Acórdão Nº 5001791-84.2022.8.24.0039 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 22-09-2022

Número do processo5001791-84.2022.8.24.0039
Data22 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001791-84.2022.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: CRISTIANO REMOARDO DE ABREU FILHO (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Critiano Remoardo de Abreu Filho e Banco Bmg S/A interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença proferida pelo magistrado Juarez Rusch, do juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Lages, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na "ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por dano moral", nos seguintes termos (evento 17, autos do 1º grau):

CRISTIANO REMOARDO DE ABREU FILHO, parte autora devidamente qualificada, ingressou com a presente ação contra BANCO BMG S.A, também qualificado, aduzindo, em síntese, que não efetuou contratação de reserva de margem consignável para pagamento de cartão de crédito, buscando a cessação dos descontos, bem como anulação do contrato, repetição de indébito e indenização por danos morais.

Subsidiariamente, requereu a conversão em empréstimo consignado.

Deferida Justiça Gratuita.

Devidamente citado, o réu defendeu a contratação e apontou a inexistência de dano moral. Ao final requereu a improcedência dos pedidos.

Houve réplica.

Desnecessária a audiência de conciliação, eis que evidente sua falta de êxito, aliado ao desinteresse e ao fato de que a conciliação está ao alcance das partes, independentemente de supervisão do Juízo.

Possível o julgamento antecipado do feito, nos moldes do art. 355, I, do Código de Processo Civil, pois não há necessidade de produção de outras provas.

É o relatório.

DECIDO.

Trata-se de ação em que se busca a declaração de inexistência de contratação de empréstimo na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável, bem como restituição em dobro de valores pagos indevidamente, além de indenização por danos morais.

Não há necessidade de produção de outras provas, bastando para resolução da lide os documentos encartados nos autos.

Importante ressaltar que o momento oportuno para a apresentação de outros documentos é, para o autor, com a inicial, e para o réu com a contestação, ressalvando-se a hipótese do artigo 435 do Código de Processo Civil.

Da conexão.

O réu arguiu em contestação a conexão com o processo n. 5001790-02.2022.8.24.0039, ajuizado pelo requerente.

Verifica-se que o requerente discute outro contrato naqueles autos, porém os pedidos e a causa de pedir são os mesmos o que enseja conexão, nos termos do art. 55, do Código de Processo Civil.

Contudo, já houve o julgamento do feito, o que torna impossível o pedido.

Inépcia da inicial.

O réu arguiu inépcia da inicial, alegando que a parte autora não procurou resolver o problema na esfera extrajudicial por meio dos canais de atendimento oferecidos pela instituição financeira ré antes de ajuizar a presente ação.

A preliminar não merece guarida, pois é sabido que vige no ordenamento pátrio o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal), de acordo com o qual o acesso ao Poder Judiciário é incondicionado, no sentido de independer do prévio esgotamento das instâncias administrativas, excepcionadas situações bem pontuais, tais como pedidos de requerimento de aposentadoria pelo INSS (RE 631.240/MG, Tema 350 do STF), causas de competência da justiça desportiva (art. 217, § 1º, da Constituição Federal) ou impetração de habeas data (Súmula 2/STJ).

Logo, a inexistência de prévia tentativa de resolução da controvérsia pela autora na esfera extrajudicial evidentemente não deve constituir óbice à apreciação da presente lide.

Isso posto, rejeito a preliminar.

Do pedido de expedição de mandado de verificação.

Indefiro o pedido formulado em contestação para expedição de mandado de intimação da parte autora, porquanto não há quaisquer elementos mínimos nos autos a indicar eventual nulidade da procuração carreada com a petição inicial, de sorte a amparar suposta ocorrência de lesão/vício na manifestação da vontade da parte autora, na qualidade de outorgante do instrumento de mandato.

Da prescrição.

O banco réu suscitou prejudicial de prescrição com fundamento no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, aduzindo que a ação teria sido protocolada mais de três anos após a contratação firmada entre as partes.

A tese não comporta acolhimento, pois em se tratando de relação de consumo (Súmula 297/STJ), o prazo prescricional a ser considerado é aquele previsto no art. 27 do CDC (prescrição quinquenal), adotando-se como termo inicial de contagem a data do último desconto indevido, por se tratar de relação jurídica de trato sucessivo (nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 27-08-2019).

