Acórdão Nº 5001691-17.2019.8.24.0175 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 17-12-2020

Número do processo5001691-17.2019.8.24.0175
Data17 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001691-17.2019.8.24.0175/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: BANCO BMG SA (RÉU) ADVOGADO: MAIARA SOARES DALPIAZ (OAB SC036381) ADVOGADO: HENRIQUE GINESTE SCHROEDER (OAB SC003780) APELADO: VANILDO JOSE RODRIGUES (AUTOR) ADVOGADO: GUSTAVO PALMA SILVA (OAB SC019770) ADVOGADO: Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218)


RELATÓRIO


BANCO BMG SA interpôs recurso de apelação (evento 26) em face da sentença (evento 18), que, proferida pelo juízo da Unidade Regional de Direito Bancário do Litoral Sul Catarinense da comarca de Meleiro, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor na ação de restituição de valores com pedido de indenização por dano moral, para converter a operação de saque em cartão de crédito em operação de empréstimo pessoal consignado, condenando a instituição financeira demandada, ainda, à restituição de eventuais valores cobrados a maior em decorrência da contratação de operação não consentida pelo consumidor.
Cuida-se, na origem, de ação de restituição de valores com pedido de indenização por dano moral aforada em 30-08-2019 aforada por VANILDO JOSE RODRIGUES contra BANCO BMG SA, na qual sustenta, inicial, (1) a invalidade do contrato firmado entre as partes. Neste sentido, informa que foi ludibriado pela casa bancária, tendo contratado, sem seu conhecimento e consentimento, crédito disponibilizado por meio de saque em cartão de crédito com reserva de margem consignada, operação com natureza e sujeita a encargos diversos, e superiores, aos do empréstimo pretendido. Destaca que o desconto do valor emprestado em sua folha de pagamento, limitado a 5% de seu rendimento líquido, acaba por tornar o valor recebido impagável, na medida em que apenas da conta dos encargos incidentes, não representando efetiva amortização, fazendo com que o consumidor, a despeito dos pagamentos efetuados, permaneça eternamente devedor do saldo contratado. Alega que, diante de vício na vontade, não pode ser considerada contratada a operação de crédito na forma efetuada, a qual representa nítida venda casada, tendo em vista que apenas pretendia a contratação de empréstimo e não fornecimento de cartão. Pugna, assim, pelo cancelamento da operação com a suspensão dos descontos em sua folha de pagamento e a devolução da quantia que entende indevidamente cobrada. Defende, por fim, (2) a condenação da parte demandada ao pagamento de danos morais decorrentes do abalo sofrido em relação à suposta atitude fraudulenta e aos descontos irregulares perpetrados pela casa bancária.
No evento 3, foi concedida a gratuidade da justiça requerida pelo demandante e indeferida a antecipação dos efeitos da tutela.
Devidamente citado, o BANCO BMG SA apresentou contestação (evento 10), na qual defendeu, em suma, que houve a expressa contratação pelo autor, do contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em pagamento, razão pela qual não são indevidos os descontos a título de reserva de margem consignável lançados em seu benefício previdenciário. Logo, por não serem indevidos os descontos, argumenta que não deve restituir valores ao autor, e tampouco indenizar-lhe pelo ocorrido. Pugnou pela improcedência da demanda. Juntou o contrato firmado com a parte autora, extrato de benefício do INSS da parte demandante vigente ao tempo do contrato, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.
Manifestação à contestação no evento 15, na qual o autor, rebatendo os argumentos da parte adversa, reitera os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.
Sobreveio sentença de mérito prolatada em 07-05-2020 pelo magistrado Marciano Donato, da Unidade Regional de Direito Bancário do Litoral Sul Catarinense da comarca de Meleiro, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor, o que se deu nos seguintes termos (evento 18):
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por VANILDO JOSE RODRIGUES em desfavor de BANCO BMG SA, para, acolhendo o pedido subsidiário e com amparo no artigo 6º, incisos III e V do Código de Defesa do Consumidor, determinar que a instituição financeira requerida proceda, no prazo de 30 (trinta) dias, a readequação dos termos do contrato de "Cartão de Crédito Consignado" conforme parâmetros acima elencados.
Ainda, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil..
Frente a sucumbência recíproca, CONDENO as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), a serem partilhados no percentual de 50% (cinquenta por cento) para cada uma, à luz do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil - sobretudo por se tratar de demanda de pouca complexidade, com reduzido número atos processuais e sem instrução do processo -, corrigidos monetariamente a partir da publicação desta sentença e acrescidos de juros de mora após o trânsito em julgado.
Por ser beneficiária da gratuidade da justiça (evento 3), fica suspensa exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte requerente.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, arquivem-se.
Inconformada, a instituição financeira demandada interpôs recurso de apelação (evento 26), por sua vez, alega, em síntese, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido. Pugna pelo provimento do recurso com a reforma da decisão objurgada, sendo julgada totalmente improcedente a demanda de origem, com a inversão a responsabilidade pelo pagamento dos ônus sucumbenciais.
Contrarrazões apresentadas no evento 36.
Os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça, vindo-me às mãos por sorteio.
Este é o relatório

VOTO


1. Exame de admissibilidade
Inicialmente, registra-se que a demanda foi ajuizada já com fundamento processual no Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este o diploma processual que deverá disciplinar o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).
Dito isto, tem-se que o recurso deve ser conhecido porquanto presentes os requisitos de admissibilidade.
2. Fundamentação
2.1. Da regularidade da operação contratada entre as partes
Sustenta a instituição financeira recorrente, inicialmente em seu recurso, que a parte autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, a qual se encontrava descrita de maneira clara e expressa no contrato, desprovido de qualquer irregularidade, não possuindo o demandante, diversamente do que alega, a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, tendo em vista que ao tempo da contratação sequer possuía margem consignável além daquela disponível para uso no cartão, sendo esta modalidade de crédito a única operação viável para a concessão do valor perseguido.
Analisados os autos, verifica-se que razão possui mesmo o banco recorrente.
A princípio, necessário destacar que o próprio autor, na inicial, reconhece que buscou crédito junto à instituição financeira demandada, apenas afirmando que pretendia a contratação de empréstimo consignado no lugar da utilização de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).
As operações de empréstimo consignado e de cartão de crédito com reserva de margem consignável encontram-se previstas na Lei n. 10.820/03, que assim disciplina (redação vigente ao tempo da contratação):
Art. 1º. Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 1º. O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela pela Lei nº 13.172, de 2015)
II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)
§ 2º. O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo.
[...]
Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento,...

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