Acórdão Nº 5001723-17.2021.8.24.0057 do Segunda Câmara Criminal, 05-04-2022

Número do processo5001723-17.2021.8.24.0057
Data05 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5001723-17.2021.8.24.0057/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

RECORRENTE: DIMAS FAGUNDES (ACUSADO) ADVOGADO: JACKSON JOSE SCHNEIDER SEILONSKI (OAB SC050048) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, nos autos da Ação Penal 50017231720218240057, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Dimas Fagundes, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 121, § 2º, II, III, IV e VI, do Código Penal, nos seguintes termos:

Inicialmente, destaca-se que o enquadramento dos presentes fatos como violência doméstica e/ou familiar caracteriza-se pela incidência do disposto no art. 5º da Lei n. 11.340/06, porquanto o denunciado Dimas Fagundes foi casado com a vítima Adriana Marinho por mais de 20 anos.

Em circunstâncias de data e horário a serem melhores esclarecidas durante a instrução processual, mas com certeza entre 21h30min. do dia 31 de maio de 2021 até às 7h30min. do dia 1º de junho do mesmo ano, no interior da residência localizada na Rua Jovino Agostinho da Cunha, n. 190, bairro São Francisco, nesta cidade e comarca, o denunciado Dimas Fagundes, de forma consciente e voluntária, com vontade homicida e prevalecendo-se de relação íntima de afeto, matou Adriana Marinho, sua atual companheira, mediante asfixia causada por esganadura, causando-lhe, por consequência, as lesões descritas no Laudo Pericial n. 2021.21.2698.21.001-72 ("1. Crânio: Presença de equimoses nas faces laterais do pescoço e na região do mento ("sinais de esganadura"). Há, ainda, eritema ("vermelhidão") e edema em torno ao pescoço. Associam-se escoriações superficiais em faces laterais do pescoço e abaixo do mento (queixo), compatíveis com escoriações ungueais. Identifica-se, também, cianose de tronco, face e lábios. Ao exame das órbitas oculares, destacam-se "equimoses em faixas" em globos oculares (características de processos asfíxicos/anóxia) - (fotos). 2. Tórax / Abdômen: À abertura das cavidades evidenciam-se: marcada congestão e edema pulmonares associados à hemorragia pulmonar difusa. Aos cortes, fluindo secreção serossanguinolenta de aspecto "bolhoso" (fotos). Destacam-se, ainda, sangramentos em forma de petéquias hemorrágicas subpleurais e subepicárdicas (sinais de asfixia -anóxia). A área cardíaca mostra petéquias epicárdicas. Demais vísceras: congestão vascular multivisceral. Útero não palpável na cavidade. 3.Membros: Presença de escoriações ungueais em dorso das mãos (mais evidenciável no dorso da mão direita), compatíveis com "lesões de defesa" - (fotos)"), as quais foram a causa da sua morte.

Na oportunidade, o denunciado Dimas Fagundes, após chegar do Shopping Via Catarina com a vítima Adriana, tomou café, enquanto esta tomava banho. Ato contínuo, ambos foram para o quarto dormir, ocasião em que entre o período acima informado, asfixiou a ofendida Adriana Marinho, esganando-a com suas mãos ("Esganadura é um tipo de asfixia mecânica que se verifica pela constrição do pescoço pelas mãos, ao obstruir a passagem do ar atmosférico pelas vias respiratórias até os pulmões. É sempre homicida, sendo impossível a forma suicida ou acidental (França, Genival Veloso de, 1935- Medicina legal/Genival Veloso de França. - 11. ed. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. il. p. 165.)").

O crime foi cometido por motivo fútil, eis que em razão do inconformismo do denunciado com o fim do relacionamento existente entre as partes.

O delito foi praticado mediante dissimulação porquanto o denunciado, sem demonstrar qualquer inconformismo com o término do relacionamento, chegou com a vítima do passeio ao Shopping, tomou seu café e dirigiu-se aos aposentos do casal com a vítima sem que os filhos percebessem seu propósito.

Ainda, a prática delituosa foi cometida por meio que dificultou a defesa da ofendida, haja vista a disparidade de força entre autor e vítima, fica clara a impossibilidade ou dificuldade de defesa desta, agravada pelo fato de que modus operandi utilizado pelo denunciado a impediu de chamar por socorro.

Outrossim, o injusto penal também foi cometido por meio cruel, pois o denunciado asfixiou a vítima, mediante esganadura, causando-lhe intenso sofrimento.

O crime contra Adriana foi praticado em razão de sua condição de mulher e no contexto de violência doméstica, haja vista que o denunciado o praticou em razão de não aceitar o término do relacionamento existente entre as partes.

