Acórdão Nº 5001680-72.2021.8.24.0092 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 05-04-2022

Número do processo5001680-72.2021.8.24.0092
Data05 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001680-72.2021.8.24.0092/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: SONIA IARA MARTINS GALVAO (AUTOR) APELADO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

RELATÓRIO

Sonia Iara Martins Galvao interpôs Recurso de Apelação (Evento 31, APELAÇÃO1) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 2ª Vara de Direito Bancário da Região Metropolitana de Florianópolis que, nos autos da "ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável com pedido de tutela de urgência c/c danos morais e materiais", ajuizada pela Recorrente em face de Banco Santander (BRASIL) S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto e, por tudo mais dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por SONIA IARA MARTINS GALVAO em face de BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A..

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ex vi do artigo 85, § 2.º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3.º).

Independentemente de preclusão, proceda-se à substituição da instituição financeira ré pelo incorporador, BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A - CPNJ 90.400.888/0001-42.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, observadas as formalidades de praxe, arquivem-se os autos.

(Evento 25, SENT1)

Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "formalizou junto ao Requerido, ora Recorrido, contrato de empréstimo consignado. Porém, este, de forma abusiva, passou a realizar descontos de serviço não solicitado e sequer informado, denominados de reserva de margem de cartão de crédito - RMC"; (b) "após a celebração de um dos empréstimos realizados, a Recorrente notou a existência de um desconto mensal, intitulado como "reserva margem consignável entrar em contato com a instituição bancária foi informado de que se tratava de um empréstimo pela modalidade cartão de crédito/reserva empréstimo cartão, o qual deu origem à constituição da reserva de margem consignável (RMC)."; (c) "Desde então, a instituição bancária tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor do benefício previdenciário da Recorrente, o que corresponde ao pagamento do valor mínimo da fatura de cartão de crédito, caracterizando uma dívida eterna"; (d) "Não resta dúvida que o serviço pelo qual a Recorrente objetivava contratar não era o CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNÁVEL, está comprovado pela documentação anexada aos autos que a Recorrente sofreu um dano, vez que as informações repassadas não foram adequadas e suficientes para o entendimento da lavratura deste contrato e o consumidor não possuía ciência do serviço referente ao Contrato de Cartão de Crédito Consignável"; (e) "As faturas do referido cartão de crédito NUNCA foram enviadas para a residência da Recorrente. Ainda, ela não possui acesso ao internet banking, sequer sabe utilizar o aplicativo, para verificação de fatura em aberto e em todos os documentos correlacionados não existe sequer um e-mail cadastrado para envio de fatura" e; (f) "a existência de dano material e o dever de devolução em dobro dos valores pagos indevidamente são irrefutáveis, diante de tamanha ilegalidade na contratação do cartão de crédito".

Empós, com o oferecimento das contrarrazões (Evento 39, CONTRAZAP1), ascenderam os autos a este grau de jurisdição, em razão da prevenção (evento 7, INF1).

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em setembro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 declaração de inexistência de débito

A Requerente ajuizou "ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável com pedido de tutela de urgência c/c danos morais e materiais" em face do Banco Santander (BRASIL) S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento e, alternativamente, a restituição na modalidade simples e; (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 25, SENT1)

Brota do caderno processual ser incontroverso que as Partes firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "termo de adesão cartão de crédito bonsucesso" (Evento 16, DOCUMENTACAO3).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Merece ênfase que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Observo que foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

Com efeito, a Demandante é idosa, aposentada e detentora da benesse da gratuidade da justiça.

Dos extratos de pagamentos do benefício n. 168.891.158-5 ( Evento 1, RSC6 e Evento 1, OUT7), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativo e; (b) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Além disso, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Demandante e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Também, inexiste no feito qualquer indício de que a Requerente não detinha margem consignável a inviabilizar a celebração de contrato de empréstimo consignado.

A propósito, quanto a este aspecto, deve ser destacado que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

E isso porque não é lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Deve ser gizado que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha previdenciária apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir...

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