Acórdão Nº 5001802-70.2021.8.24.0000 do Primeiro Grupo de Direito Criminal, 26-05-2021

Número do processo5001802-70.2021.8.24.0000
Data26 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeiro Grupo de Direito Criminal
Classe processualRevisão Criminal (Grupo Criminal)
Tipo de documentoAcórdão
Revisão Criminal (Grupo Criminal) Nº 5001802-70.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

REQUERENTE: EDMAR LIMA DOS SANTOS REQUERIDO: Terceira Câmara Criminal - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis

VOTO

Inicialmente, cumpre destacar que a revisão criminal é um instrumento processual de natureza excepcionalíssima, eis que, a depender do caso concreto, poderá desconstituir uma sentença já abrigada sob o manto da coisa julgada. Em razão disso, o seu cabimento somente é possível nos casos taxativamente enumerados no artigo 621 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Outrossim, não é possível o manejo da ação impugnativa com o objetivo de novamente discutir o acerto do decisum, que já foi dirimido em recurso de apelação, mormente quando coincidentes as teses formuladas.

Nesse sentido, colhe-se do julgado desta Corte:

REVISÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A VIDA. HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL, AO ARGUMENTO DE QUE HOUVE CONTRARIEDADE AO TEXTO EXPRESSO DE LEI OU À EVIDÊNCIA DOS AUTOS (ART. 621, I, DO CPP). QUESTÃO JÁ APRECIADA EM SEDE DE APELAÇÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME POR MEIO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECEDENTES. PEDIDO NÃO CONHECIDO. A revisão criminal não se presta para uma simples reabertura das discussões travadas no âmbito da ação penal já transitada em julgado. O limite da cognição é bastante restrito, daí a razão pela qual se argumenta que as revisões criminais têm fundamentação vinculada, ou seja, devem atender aos exatos requisitos e limites estabelecidos na legislação (PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2012, p. 1.227). "Não deve ser conhecido o pedido de revisão criminal, quando baseado em argumentos já apreciados e rejeitados em grau de recurso, sob pena de se transformar a instância revisional em segunda apelação" (Revisão Criminal n. 2003.017972-0, de Laguna, Rel. Des. Irineu João da Silva, Seção Criminal, j. 29 de outubro de 2003)" [...] (Revisão Criminal n. 2013.016226-9, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. 26-2-2014) (TJSC, Revisão Criminal n. 0151299-59.2015.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Rui Fortes, j. em 2-5-2016).

Guilherme de Souza Nucci, por sua vez, descreve que:

"O objetivo da revisão não é permitir uma "terceira instância" de julgamento, garantindo ao acusado mais uma oportunidade de ser absolvido ou ter reduzida sua pena, mas, sim, assegurar-lhe a correção de um erro judiciário. Ora, este não ocorre quando um juiz dá a uma prova uma interpretação aceitável e ponderada. Pode não ser a melhor tese ou não estar de acordo com a turma julgadora da revisão, mas daí a aceitar a ação rescisória somente para que prevaleça peculiar interpretação é desvirtuar a natureza do instituto." (Código de Processo Penal Comentado; Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2016; Pg. 1283).

Aqui, alega o revisionando que a condenação está lastreada em prova ilícita, porquanto extraída de aparelho celular apreendido nos autos n. 0000506- 46.2019.8.24.0040 sem ordem judicial e sem autorização do proprietário.

No entanto, não há que falar em tal nulidade e, consequentemente, na absolvição de Edmar.

Segundo preceitua o artigo 6º do Código de Processo Penal:

Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

[...]

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

[...]

Partindo-se dessa premissa, pode-se concluir que é dever da autoridade policial colher todas as provas necessárias para o esclarecimento do fato, suas características e particularidades.

