo com o réu, o qual afirma ter pactuado (evento 1, INIC1). A sua irresignação diz respeito à modalidade do empréstimo realizado, haja vista que sua intenção era contratar um empréstimo consignado "padrão", e não um empréstimo via "saque" em cartão de crédito, com reserva de margem consignada (RMC) de 5% (cinco por cento) de seu benefício, a qual somente abate parcela mínima da fatura do cartão.

Com efeito, ao que se infere das faturas juntadas pelo réu/apelado (evento 14, FATURA4), o valor sacado foi cobrado integralmente e de uma única vez na primeira fatura do cartão de crédito (com vencimento em 7-1-2017), acrescido de IOF e encargos de financiamento. Na fatura seguinte (com vencimento em 7-2-2017), o pagamento mínimo é pouco superior aos encargos contratuais incidentes.

Observa-se, portanto, que o pagamento mínimo da fatura - que é aquele descontado pela reserva de margem consignável - mal serve para abater os encargos moratórios e os valores referentes ao IOF, o que torna a dívida quase infindável, porquanto acrescida mensalmente de encargos moratórios invencíveis, que dificultam a sua quitação em um tempo razoável.

Ademais, infere-se das faturas juntadas que não houve a utilização do cartão de crédito para nenhuma outra compra, o que corrobora a alegação da parte autora de que sua intenção era apenas contratar um empréstimo consignado e não o serviço de cartão de crédito com reserva de margem consignável, o qual serviu exclusivamente para a finalidade de saque.

Nesse prisma, é evidente que a avença celebrada em modalidade diversa daquela pretendida pelo autor - com prazo e valores fixos - mostra-se mais onerosa e prejudicial ao consumidor, o qual, se tivesse real conhecimento de todas as cláusulas contratuais incidentes, jamais buscaria tal meio de crédito, que lhe coloca nessa situação de tamanha desvantagem.

Por bem esclarecer as peculiaridades concernentes ao tema em questão, notadamente a diferença entre o empréstimo consignado e o empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), cabe colacionar excerto de julgado proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella nos autos da Apelação Cível n. 5000301-75.2020.8.24.0175:

Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015). Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo. Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015). Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC)...

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