Acórdão Nº 5001767-89.2022.8.24.0028 do Segunda Câmara Criminal, 18-04-2023

Número do processo5001767-89.2022.8.24.0028
Data18 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 5001767-89.2022.8.24.0028/SC



RELATOR: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: MARILDA RODRIGUES CARDOSO (RÉU) ADVOGADO(A): THIAGO TURAZZI LUCIANO (OAB SC019508)


RELATÓRIO


Na Comarca de Içara, o Ministério Público ofereceu Denúncia contra Marilda Rodrigues Cardoso, dando-a como incursa nas sanções do art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90, c/c art. 71, do Código Penal, em virtude dos seguintes fatos (Evento 1 dos autos de origem):
I - DOS FATOS
A denunciada Marilda Rodrigues Cardoso, na condição de sócia administradora da empresa Klass Indústria e Comércio de Confecções Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 24.769.682/0001-60 e Inscrição Estadual n. 25.796.030-9, estabelecida na Rua Jorge Agenor Fernandes, n. 874, sala 01, Bairro Tereza Cristina, Içara/SC, em datas de 20 de dezembro de 2017, 20 de março de 2018, 20 de junho de 2018, 20 de agosto de 2018, 22 de outubro de 2018, 20 de novembro de 2018, 20 de dezembro de 2018, 21 de janeiro de 2019, 20 de fevereiro de 2019, 20 de março de 2019, 22 de abril de 2019, 20 de maio de 2019, 21 de junho de 2019, 22 de julho de 2019, 20 de agosto de 2019, 20 de setembro de 2019, 21 de outubro de 2019, 20 de novembro de 2019, 20 de dezembro de 2019, 20 de julho de 2020, 20 de agosto de 2020 e 21 de setembro de 2020, deixou de efetuar o recolhimento de R$ 30.944,42 (trinta mil e novecentos e quarenta e quatro reais e quarenta e dois centavos) a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado de consumidores finais, o que fez com o intuito de obter vantagens ilícitas mediante a apropriação de tais valores e em prejuízo do Estado de Santa Catarina, conforme declarações apresentadas pela própria denunciada através do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional - Declaratório (PGDAS-D), relativas aos meses de novembro de 2017, fevereiro, maio, julho, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2018, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2019, março, abril e maio de 2020.
II - DAS CERTIDÕES DE DÍVIDAS ATIVAS
Por tal motivo foram emitidas as Certidões de Dívidas Ativas nrs. 200000595813 (fls. 2/4), 200003455419 (fls. 5/7) e 210008182515 (fls. 39/41), as quais, computando-se o imposto apropriado e os acréscimos de multa e juros, alcançaram o montante histórico de R$ 38.865,50 (trinta e oito mil e oitocentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos), cujo valor atualizado é de R$ 35.995,90 (trinta e cinco mil e novecentos e noventa e cinco reais e noventa centavos).
Importante frisar que a denunciada apresenta longo histórico de inadimplência do imposto ICMS, eis que, por 22 (vinte e dois) meses, apresentou suas declarações mensais ao órgão fazendário, mas não efetuou os recolhimentos dos valores respectivos.
E, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, "O contribuinte que deixa de recolher o valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/90." (Habeas Corpus n. 163334).
III - DOS PARCELAMENTOS
Os débitos tributários decorrentes dos lançamentos fiscais acima mencionados foram submetidos a três parcelamentos, conforme tabela a seguir, ressaltando-se que os mesmos restaram cancelados em virtude de inadimplência, e que "É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída em regime de parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal".
Registre-se, ainda, que "A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.".[...]
Recebida a Exordial (Evento 7 dos autos de primeiro grau), a acusada foi citada e nomeado defensor.
Na sequência, após apresentação da Resposta à Acusação, o Juízo a quo absolveu sumariamente Marilda Rodrigues Cardoso, com fulcro no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal, isto é, por atipicidade da conduta, por entender que o não pagamento de ICMS "próprio" não configura a conduta típica (Evento 20 dos autos de origem).
Inconformado, o Ministério Público interpôs Recurso de Apelação e, nas Razões do Evento 37 do feito de origem, requereu o prosseguimento do feito, aduzindo, para tanto, que a conduta do sujeito passivo direto, devedor do ICMS, configura o delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90. Por fim, prequestionou os dispositivos citados.
Apresentadas as Contrarrazões (Evento 40 daquele processo), a Defesa pleiteou a manutenção da decisão e a fixação de honorários advocatícios. Os autos ascenderam ao Segundo Grau, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e provimento da insurgência (Evento 8).
Este é o relatório

