Acórdão Nº 5001694-89.2019.8.24.0039 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 03-11-2020

Número do processo5001694-89.2019.8.24.0039
Data03 Novembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001694-89.2019.8.24.0039/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: IVORI TEREZINHA DE JESUS (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: cintia de cassia neves oneda (OAB SC022077) ADVOGADO: RAFAEL ONEDA (OAB SC022989) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Ivori Terezinha de Jesus e Banco Ole Bonsucesso Consignado S.A. contra sentença de procedência (evento 16) da denominada ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com restituição de indébito e indenização por danos morais, a qual foi prolatada nos seguintes termos:
Isto posto, confirmo a decisão concessiva da tutela de urgência, julgo procedentes os pedidos deduzidos na inicial e, em consequência:
a) declaro a nulidade do contrato objeto da inicial, firmado entre as partes e determino que o autor devolva ao banco réu, devidamente corrigido pelo INPC a partir do recebimento, o valor que lhe foi disponibilizado por conta da avença, sob pena de enriquecimento ilícito, permitida a compensação;
b) declaro a inexistência da dívida proveniente do contrato descritos na inicial;
c) determino o cancelamento definitivo dos descontos efetuados pelo banco em relação ao referido contrato;
d) condeno o réu a devolver ao autor, na forma simples, os valores a este título descontados indevidamente de seu benefício, mediante liquidação, incidindo correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) a contar de cada desconto realizado de forma indevida no benefício previdenciário da parte autora.
e) condeno o réu a pagar ao autor, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescida de juros de mora na base 1% ao mês a contar da citação (relação contratual) e de correção monetária pelo INPC a partir da presente decisão (Súmula 362 do STJ);
f) condeno o réu ao pagamento das custas processuais, bem como de honorários de sucumbência devidos ao procurador do autor, verba que fixo em 10% sobre o valor atualizado da condenação, na forma do art. 85, §2º, do CPC, considerando a pouca complexidade da causa, o reduzido número de atos processuais praticados, o julgamento antecipado da lide, o grau de zelo do profissional, o local da prestação dos serviços e o tempo de duração do feito.
Em suas razões recursais (evento 24), a casa bancária sustenta, em síntese, a legalidade do negócio jurídico celebrado entre as partes, ressaltando a inexistência de prova de que a apelada teria sido levada a erro, não se vislumbrando, assim, irregularidade que dê causa à anulação do instrumento. Assevera que, à época da pactuação, a recorrida já não tinha margem consignável em seus rendimentos, inviabilizando a contratação de empréstimo consignado, restando apenas a obtenção de crédito consignado através da adesão ao contrato de cartão de crédito com margem consignável. Aduz a inexistência de termo final a caracterizar em dívida impagável, porquanto o débito é extinto com pagamento do débito, na data do vencimento da fatura, constitui liberalidade da autora. Defende que o uso cartão fica constituído e provado pelo saque de valores, razão pela qual não há falar em nulidade. Também, afirma inexistir danos indenizáveis, requerendo, subsidiariamente, a minoração do "quantum". Ainda, discorre acerca do descabimento da restituição de valores, vislumbrando, em caso de manutenção do "decisum", que eventual importância disponibilizada à parte adversa sejam devolvidos ou compensados, e devidamente corrigidos monetariamente, sob pena de enriquecimento ilícito.
Não foram apresentadas contrarrazões.
Este é o relatório

VOTO



Insurge-se a instituição financeira contra sentença de procedência da ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais.
Os pontos atacados no apelo serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Contratação via cartão de crédito consignado
Relativamente ao tema, importa esclarecer que, durante o curso do processado, a parte autora defendeu a nulidade da contratação ajustada com a ré, sustentando ter sido vítima de fraude por esta ao adquirir cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), operação diversa e mais onerosa do que o contrato de empréstimo consignado, o qual acreditou efetivamente ter celebrado.
Consta do petitório inicial o relato a seguir reproduzido:
Cabe ressaltar que a requerente nunca recebeu tal cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e ainda assim, mediante tal contrato, ocorrem mensalmente descontos em seu benefício - Contrato de Cartão nº 851020712-2, com data de inclusão em 09/12/2015, com valor de desconto R$ 49,25 [quarenta e nove reais e vinte e cinco centavos], valor esse, conforme consta no documento anexo, referente ao RMC. E veja nobre magistrado, essa modalidade de empréstimo jamais fora explicada para a requerente - que é pessoa simples, sem maiores conhecimentos acerca de tais matérias - e que acreditou que seu empréstimo seria realizado como na maioria das vezes ocorre, ou seja, o desconto das parcelas no valor integral diretamente no seu benefício, portanto, com data estipulada para início e fim dos descontos, o que não é o caso do "empréstimo consignado pela modalidade cartão de crédito".
No pronunciamento judicial atacado, o Magistrado de Primeiro Grau concluiu pela nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, determinando que os valores depositados na conta bancária da autora, atualizados monetariamente pelo INPC, sejam compensados, na forma simples, com os valores descontados indevidamente pelo banco a título de RMC, corrigidos pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar de cada desembolso.
Em seu reclamo, pretende a apelante a reforma do referido "decisum", a fim de que seja julgada improcedente a demanda, no que assevera, para tanto, a validade do contrato de cartão de crédito consignado, defendendo ter sido entabulado com anuência da demandante, a significar, em consequência, a licitude dos descontos efetuados no seu benefício previdenciário e a inviabilidade de restituição de valores.
Pois bem.
Sobre as modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).
Ainda a respeito, esclarece a jurisprudência que, no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, "disponibiliza-se ao consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Nessa perspectiva, a concessão de crédito através dessas duas modalidades (empréstimo e cartão de crédito), mesmo na consignação, possui considerável distinção, especialmente em relação às taxas de juros e demais encargos, avistando-se maior onerosidade ao consumidor quando se vale do cartão de crédito em detrimento do empréstimo.
Isso se deve, por vezes, em razão de que "o consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, efetuou a contratação de um cartão de crédito, de onde foi realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado" (TJMA, Apelação Cível n. 0436332014, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, j. em 14/5/2015, DJe 20/5/2015).
Inclusive, é sabido que tal prática abusiva e ilegal difundiu-se, atingindo parcela significativa de aposentados e pensionistas, tendo como consequência o ajuizamento de diversas ações visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto realizado a título de Reserva de Margem Consignável (RMC).
Acerca do "modus operandi" utilizado pelas casas bancárias, o Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Estado do Maranhão, para fins de ajuizamento de ação civil pública, bem descreveu como funciona a prática:
O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição...

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