Acórdão Nº 5001717-12.2019.8.24.0079 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 15-07-2021

Número do processo5001717-12.2019.8.24.0079
Data15 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001717-12.2019.8.24.0079/SC



RELATOR: Desembargador JAIME MACHADO JUNIOR


APELANTE: MARIA CORREIA (AUTOR) ADVOGADO: CHRISTIAN PARIZOTTO (OAB SC044915) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


MARIA CORREIA e BANCO BMG S.A. interpuseram recursos de apelação cível contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Videira que, nos autos da Ação Declaratória de Nulidade de Desconto em Folha de Pagamento c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais, ajuizada em face da instituição financeira, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, cujo dispositivo restou assim vertido:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
I- Determinar seja oficiado ao INSS para que proceda ao cancelamento dos descontos à título de "reserva de margem consignável" e "empréstimo sobre a RMC" efetivados pela instituição financeira ré nos benefícios da parte autora;
II- Declarar a ineficácia da relação jurídica unicamente quanto ao contrato de cartão de crédito com "Reserva de Margem Consignável" (RMC), com o cancelamento do cartão de crédito, preservando-se a relação contratual na modalidade de empréstimo consignado, com o recálculo do saldo devedor pelo agente financeiro, observados os seguintes parâmetros: (a) os juros remuneratórios deverão ser limitados conforme a tabela da taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil no mês da contratação; (b) os valores adimplidos até a presente data deverão ser abatidos do saldo devedor do contrato; (c) o valor da parcela deverá limitar-se ao montante descontado mensalmente do benefício previdenciário da parte autora;
III - Condenar a parte ré à repetição de indébito na forma simples, somente se, observados os parâmetros estabelecidos no item II, for constatada a existência de saldo em favor da parte autora; o valor deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data do desconto de cada parcela e com a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da data da citação;
IV - Condenar a parte ré ao pagamento, em favor da parte autora, do valor de R$ 3.000,00 a título de danos morais, incidindo juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, a partir do evento danoso (data da inclusão da reserva de margem para cartão de crédito) e correção monetária pelo INPC a partir da presente data (enunciados das Súmulas n. 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça), autorizada a aplicação do valor no abatimento do saldo devedor do empréstimo consignado contratado, acaso existente, observados os parâmetros estabelecidos no item II.
Considerando que a parte autora decaiu em parte mínima de seus pedidos, condeno a parte ré ao pagamento da integralidade das despesas processuais pendentes, além daquelas adiantadas no curso do processo pelo vencedor.
Fixo os honorários sucumbenciais devidos pela parte ré ao advogado da parte autora, no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, em atenção aos critérios previstos no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se. (Evento 21, SENT1).
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue a instituição financeira defendeu a validade do pacto e dos descontos efetuados junto ao benefício previdenciário da autora, visto que a contratante tinha plena ciência do objeto avençado, aderindo voluntariamente aos serviços de cartão de crédito consignado. Sustentou o descabimento da repetição de indébito e argumentou que a consumidora, à época da contratação, tinha quase a totalidade da margem consignável (30%) de seu benefício previdenciário comprometida com outros empréstimos.
Pontuou, ainda, a inexistência de danos morais passíveis de indenização, ao passo que agiu no exercício regular de direito. Subsidiariamente, requereu a minoração do quantum arbitrado e a fixação dos juros, no que tange à verba indenizatória, a contar da citação.
Pautou-se, nestes termos, pela reforma da sentença (Evento 27, APELAÇÃO1).
A sua vez, a autora insurgiu-se quanto ao valor fixado a título de indenização por danos morais, postulando a majoração do montante compensatório. Asseverou, também, a impossibilidade de abatimento do proveito econômico obtido para a quitação do saldo devedor. Pleiteou, ademais, a majoração dos honorários advocatícios. Ao final, valeu-se do prequestionamento (Evento 25, APELAÇÃO1).
Com contrarrazões por ambas as partes, ascenderam os autos a este Tribunal de Justiça.
Este é o relatório

VOTO


Com efeito, colhe-se dos autos que a autora, beneficiária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), alegou que ao pretender firmar contrato de empréstimo consignado pessoal, com parcelas fixas e preestabelecidas, foi-lhe concedido cartão de crédito com reserva de margem consignável - RMC, modalidade contratual diversa da solicitada.
Pois bem. A controvérsia cinge-se à análise da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, cuja concessão ocorre mediante reserva de margem consignável em benefício previdenciário.
Em cotejo da jurisprudência deste egrégio Tribunal, verifica-se que a corrente majoritária converge no sentido de reconhecer a prática abusiva e ilegal perpetrada pelas instituições financeiras quando da contratação da modalidade de crédito supracitada.
A respeito da temática, vale colacionar excerto da decisão proferida pelo Exmo. Des. Robson Luz Varella, ao tempo do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079 que, em análise de caso análogo, bem pontuou:
[...] a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado[...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha).Ressalte-se que a prática abusiva e ilegal difundiu-se, tendo atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas que foram ajuizadas diversas ações, inclusive visando tutelar o direito dos consumidores coletivamente considerados, a fim de reconhecer a nulidade dessa modalidade de desconto via "RMC".O "modus operandi" utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos "aposentados e pensionistas do INSS":O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação - a contratação de cartão de crédito com RMC." Assim, na folha de pagamento é descontado apenas um pequeno percentual do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor é cobrado através de fatura de cartão de crédito, com incidência de juros duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal. (http: //condege.org.br/noticias/473-ma-defensoria-promove-ação-civil-pública-contra-bancos-por-ilegalidades-em-consignados.Html)Extrai-se da narrativa tratar-se do caso em questão. De fato, pretendia a autora firmar o denominado "empréstimo consignado" puro e simples, com parcelas fixas e preestabelecidas, vindo, entretanto, tempos depois, a saber que contraíra outro tipo de empréstimo, via reserva de margem consignável, com juros tão elevados a ponto de impossibilitar o pagamento do débito. (TJSC, Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de Videira, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 17-04-2018).
Assim é que, ao realizar uma análise da situação narrada ao feito, e também acima delineada, forçoso concluir que a modalidade de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável acarreta significativo prejuízo ao consumidor.
Isso porque, ao imputar o desconto do valor mínimo indicado na fatura do benefício previdenciário da usuária, "deliberadamente impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ela é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais". (TJSC, Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, de Lages, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 10-05-2018).
Com tal proceder, a instituição financeira inviabiliza a quitação do empréstimo, visto que o mínimo cobrado corresponde, tão somente, aos encargos e juros do financiamento, gerando uma dívida quase infindável, o que ofende a boa-fé contratual.
Se por um lado é incontroversa a transação formalizada pelas partes na modalidade "Cartão de Crédito Consignado" (evento 13 - Contrato 5), com a disponibilização de efetivo numerário à consumidora, assim também é a alegação de que o aludido cartão de crédito sequer foi desbloqueado pela autora, ônus que competia à...

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