Acórdão Nº 5001664-02.2021.8.24.0163 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-12-2022

Número do processo5001664-02.2021.8.24.0163
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001664-02.2021.8.24.0163/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: JOAO BATISTA FOGACA (AUTOR) ADVOGADO: NELSON DE SOUZA (OAB SC034184) ADVOGADO: RENAN DE SOUZA (OAB SC047064) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610)

RELATÓRIO

João Batista Fogaça interpôs recurso de apelação da sentença do Evento 15 dos autos de origem, proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Capivari de Baixo, que julgou improcedentes os pedidos por ele formulados em ação Revisional ajuizada contra o Banco Pan S/A.

Cuida-se, na origem, de ação revisional aforada 30-8-2021 por João Batista Fogaça, tendo por objetivo a modificação de contrato de empréstimo consignado (Cédula de Crédito Bancário n. 327793974-4) pactuado com a instituição financeira demandada, na qual alegou a parte autora a existência de abusividades contratuais referentes à taxa de juros remuneratórios aplicada acima da média de mercado e a respectiva forma de capitalização. Suscitou a aplicação do código consumerista com a inversão do ônus probatório e apresentação de documentos pela parte demandada, pugnando pelo afastamento das cláusulas reputadas abusivas e a devolução do valor que considera ter pago a maior.

Recebida a inicial, foi concedido o benefício da justiça gratuita (Evento 3 dos autos de origem).

Devidamente citado, o Banco Pan S/A, em contestação (Evento 8 dos autos de origem), sustentou, inicialmente, a inépcia da inicial reputada genérica. No mérito, defendeu a manutenção do contrato nos termos pactuados, alegando, neste sentido, a ausência de cláusulas contratuais que violassem disposições da legislação consumerista. Defendeu a legalidade das taxas de juros contratadas e da respectiva forma de capitalização. Suscitou a ausência de fundamentos para o dever de repetição de indébito, pugnando, ao final, pela improcedência da demanda.

Em réplica, a parte autora reiterou os termos da inicial pugnando pela procedência da demanda e requerendo a condenação da parte demandada às penas por litigância de má-fé (Evento 11 dos autos de origem).

Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 26-7-2022 pelo magistrado Antonio Marcos Decker, da Vara Única da Comarca de Capivari de Baixo, que julgou improcedentes os pedidos revisionais, o que deu nos seguintes termos (Evento 15 dos autos de origem):

Vistos etc.

I RELATÓRIO

Cuida-se de "ação revisional de contrato cumulada com repetição do indébito", em tramitação pelo rito ordinário, aforada por JOAO BATISTA FOGACA contra BANCO PAN S.A.. Para sustentar sua pretensão a parte autora alegou que entabulou negócio jurídico com a parte ré, a qual lhe cobrou inúmeros encargos fundados em cláusulas ilegais. Invocou a Constituição, o Código Civil e as disposições consumeristas acerca do tema, para embasar os direitos à revisão do contrato e à restituição dos valores cobrados com fundamento em cláusulas ilegais. Com base nesses fundamentos fáticos e jurídicos, pleiteou o reconhecimento da nulidade das cláusulas apontadas como ilegais, bem como a repetição do que foi cobrado indevidamente. Juntou documentos, valorou a causa e requereu a concessão do benefício da justiça gratuita.

Foi deferida a gratuidade da justiça e determinada a citação da parte ré.

Citada, a parte ré ofereceu resposta na forma de contestação. Em síntese, teceu defesa direta de mérito impugnando todos os termos da exordial. Juntou documentos. Requereu a improcedência dos pedidos.

Houve réplica.

Vieram conclusos.

É o relatório.

II FUNDAMENTAÇÃO

A demanda não necessita da produção de prova oral em audiência, uma vez que não consta da causa de pedir a alegação de quaisquer vícios de consentimento, aptos a atrair a incidência do disposto no art. 446 do CPC/2015.