Na situação em apreço, verifica-se que "No dia 1º de março de 2019, sexta-feira de carnaval, a Polícia Civil de Laguna, com o apoio da Polícia Militar deste município, deflagrou a operação 'Carnaval Seguro', com o objetivo de estancar diversos 'pontos de tráfico' existentes nesse município. Uma das residências alvo da medida era a de LEONARDO RODRIGUES TOMAZ, vulgo MACACO, que, segundo informações do serviço de inteligência da Polícia Militar, serviria de ocultação de drogas e armas. No local, prendeu-se em flagrante delito seu irmão, o senhor FERNANDO RODRIGUES TOMAZ, vulgo MADRUGA, investigado por essa Divisão como sendo o atual auxiliar do Disciplina Geral de Laguna, todos relacionados à organização criminosa conhecida por PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE" (evento 2, PET1 e PET2, dos autos do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos n. 0000673-63.2019.8.24.0040).

Ademais, é de se dizer que a "Divisão de Investigação já vinha monitorando o novo avanço do P.G.C. em Laguna, em especial em decorrência dos crimes contra a vida praticados no período ligados ao verão de 2019, e, por conta disso, já possuía ciência de que LEONARDO FELIPE PATRÍCIO, vulgo BAIXINHO, seria o novo Disciplina Geral da cidade, e que FERNANDO RODRIGUES TOMAZ, vulgo MADRUGA, ora autuado, seria o seu auxiliar" (evento 2, PET7 e PET8, dos autos do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos n. 0000673-63.2019.8.24.0040).

Conforme Auto de Prisão em Flagrante n. 538.19.00003, relacionado ao processo criminal n. 0000506- 46.2019.8.24.0040, depreende-se que no interior da residência localizada na Rua Sylvia Ulyssea Baião, n. 147, bairro Vila Vitória, Laguna/SC, em poder de Fernando Rodrigues Tomaz, além de drogas, dinheiro e demais materiais relacionados ao narcotráfico (evento 35, INQ323, dos autos do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos n. 0000673-63.2019.8.24.0040), os agentes públicos lograram êxito em encontrar 2 (dois) telefones celulares, de modo que as conversas extraídas do aplicativo de mensagens do aparelho da marca Motorola (eventos 3 a 8 dos autos do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos n. 0000673-63.2019.8.24.0040) fizeram com que a polícia chegasse ao nome da pessoa do revisionando e, por conseguinte, motivaram a representação da autoridade policial pela prisão preventiva, busca e apreensão e afastamento do sigilo das comunicações telefônicas em desfavor de Edmar (eventos 2 e 44 dos autos n. 0000673-63.2019.8.24.0040), assim como embasaram a denúncia ofertada e a posterior condenação do revisionando (eventos 61 e 296 dos autos n. 0000673-63.2019.8.24.0040).

Ora, configurada a hipótese de flagrante, não há falar em ilegalidade da prova, isto porque a autoridade policial, ao examinar os dados contidos no celular de posse e utilizado por Fernando Rodrigues Tomaz (eventos 3, INF18 e INF19, dos autos do Procedimento Especial da Lei Antitóxicos n. 0000673-63.2019.8.24.0040), agiu no âmbito de sua atuação, visando colher todas as provas e elementares dos crimes.

A questão acerca da verificação de dados existentes em aparelhos celulares apreendidos, como, por exemplo, chamadas, mensagens e registros contidos no aplicativo "whatsapp", há muito vem sendo debatida e, não raras vezes, decidida de forma diversa, inclusive nas Cortes Superiores, fato que culminou no reconhecimento do tema como repercussão geral por meio do julgado no ARE n. 1042075.

Inclusive, não se desconhece que ambas as Turmas da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça "entendem ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, decorrentes de flagrante, sem prévia autorização judicial (AgRg no HC 499.425/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 6/6/2019, DJe 14/6/2019)" (AgRg no HC 560.442/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021).

No entanto, o entendimento aplicado sistematicamente neste Tribunal é no sentido de que a simples verificação de dados constantes no aparelho celular apreendido não ofende o direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n. 9.296/96, pois a mera coleta de dados armazenados não se confunde com a quebra do sigilo de telefone, razão pela qual...

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