Acórdão Nº 5001672-42.2020.8.24.0024 do Segunda Câmara de Direito Público, 09-08-2022

Número do processo5001672-42.2020.8.24.0024
Data09 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001672-42.2020.8.24.0024/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: MUNICÍPIO DE MONTE CARLO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo Município de Monte Carlo contra a sentença proferida na ação civil pública promovida pelo Ministério Público, que julgou procedentes os pedidos iniciais (evento 27), constando assim na parte dispositiva:

"III. DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na petição inicial, resolvendo-se o mérito, o que faço com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, a fim de DETERMINAR que o réu:

(i) adeque a qualidade da água fornecida aos padrões de potabilidade previstos no Anexo XX da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde;

(ii) capacite e atualize todos os profissionais que atuam de forma direta no fornecimento e controle da qualidade da água para consumo humano (art. 13, III, 'd', Anexo XX da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde);

(iii) monitore a qualidade da água nos pontos de captação no Município de Monte Carlo, conforme estabelece os arts. 13, VII e 40, ambos do Anexo XX da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde;

(iv) assegure pontos de coleta de água na saída de tratamento e na rede de distribuição no Município para o controle e a vigilância da qualidade da água (art. 13, III, 'd', Anexo XX da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde);

(v) sane, de forma integral, as irregularidades e não conformidades apontadas no Auxílio Técnico n. 8/2019 - CCO e Relatório de Inspeção n. 308165156440/20;

(vi) cumpra o plano de amostragem e o padrão de potabilidade, nele incluído o padrão microbiológico, de substâncias químicas que representam risco à saúde e organolépticos, no Sistema de Abastecimento, Tratamento e Distribuição de Água de Monte Carlo, em conformidade com os artigos 27, 37 e 39 e seus respectivos anexos, da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde;

(vii) apresente Licença Ambiental de Operação;

(viii) através da Vigilância Sanitária Municipal, órgão da Administração Direta, vinculada à Secretaria de Saúde do Município de Monte Carlo: a) alimente os dados do controle e da vigilância no SISAGUA periodicamente; b) capacite todos os servidores responsáveis pelo cumprimento dos ditames previstos na Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde, a fim de que sejam habilitados para executar ações estabelecidas no VIGIAGUA, consideradas as peculiaridades regionais e locais, nos termos da legislação do SUS e do art. 12, II, Anexo XX, da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde; c) inspecione o controle da qualidade da água captada, tratada e distribuída, bem como as práticas operacionais adotadas no Sistema de Abastecimento de Água para sanar as irregularidades contantes no Auxílio Técnico n. 8/2019 - CCO e Relatório de Inspeção n. 308165156440/20; d) analise o plano de amostragem de cada sistema e solução, respeitando os planos mínimos de amostragem expressos nos Anexos 11, 12, 13 e 14 do Anexo XX da Portaria de Consolidação n. 5 do Ministério da Saúde, nos moldes do art. 41 da mesma Norma; e) realize a coleta de amostras da água fornecida pelo Município e envie a laboratórios de referência para a análise acerca da sua qualidade.

Tendo em vista a demonstração, pelo autor, dos requisitos necessários à concessão da tutela de urgência (CC - art. 300), os quais estão consubstanciados na continuidade da má prestação do serviço público e no risco iminente de ofensa a direitos constitucionalmente protegidos - saúde pública, dignidade da pessoa humana e meio-ambiente equilibrado -, DEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela.

Sendo assim, deve a parte ré comprovar a instituição dos procedimentos acima elencados, no prazo de 30 (trinta) dias - a contar da leitura da intimação -, bem como comprovar o efetivo cumprimento das referidas obrigações, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa diária, no valor de R$500,00 (quinhentos reais), limitada, por ora, a 100.000,00 (cem mil reais).

Sem custas e honorários, nos termos do art. 18 da lei n. 7.347/85." (Evento 27, SENT1)

Nas suas razões, alegou que vem envidando todos os esforços possíveis para fornecer água de qualidade a todos os municípes, todavia as suas iniciativas encontram óbices na escassez do orçamento público municipal, que mal suporta das despesas correntes.

Sustentou que a sentença cominatória de obrigações de fazer requer a alocação e a realocação de recursos públicos por parte do administrador público e isto fere a discricionaridade administrativa e viola os princípios da reserva do possível e da separação dos poderes.

Observou que não ficou cumpridamente provada a violação às normas de regência da matéria em tema de qualidade da água.

Defendeu o incabimento das astreintes, pois a multa só incide após o descumprimento injustificado da decisão judicial.

Pontuou que o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) desborda da razoabilidade e da proporcionalidade.

Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 33).

O Ministério Público, por intermédio da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Fraiburgo, apresentou contrarrazões (evento 40).

Os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim conclusos (evento 1).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procuradora de Justiça Sonia Maria Demeda Groisman Piardi, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso e do reexame obrigatório (evento 10).

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer do recurso e da remessa necessária e negar-lhes provimento.

2. De início, salienta-se que, conquanto silente a sentença, é caso de reexame obrigatório, nos termos do art. 496, inc. I, do CPC/15: "Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;".

Veja-se que na espécie a condenação do Município de Monte Carlo tem por objeto obrigações de fazer, e não de obrigações de dar, mais especificamente de pagar quantia, não sendo aplicável ao caso concreto a Súmula 490 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "a dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas".

3. Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público visando compelir o Município de Monte Carlo a adequar a potabilidade da água fornecida na rede pública de abastecimento aos parâmetros da Portaria GM/MS n.º 5/17; a assegurar pontos de coleta d'água na estações de tratamento e na rede de distribuição; a monitorar a qualidade d'água nos pontos de captação; a capacitar os servidores públicos que lidam com este serviço público, no tocante ao controle de qualidade d'água; a alimentar de informações o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano - SISÁGUA; e a sanar as irregularidades constatadas pela Vigilância Sanitária Estadual e apontadas em Relatório de Inspeção (evento 1).

Na sua contestação, a Administração Pública Municipal sustentou a regularidade do serviço de abastecimento de água; a carência de recursos econômicos para fazer face à reforma e aprimoramento do sistema de tratamento de água e da rede pública de distribuição; que as restrições e vedações orçamentárias impede a atuação neste sentido; que o princípio da reserva do possível lhe autoriza a executar apenas o que os cofres públicos comportam; e, finalmente, que o princípio da separação dos Poderes o imuniza de ordens judiciais neste diapasão (evento 12).

Em julgamento antecipado do mérito processual, a sentença acolheu os pedidos iniciais.

Agiu acertadamente o Magistrado sentenciante.

É notório que a água é indispensável à vida, cuidando-se de bem jurídico afeto à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, inc. III).

E mais, o fornecimento de água potável para o consumo humano está associado à saúde, a qual é direito de todos e dever do Estado assegurar mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças (CF/88, art. 196).

A este respeito, a Lei n.º 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, dispõe:

"Art. 2º São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos:I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;" (grifou-se).

De outra parte, a Lei n.º 11.445/07, que instituiu a Política Nacional de Saneamentoo Básico, prevê:

"Art. 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:I - saneamento básico: conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de:a) abastecimento de água potável: constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição;Art. 3º-A. Consideram-se serviços públicos de abastecimento de água a sua distribuição mediante ligação predial, incluídos eventuais instrumentos de medição, bem como, quando vinculadas a essa finalidade, as seguintes atividades:I - reservação de água bruta;II - captação de água bruta;III - adução de água bruta;IV - tratamento de água bruta;V - adução de água tratada; eVI - reservação de água tratada.Art. 9º O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento...

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