Com isso, evidente que não há falar em prescrição no caso em tela, pois os documentos juntados com a petição inicial comprovam que a parte autora ainda vinha sofrendo os descontos aqui impugnados ao tempo do ajuizamento da ação.

Conforme julgado em caso análogo:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E TERMO DE ADESÃO A CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO DE 'RESERVA DE MARGEM' (RMC) DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO PELA DEMANDANTE. PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO. CONTRATO COM PRESTAÇÕES MENSAIS, CONTÍNUAS E SUCESSIVAS. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL QUE FLUI A PARTIR DO ÚLTIMO DESCONTO EFETUADO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DESTA CORTE. PREFACIAL REJEITADA. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0303641-65.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 21-05-2020).

Isto posto, rejeito a prejudicial de prescrição.

Da decadência.

Na sequência, foi arguida prejudicial de decadência, sob o argumento de que a demanda fora ajuizada mais de quatro anos depois da celebração do negócio jurídico, razão pela qual a pretensão de anulação do negócio jurídico estaria fulminada pela decadência, nos termos do art. 178, II, do Código Civil.

Aqui, novamente pode ser aproveitado o argumento de que a presente demanda envolve relação de consumo (Súmula 297/STJ) de trato sucessivo, razão pela qual qualquer prazo decadencial somente se iniciaria com o término da execução dos serviços, nos exatos termos do art. 26, § 1º, segunda parte, do CDC.

A jurisprudência:

"APELAÇÕES CÍVEIS. 'AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA RELATIVA A CARTÃO DE CRÉDITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL' - RMC. TOGADO DE ORIGEM QUE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. IRRESIGNAÇÃO DE AMBOS OS CONTENDORES.DIREITO INTERTEMPORAL. DECISÃO PUBLICADA EM 10-02-20. INCIDÊNCIA DO PERGAMINHO FUX. BANCO QUE VENTILA A DECADÊNCIA DA PRETENSÃO DA AUTORA. TESE FUNDADA NO FATO DE QUE O CONTRATO SUB JUDICE FOI FIRMADO HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS ANTES DA DISTRIBUIÇÃO DA DEMANDA. INACOLHIMENTO. CASO CONCRETO. PRESTAÇÃO CONTINUADA. DIREITO DE AÇÃO QUE SE RENOVA MENSALMENTE. PREFACIAL RECHAÇADA.[...]". (TJSC, Apelação n. 5002166-64.2019.8.24.0080, de TJSC, rel. José Carlos Carstens Kohler, 4ª Câmara de Direito Comercial, j. 16-06-2020, grifou-se).

Logo, não tendo sequer iniciado a contagem do prazo decadencial no caso em tela, uma vez que os descontos mensais no contracheque da parte autora ainda ocorriam ao tempo do ajuizamento da ação, fica afastada a tese de decadência.

Do mérito.

No mérito, a relação entre as partes está acobertada pelo Código de Defesa do Consumidor, e diante de tal enquadramento, a responsabilidade do fornecedor nos termos do art. 14 do CDC independe da existência de culpa. Contudo, "(...) por mais intenso que seja o propósito de proteção ao consumidor, o legislador especial não dispensou a identificação do nexo causal como pressuposto da responsabilização". (SCHREIBER apud OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor. 5ª Ed. Anot. e Coment., Doutri. e Jurisp. São Paulo: Atlas. 2001, p. 213 - sem grifos no original).

Assim, ocorrendo o nexo de causalidade, para que esta seja ilidida e o fornecedor não seja responsabilizado pelo evento a teor do § 3º do citado artigo, deverá demonstrar: "I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste", e/ou; "II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro".

A divergência entre os litigantes está resumida na legalidade ou não de descontos em benefício previdenciário da autora por meio da contratação na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável ao invés do conhecido empréstimo consignado para os aposentados e pensionistas.

O requerido traz aos autos contrato de serviço na modalidade de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), sendo que não há como dizer que tal procedimento é ilegal, mesmo porque previsto na legislação vigente, a exemplo da Lei 10.820/2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento no caso dos empregados regidos pela CLT ou mesmo os aposentados e pensionistas do INSS:

"Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.[...]§ 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ouII...

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