No local onde a vítima foi localizada, já sem vida, foi encontrada uma carta escrita a próprio punho pelo denunciado, na qual afirmava que: "[...] fiz isso porque eu sofri a vida toda com ela [...] Quero ser enterrado com ela [...]" ("Foto2, Evento 24").

Após concluir o seu intento, o denunciado tentou cometer suicídio, jogando-se na frente de um caminhão (Evento 1, doc1).

Concluída a instrução preliminar, a Doutora Juíza de Direito Fabiane Alice Müller Heinzen Gerent pronunciou Dimas Fagundes pelo cometimento, em tese, do delito pormenorizado no art. 121, § 2º, I, III, IV, e VI, do Código Penal (Evento 174).

Insatisfeito, Dimas Fagundes deflagrou recurso em sentido estrito.

Em suas razões, sustenta que, embora, ao ser intimado, tenha assentado que não gostaria de recorrer, o reclamo deve ser conhecido por ser prevalente o exercício da Defesa técnica.

Quanto ao mérito, anota que o comportamento se amolda ao delito de lesão corporal seguida de morte, na medida em que "não há se falar na intenção, elemento subjetivo do dolo de causar a morte", devendo ser promovida a desclassificação da imputação.

Por fim, se insurge contra a admissão da qualificadora do feminicídio, por entender que "não se tem a compreensão de que o delito consumado foi em razão de a vítima ser do sexo feminino" e, de forma genérica, pleiteia o decote das demais circunstanciadoras porque "as provas carreadas na origem não dão o devido suporte para a manutenção das qualificadoras irrogadas ao recorrente na peça vestibular e mantidas na sentença resistida".

O Ministério Público ofereceu contrarrazões recursais pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 188).

A decisão resistida foi mantida (Evento 185).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Protásio Campos Neto, manifestou-se pelo desprovimento do reclamo (Evento 7).

VOTO

Embora tenha sido formulado pedido expresso para que o reclamo seja conhecido, a despeito de não ter manifestado seu desejo de recorrer quando intimado, o Recorrente Dimas Fagundes não renunciou ao prazo recursal.

Em verdade, ao ser cientificado da admissão da acusação, o Recorrente apenas registrou que decidiria, juntamente com seu Excelentíssimo Defensor, sobre o exercício de tal faculdade processual. Portanto, não há óbice ao conhecimento do recurso.

Outrossim, não haveria vedação ao conhecimento do recurso, mesmo se houvesse renúncia expressa de Dimas Fagundes em recorrer, pois a Súmula 705 do Supremo Tribunal Federal definiu que "A renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta".

Se o direito de autodefesa do acusado é facultativo e disponível, a defesa técnica, por sua extrema importância, é obrigatória e indisponível, sendo vedado que o réu responda ao processo penal sem estar devida e efetivamente assistido por advogado ou defensor público/dativo, conforme o caso.

Assim, o recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

1. Embora o Recorrente tenha requerido, em momentos diversos, sua impronúncia, toda a linha argumentativa apresentada no recurso conduz ao pedido de desclassificação da imputação presente na denúncia.

Na insurgência não se questiona a prova da materialidade e os indícios de autoria.

O Recorrente Dimas Fagundes se limita a apontar que a conduta dita delituosa se amolda ao preceito primário do art. 129, § 3º, do Código Penal ("Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: [...] § 3°: Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze ano").

No entanto, o pedido de desclassificação da imputação não pode ser acolhido nesta oportunidade.

De acordo com Andreas Eisele:

O dolo é um instrumento de imputação típica, e consiste em um recurso operacional, mediante o qual a conduta é classificada como subjetivamente típica quando os aspectos psicológicos e intelectuais que a compõem corresponderem à hipótese típica.

Por exemplo, se um sujeito matar alguém sem ter a consciência, vontade, intenção ou finalidade de implementar tal evento (e não for indiferente à sua realização, nem assumir o risco de causá-lo), a conduta correspondente não deverá ser classificada como dolosa, porque não haverá uma adequação típica subjetiva anímica entre a conduta objetivamente implementada pelo sujeito na realidade empírica, e o evento típico. Porém, se o sujeito matar alguém querendo concretizar tal evento, a consciência (representação da hipótese fática), a vontade e a finalidade para a qual se dirigiu o seu comportamento (intenção) correspondem à hipótese típica, em decorrência do que a conduta é típica no aspecto psíquico e intelectual do comportamento subjetivo, motivo pelo qual deve ser classificada como doloso (Direito Penal: teoria do delito. Salvador: Editora Juspodivm, 2018. p. 251).

No âmbito do procedimento de apuração de crimes dolosos contra a vida, na primeira fase somente se pode falar em desclassificação quando houver prova contundente da ausência de intenção homicida.

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