Acórdão Nº 5001653-40.2022.8.24.0000 do Segunda Câmara Criminal, 08-02-2022

Número do processo5001653-40.2022.8.24.0000
Data08 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5001653-40.2022.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL

REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: ODIRLEI DE OLIVEIRA (Impetrante do H.C) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: ALAN JUNG CROCETTA (Impetrante do H.C) PACIENTE/IMPETRANTE: DONATO BENEDET (Paciente do H.C) ADVOGADO: ODIRLEI DE OLIVEIRA (OAB SC028013) ADVOGADO: SUZANA MAZON BENEDET (OAB SC029245) ADVOGADO: ALAN JUNG CROCETTA (OAB SC056464) REPRESENTANTE LEGAL DO PACIENTE/IMPETRANTE: SUZANA MAZON BENEDET (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da Vara Única da Comarca de Lauro Müller MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Donato Benedet, contra ato, em tese, ilegal, praticado pela Juíza de Direito da Vara Única da Comarca de Lauro Müller, ao rejeitar os pedidos de absolvição sumária e determinar o prosseguimento da instrução processual, para a apuração da prática dos crimes previstos nos arts. 4°, "a" da Lei 1.521/51, por no mínimo 15 vezes, c/c art. 69 do Código Penal, art. 158, caput, do Código Penal, por no mínimo 13 vezes, c/c art. 69 do Código Penal e art. 171, caput, do Código Penal, todos em concurso material, nos autos n. 5001198-13.2019.8.24.0087.

Buscam os Impetrantes, em síntese, o trancamento da ação penal, argumentando existir "patente ilegalidade por parte do juízo a quo em determinar a continuidade do processo diante da clarividente ausência de justa causa da denúncia com relação ao crime de extorsão, justa causa esta, por sua peculiaridade que confunde-se com os requisitos de admissibilidade para instauração de persecução criminal".

Pontuam, assim, que in casu "quer-se tão somente debater possibilidade de trancamento de ação penal diante da ausência de justa causa com relação ao crime de extorsão, pois macula todo processo criminal em tramitação, nos termos postos, nada mais".

Ainda, consignam que "o simples fato do tema ser complexo e demandar análise dos documentos que constam na fase de inquérito, demonstrando cabalmente a manifesta ausência de justa causa, servem de prova pré-constituída, per si, e não reverberam automaticamente na impossibilidade do Tribunal em declarar a ilegalidade da continuidade do processo por ter sido recebida a denúncia sem justa causa e sem condição mínima de admissibilidade para instauração da persecução criminal quanto ao crime de extorsão".

Asseveram que "conforme já explicitado e pormenorizado pela Defesa nos autos, a suposta conduta de extorsão imputada ao Paciente, foram feitas por alegações unilaterais das supostas vítimas, sem prova alguma ou testemunhas que confirmassem os fatos".

Aduzem que "os fatos narrados e tidos como criminosos são absurdos. Não se pode admitir que seja imputado ao paciente crime de extorsão, uma vez que não há nos autos elementos mínimos para tanto. O que se vislumbra, é uma tentativa exagerada de imputar crime de extorsão pelo fato do paciente se irritar com seu devedor no momento da cobrança".

Pugnam pelo deferimento do pedido liminar e, posteriormente, da ordem em definitivo, para fazer cessar o constrangimento ilegal que entendem sofrer o Paciente, com o trancamento da ação penal.

Indeferida a tutela de urgência, dispensou-se a apresentação de informações. (Evento 11).

A Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Marcílio de Novaes Costa, manifestou-se pelo "não conhecimento do writ, opinando, no entanto, se entender essa Relatoria pelo seu conhecimento, seja a ordem denegada." (Evento 15).

Este é o relatório.

VOTO

A Ordem deve ser parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.

Extrai-se do autos que o Ministério Público ofereceu Denúncia contra o Paciente Donato Benedet pela prática, em tese, dos delitos previstos nos arts. 4°, "a" da Lei 1.521/51, por no mínimo 15 vezes, art. 158, caput, do Código Penal, por no mínimo 13 vezes, e art. 171, caput, do Código Penal, todos em concurso material, nos autos n. 5001198-13.2019.8.24.0087, em razão dos fatos assim descritos na Exordial acusatória (Evento n. 1):

[...] Como fruto de intensas investigações, iniciadas através do Procedimento de Investigação Criminal autuado sob o número do SIG 06.2019.0000005-2 e do Inquérito Policial n. 0000362-28.2019.8.24.0087, descobriu-se que DONATO BENEDET, há considerável tempo, na condição de pessoa física, se tornou a pessoa conhecida na prática de empréstimo financeiro de maneira fácil e sem burocracia, cobrando em troca juros mais altos do que os praticados por bancos e financeiras, dedicando-se à prática dos crimes de agiotagem e de extorsão nesta cidade.