VOTO


O recurso merece ser conhecido, por próprio e tempestivo.
Pleiteia o Órgão Ministerial, em síntese, o prosseguimento do feito, aduzindo que a conduta do sujeito passivo direto, devedor do ICMS, configura o delito tipificado no art. 2º, inciso II, da Lei 8.137/90.
Razão lhe assiste. Vejamos.
A materialidade deflui das Certidões de Dívida Ativa anexadas ao Evento 4, OUT2, páginas 1-2, 4-5 e OUT23, páginas 1-2, dos autos de origem, que apontam a existência de créditos tributários inadimplidos pela empresa da Recorrida (Klass Indústria e Comércio de Confecções Ltda).
Os indícios de autoria, por sua vez, encontram-se consubstanciados na prova documental constante do caderno processual, notadamente o Contrato Social anexado ao Evento 4, CONTRSOCIAL35, Páginas 4-7, do feito de origem, em que consta a Recorrida como sócia-administradora da pessoa jurídica e, portanto, responsável pela empresa à época das supostas sonegações fiscais.
Segundo dispõe o art. 11, da Lei n. 8137/90, "Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade".
Da análise dos autos, verifica-se que a Apelada teria deixado de recolher aos cofres públicos os valores apurados e declarados nos meses de dezembro de 2017, março, junho, agosto, outubro, novembro e dezembro de 2018, janeiro a dezembro de 2019, julho, agosto e setembro de 2020, totalizando a quantia, na época do oferecimento da Denúncia, de R$30.944,42 (trinta mil novecentos e quarenta e quatro reais e quarenta e dois centavos), praticando, assim, em tese, o delito previsto no art. 2º, inciso II, da Lei n. 8.137/90, por vinte e duas vezes.
Com efeito, sabe-se que "a dívida proveniente do inadimplemento de tributos se opõe a efetiva atividade da administração pública, ameaçando, por conseguinte, toda a instituição 'Estado'. É justamente neste ponto que reside a diferença entre a dívida civil e a dívida proveniente do inadimplemento tributário. Enquanto o não pagamento da dívida civil gera danos ao patrimônio do particular, o não recolhimento de tributos gera danos a toda a sociedade obstando a efetivação de políticas públicas" (TJSC. ACrim. n. 2009.073063-6. Rel. Des. Alexandre d'Ivanenko. Terceira Câmara Criminal. j. 9.8.2010).
Nesse sentido, o delito existe em razão da conduta fraudulenta de não repassar ao Estado aquilo que lhe é devido por força de lei, mormente nas hipóteses dos tributos indiretos, quando o real pagador do tributo é o consumidor final, figurando o sujeito passivo da obrigação como mero intermediário.
No caso, o Magistrado a quo entendeu que a conduta de não recolher o ICMS "próprio" não configura o delito tipificado no art. 2º, da Lei 8.137/90, nos seguintes termos:
[...] De plano, cumpre analisar se efetivamente a conduta descrita nos autos subordina-se ou não ao mencionado dispositivo legal, ou seja, se o débito de ICMS declarado regularmente pelo réu e não quitado serve para caracterizar o ilícito penal acima descrito.
Inicialmente, cumpre consignar que me parece óbvia a conclusão de que o sujeito passivo a que alude o referido comando legal não pode, certamente, ser o contribuinte, sob pena de, nessa circunstância, estarmos ferindo - sob esse ângulo de interpretação - o axioma que veda a prisão por dívidas no Brasil.
Neste ponto, corroborando com a jurisprudência emanada pela nossa Corte Estadual de Justiça, entendo que "aqui, não se está a punir, no inciso da lei de que se cuida, pura e simplesmente a inadimplência tributária, mas sim a prática de não ser recolhido ao verdadeiro destinatário o valor que o contribuinte cobrou, precisamente para esse fim, de um terceiro." (grifei) (TJSC, Apelação Criminal n. 2011.015884-8, de Brusque, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 09-08-2011).
Assim colocada a questão, não vislumbro qualquer inconstitucionalidade no preceito legal em comento. Justa me afigura a sanção penal, desde que a sujeito ativo efetivamente cometa a conduta descrita na norma, a qual consiste em deixar de recolher valor de tributo descontado ou cobrado de terceiro.
Por outro lado, não ignoro o posicionamento de que a hipótese em apreço configura crime contra a ordem tributária, ao argumento de que o comerciante (contribuinte de direito) realiza o tipo penal do art. 2°, II, da Lei 8.137/90 ao deixar de recolher ICMS que cobrou do consumidor (que seria um "terceiro"), este apontado como "contribuinte de fato" do imposto.
Todavia, a meu ver, malgrado a importância prática e jurídica desta...

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