Acórdão Nº 5001660-31.2022.8.24.0065 do Primeira Câmara Criminal, 01-12-2022

Número do processo5001660-31.2022.8.24.0065
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5001660-31.2022.8.24.0065/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRENTE) RECORRIDO: IVONEI MARCOS DISNER (RECORRIDO) ADVOGADO: VITORIA REGINA RODE (OAB SC053604)

RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de SÃO JOSÉ DOS CEDROS em face de Ivonei Marcos Disner, dando-o como incurso nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos II, III e IV, c/c artigo 14, inciso II, por duas vezes (ATOS 1 e 2), ambos do Código Penal, e artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (ATO 3), em razão dos seguintes fatos:

ATO 1

No dia 8 de abril de 2022, aproximadamente às 17h50min, no ''Bar do Mufatão'', localizado na Rua Santos Dumont, Município de São José do Cedro/SC, o denunciado IVONEI MARCOS DISNER, com evidente animus necandi, desferiu ao menos um golpe de arma branca (faca) contra a vítima Janir Petry, atingindo-o na região peitoral esquerda, causando-lhe a lesão descrita no laudo pericial n. 2022.16.00983.22.002-442.

ATO 2

No dia 8 de abril de 2022, aproximadamente às 18h53min, em frente a ''Belíssima Aromas'' na Rua Santos Dumont, no Município de São José do Cedro/SC, o denunciado IVONEI MARCOS DISNER, com evidente animus necandi, atropelou, com o veículo VW/Gol-2009, de placa ARA-7467, a vítima Janir Petry3 , causando a lesão corporal descrita no Laudo Pericial 2022.16.00983.22.002-444.

O denunciado apenas não obteve a consumação do seu intento de matar Janir Petry em razão de circunstâncias alheias à sua vontade, tendo em vista que, logo após o atropelamento, a vítima recebeu atendimento médico prontamente.

ATO 3

Nas mesmas circunstâncias de tempo e local descritos no ATO 2, o denunciado IVONEI MARCOS DISNER , de forma consciente e voluntária, conduziu o veículo automotor VW/Gol-2009, de placa ARA-7467, com a sua capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, conforme interrogatório e depoimentos colhidos na fase policial, que indicam a ingestão de bebida alcoólica antes da prática dos delitos.

Consta dos autos que, no dia 8 de abril de 2022, por volta das 15h, a vítima e o denunciado, juntamente com mais pessoas, estavam ingerindo bebidas alcoólicas e jogando 48 no ''Bar do Mufatão'', localizado na Rua Santos Dumont, Município de São José do Cedro/SC.

Após discussão entre a vítima e o denunciado no interior do bar, o denunciado saiu do local. Em seguida, a vítima percebeu que IVONEI ainda estava do lado de fora do estabelecimento, momento em que o denunciado chamou a vítima para conversar e estendeu a mão simulando um gesto de paz e, quando Janir estendeu a mão ao denunciado com o intuito também de fazer as pazes, IVONEI segurou a mão da vítima e com a outra mão efetivou golpes de faca contra Janir Petry.

Ato contínuo, a vítima buscou abrigo dentro de um local comercial e pegou uma barra de ferro com o intuito de se defender. Ao sair do estabelecimento, o ofendido Janir Petry foi surpreendido pelo denunciado, que, na condução de seu veículo automotor, atropelou a vítima.

O crime foi cometido por motivo fútil, em razão da discussão banal de jogo que se iniciou em momento de lazer da vítima e denunciado, que estavam ingerindo bebida alcoólica até o início da discussão, sendo a reação do denunciado desproporcional (ATOS 1 e 2).

Ainda, o crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, uma que o golpe de faca foi praticado de inopino, quando o denunciado fingiu tentar fazer as pazes com a vítima (ATO 1) e, além disso, o denunciado surpreendeu o ofendido ao arremessar o veículo que conduzia, ocasionando o atropelamento acima narrado (ATO 2).

O delito foi perpetrado por meio cruel, já que o denunciado desferiu golpes de faca contra a região peitoral da vítima e, logo após, intencionalmente, atropelou seu desafeto (ATOS 1 e 2) (evento 1, eproc1G, em 5-5-2022).