Já há algum tempo, desde no mínimo 2014, o denunciado começou a se utilizar de meios criminosos para ganhar a vida. Com isso, o denunciado emprestou elevadas quantias em dinheiro a diversas vítimas, e de todas cobrou juros sobre as dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei, caracterizando, assim, a prática do crime de usura, popular agiotagem. Tanto é assim que no dia 15 de abril de 2019, por volta das 9h30min, cumpriu-se mandado de busca e apreensão nas residências do denunciado (Autos 0900007-90.2019.8.24.0087), ocasião em que foram encontradas notas promissórias em nome de diversas pessoas, cheques, contratos e caderno de anotações de juros, o que foi capaz de identificar inúmeras vítimas do crime de agiotagem e extorsão praticado pelo denunciado. Registre-se que, por vezes o denunciado, mediante graves ameaças - inclusive de morte -, constrangeu as vítimas dos empréstimos a efetuarem o pagamento do débito, como verificar-se-á na narrativa abaixo.

1- Dos crimes de usura e extorsões praticados em face da vítima Francisco Fernando Jorge (vulgo Fernandinho):

Em meados de Janeiro de 2017, nesta cidade de Lauro Müller, a vítima Francisco Fernando Jorge contraiu empréstimo com o denunciado Donato Benedet de aproximadamente R$ 6.000,00 (seis mil reais) em dinheiro. Para tanto, assinou duas notas promissórias no valor de R$ 4.500,00 e R$ 1.100,00 em favor do denunciado, o qual cobrou juros mensais superior à taxa permitida em lei, tendo em vista que o valor mensal dos juros era de R$ 700,00 (setecentos reais), ou seja, mais de 10% do valor do capital. Registra-se que os juros seriam cobrados até a vítima conseguir liquidar integralmente o capital e não eram abatidos do valor do capital. Tanto é que a vítima Francisco Fernando Jorge pagou juros por aproximadamente dois anos diretamente ao denunciado Donato, o qual inclusive se apoderou do cartão do benefício previdenciário da vítima para sacar o valor dos juros, os quais foram reduzidos, a partir de Janeiro de 2018, ao valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais.

Ocorre que o denunciado Donato ficou com o cartão de Francisco Fernando por aproximadamente 5 (cinco) meses, oportunidade em que foi trocada a senha pela vítima, a qual, inclusive, continuou pagando os juros de R$ 500,00 diretamente ao denunciado até aproximadamente o mês de Dezembro de 2018. Contudo, por dificuldades financeiras e pelos altos juros cobrados por Donato, a partir do mês de Dezembro de 2018 a vítima Francisco Fernando não conseguiu mais pagar os juros e a partir de então iniciaram-se as extorsões praticadas pelo denunciado.

Assim é que entre os meses de Dezembro/18 a Abril/2019, por ligação telefônica e mensagens de whats'app, o denunciado Donato Benedet, por diversas vezes, constrangeu Francisco Fernando, mediante grave ameaça de morte, e com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, a fazer com que a vítima pagasse os altos juros cobrados em virtude do empréstimo concedido pelo denunciado, afirmando: 1- "(...) não, não, não... Eu quero tu vá e faz., eu quero que tua vá lá e faça, que eu quero, eu quero te matar e quero te beber o sangue! Eu quero te beber o sangue!! Eu te bebo o sangue! Eu te bebo... Eu tenho dinheiro, preso eu não vou, só tem uma coisa, tu não "veve" pra contar história pra outro! Eu te bebo o sangue! Eu te bebo o sangue!! Tu tá e entendendo? Filho da puta!" (interceptação telefônica).

2- "Hoje é segunda feira. Eu vou ti dar nos corno. Cara eu vou ti pegar. Eu querio ver até onde vai tua velhquice. Cara eu vou t procurar. Cara eu vou ti quebra tudo. Eu to com muito muito muito muito ódio ódio ódio. Nega fogo."

3- "Ou tu acha que tu vai cim aqui na minha casa, lea meu dinheiro embora né? Leva não pré... Não tu... Tu vai para... Tu vai acertas, não tenha dúvida que tu vai... Amanha se tu... Se tu não me pagar amanhã, a tua batata vai começar a assar, a partir de amanhã de noite a tua batata começa a assar.

4- O Fernandinho é assim ó, Tu para com a palhaçada, aqui não tem palhaço de ninguém, não tem esse negócio de quado tu tiver uma resposta tu me avisa, não, tu tá atrasado e eu quero que tu acerte, não tem esse negócio de mememe, nhenhenhé, mimimi e nhenhenhé, não tem esse negócio, não, vamo acerta que não tem filho de pai bobo, aqui não tem palhaço de ninguém, pode parar com a palhaçada, porque se tu não, se tu não vier em mim eu vou em ti, não, não vem com... não vem com essa pra cima de mim tá querido? A isso não funciona mais comigo não, vamo acertar as continha como tu deve, ou tu pega, tu pega me traz o que tu me deve, daí não te encho mais o saco, agora não traz capital não traz juro, assim não funciona comigo não, po para, po para querido, pode parar que eu te acho nem que seja no inferno, tá bom filho da puta.

5 - Abençoadinho o negocio é o seguinte...

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