No tocante à prova pericial, a presente demanda, abstraído o pleito de restituição, tem nítido cunho desconstitutivo, de modo que eventuais abusividades do ajuste podem ser verificadas do cotejo da legisçação aplicável à espécie com a documentação acostada aos autos, notadamente do instrumento contratual, sem a necessidade de perícia.

No particular no pedido de restituição, as partes, a fim de dar liquidez às suas alegações, juntaram ou deveriam ter juntado pareceres técnicos, o que torna dispensável a perícia (CPC/2015, art. 472). Não bastasse isso, o reconhecimento da nulidade de cláusulas que infletem no quantum debeatur (juros remuneratórios, tarifas bancárias, correção monetária, juros de mora, multa moratória, comissão de permanência etc.) importa em re-cálculo das parcelas por mera operação aritmética, com base no capital mutuado e nas novas taxas eventualmente fixadas em sentença. Ainda que assim não se entenda, o certo é que, ao se realizar a prova pericial, previamente ao estabelecimento das cláusulas que vigorarão efetivamente no contrato, corre-se o risco de o trabalho, dispendioso e custoso, revelar-se de todo inútil. Basta que a sentença final se desalinhe em apenas um dos critérios observados pelo expert, para fulminar a utilidade do trabalho (TJSC, Apelação Cível n. 2009.002033-9, de São Bento do Sul, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. 24-02-2011).

Em resumo, o julgamento da demanda não exige outra prova que não a documental, cujo momento de produção está superado pela preclusão, uma vez que a parte autora deveria tê-la produzido com a inicial e a parte ré com a contestação (CPC/2015, art. 434).

Portanto, demonstrada a desnecessidade de dilação probatória, cabível o julgamento antecipado da lide nos termos do art. 355, I, do CPC/2015.

II.1 - Questões prévias

a) Carência de ação

Em sede de preliminar o réu pugnou pelo reconhecimento da inépcia da petição inicial (art. 330, §2º, do CPC/2015) e, por consequência, a extinção do feito.

Todavia, tal premissa não merece ser acolhida, uma vez que a exordial veio suficientemente instruída e, além disso, foram demonstrados de maneira clara e fundamentada os motivos que justificariam o expurgo dos encargos inseridos na avença.

Assim, rejeita-se a preliminar.

b) Indevida concessão da gratuidade da justiça

Nada obstante a alegação de que a gratuidade fora indevidamente concedida à parte ativa, vislumbra-se, dos documentos juntados aos autos, notadamente do comprovante de rendimentos, que foi devidamente comprovada a hipossuficiência de recursos.

Portanto, afasta-se a preliminar aventada pela parte requerida.

II.1. Mérito

a) Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

A incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) está adstrita à configuração de uma relação de consumo. Como toda relação jurídica, deve haver um vínculo jurídico estabelecido entre sujeitos de direito sobre um determinado no objeto. Na relação de consumo o vínculo se forma entre fornecedor (art. 3º1) e consumidor sobre a comercialização de produto (art. 3º, §1º2) ou a prestação de serviços (art. 3º, §2º3).

Por disposição expressa as atividades financeiras, de crédito e securitária, atraem a incidência do CDC (art. 3º, §2º). Embora impugnado por meio de ação direta de inconstitucionalidade, o dispositivo em tela continua vigente, pois foi reputado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão assim ementado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente. (ADI 2591 ED, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/2006, DJ 13-04-2007 PP-00083 EMENT VOL-02271-01 PP-00055)

No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento pacificado restou consolidado no enunciado 297 de sua súmula, in verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Logo, quanto ao objeto do contrato, é pacífico o entendimento de que os serviços bancários, a depender da natureza dos contratantes, podem sofrer a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, importa consignar que a demanda versa sobre relação de consumo. De um lado se encontra a parte autora, pessoa física que contratou a prestação de serviços financeiros como destinatária final fática e econômica; ao passo que, do outro, figura instituição que oferta no mercado de forma habitual e profissional a prestação...

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