Decisão: a juíza de direito Jessica Evelyn Campos Figueredo Neves admitiu parcialmente a denúncia, nos seuintes termos:

Ante o exposto,

a) com lastro nos arts. 418 e 419 do Código de Processo Penal, DESCLASSIFICO a conduta descrita no ATO 1 da denúncia para tipificá-la no artigo 129, caput, do Código Penal;

b) com fulcro no artigo 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o acusado IVONEI MARCOS DISNER, já qualificado nos autos, como incurso no art. 121, § 2º, incisos II, III e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal (ato 2 da denúncia); art. 129, caput, do Código Penal (ato 1 da denúncia) e art. 306 da Lei n. 9.503/1997 (ato 3 da denúncia).

Determino seja o acusado submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Comarca, em data a ser oportunamente designada.

Nos termos da fundamentação, nego ao réu o direito de aguardar em liberdade o julgamento de eventual recurso contra esta decisão (CPP, art. 413, § 3º), porquanto os motivos que ensejaram a decretação da segregação cautelar ainda persistem, notadamente a necessidade de garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta do delito contra a vida e da necessidade de se resguardar a integridade da vítima. Ressalto que o pronunciado permaneceu preso preventivamente durante toda a tramitação processual (evento 130, eproc1G, em 9-8-2022).

Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a decisão transitou em julgado para a defesa.

Recurso do Ministério Público: a acusação interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou, em resumo, que o dolo específico do crime de homicídio na forma tentada, que consiste na inequívoca intenção de matar, está clarividente nos autos, especialmente no que tange ao Ato 1 delineado na denúncia.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, de modo a pronunciar o acusado por todas as condutas narradas na denúncia (evento 138, eproc1G, em 17-8-2022).

Contrarrazões de Ivonei Marcos Disner: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que "a sentença proferida pelo Juízo a quo ao desclassificar a tentativa de homicídio (Ato 1 da Denúncia) para lesão corporal é certeira, pois comprovou-se durante a instrução a ausência de intenção homicida".

Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da decisão de pronúncia (evento 150, eproc1G, em 14-9-2022).

Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: a procuradora de justiça Kátia Helena Scheidt Dal Pizzol opinou pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, a fim de que o acusado seja, com relação ao ato 1 da inicial, pronunciado pelo crime previsto no art. 121, § 2º, inciso II c/c art. 14, inciso II, do CP (evento 17, eproc2G, em 11-11-2022).

Este é o relatório.

VOTO

Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Do mérito

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra a decisão que desclassificou a conduta inicialmente imputada ao acusado no fato 1 para outra da competência do Juízo singular.

Busca, nas razões recursais, a reforma da decisão a fim de que seja mantida a capitulação inicial da exordial acusatória, ao argumento de que há indícios concretos, especialmente na prova oral produzida, de que o crime descrito no ato 1 da exordial acusatória tratou-se de uma tentativa de homicídio qualificado, porquanto o acusado agiu com animus necandi ao desferir uma facada em Janir Petry, contra órgão vital e de inopino.

O Juízo a quo desclassificou o crime doloso contra a vida em relação à conduta descrita no Fato 1, nos seguintes termos:

[...] A materialidade dos crimes está demonstrada pelo boletim de ocorrência n. 0309238/2022-BO-00028.2022.0000359 e fotografias que o instruem; auto de exibição e apreensão; auto de apreensão; relatório de investigação policial; relatório de evolução e alta hospitalar, todos juntados no evento 1, doc. 1, do Inquérito Policial n. 5000628-88.2022.8.24.0065, em apenso. Há ainda os vídeos juntados no evento 1, docs. 6 e 7, também dos autos do IP, bem como o laudo pericial n. 022.16.00983.22.002-44, referente às lesões suportadas pela vítima, este juntado no evento 5 do IP. Igualmente demonstra a ocorrência dos fatos a prova testemunhal colhida durante a investigação e sob o contraditório.

Quanto aos indícios de autoria, eles emergem das declarações da vítima, das testemunhas e do réu a respeito da dinâmica dos fatos.

O ofendido, Janir Petry, quando ouvido pela autoridade policial, relatou que conhece o réu como "Nei Disner"; que se encontraram na sexta-feira à tarde; veio para o Cedro pois precisava ir até a UPA; o réu o convidou para jogar 48 no bar; que houve uma desavença entre eles por causa do jogo; que em razão dessa desavença o bodegueiro retirou o réu do local, mas o depoente continuou no bar jogando com seus outros amigos que estavam lá; "cinco e pouco da tarde", quando saiu da bodega, o réu encostou o carro atrás do carro do depoente; o réu havia saído uma hora antes do bar; segundo...

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