Acórdão Nº 5001807-91.2023.8.24.0010 do Primeira Câmara Criminal, 11-05-2023

Número do processo5001807-91.2023.8.24.0010
Data11 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5001807-91.2023.8.24.0010/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: JOAO PEREIRA DA SILVA (RECORRENTE) ADVOGADO(A): ADRIANO GALVAO DIAS RESENDE (OAB SC055556) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia perante o juízo da comarca de BRAÇO DO NORTE em face de João Pereira da Silva, dando-o como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso II, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos:
No dia 18 de outubro de 2018, por volta das 2h, na Praça Central, Centro, Município de Grão Pará/SC, nas cercanias do posto de gasolina Ipiranga, o denunciado João Pereira da Silva, com intenção deliberada de ceifar a vida da vítima, matou Mauro Henrique Alves de Jesus, ao desferir contra ele 2 (dois) golpes de faca, causando-lhe as lesões descritas no Laudo Pericial n. 9423.18.1306, as quais resultaram em traumatismo torácico e foram a causa determinante e eficiente de sua morte.
Na ocasião, após uma discussão por motivo fútil, Mauro Henrique Alves de Jesus saiu do interior da quitinete em que ambos pernoitavam e João Pereira da Silva o seguiu, já munido de uma faca. Em sequência, na frente do referido posto de gasolina, o denunciado chamou a vítima para briga, dizendo "venha piá, você mexeu com o cara errado", e apontou a faca em sua direção, oportunidade em que, para se defender, Mauro acertou-lhe na cabeça com um cabo de vassoura e o denunciado, com manifesto dolo homicida, desferiu-lhe golpes de faca.
Ressalta-se que o ato criminoso deu-se por motivo fútil, uma vez que, momentos antes da agressão, houve discussão entre a vítima e o denunciado pelo fato de esta fazer menção à filha do denunciado, bem como por conta de desentendimentos laborais (evento 27/PG, em 16-11-2018).
Decisão de pronúncia: o juiz de direito Eduardo Bonnassis Burg julgou admissível a denúncia e pronunciou João Pereira da Silva para que seja submetido à julgamento perante o Tribunal do Júri pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, II, do Código Penal, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (evento 269/PG em 6-6-2022).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a decisão de pronúncia transitou em julgado para o Ministério Público.
Recurso de João Pereira da Silva: a defesa interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou que:
a) os fatos se deram em legítima defesa, uma vez que a vítima teria incitado a discussão e inclusive agredido diversas vezes o recorrente, com um pedaço de madeira, tornando imperiosa a absolvição sumária ou a impronúncia;
b) o delito deve ser desclassificado para lesão corporal grave seguida de morte, haja vista "o único 'indício de intenção homicida' juntado aos autos provém do depoimento colhido em sede inquisitorial por Aldean, que indicou alguma vontade de João em matar Mauro Henrique, o que é vedado";
c) não há falar em qualificadora do motivo fútil quando "os fatos ocorreram em razão de uma discussão incitada e fomentada pela vítima, após esta ter repetidamente difamado a filha do acusado".
Requereu o conhecimento e o provimento do recurso para reformar a decisão, a fim de absolver sumariamente ou impronunciar o recorrente. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação do delito doloso contra a vida para o de lesão corporal seguida de morte ou, ao menos, o decote da qualificadora (evento 292/PG em 21-6-2022).
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento de que há indícios suficientes da autoria delitiva para pronunciar o recorrente, razão pela qual caberá ao plenário do Tribunal Júri valorar as provas e decidir pela condenação ou absolvição ou desclassificação do delito contra a vida para de outra competência, assim como a incidência da qualificadora.
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da decisão de pronúncia (evento 295/PG em 22-6-2022).
Juízo de retratação: o Magistrado a quo manteve a decisão por seus próprios fundamentos (evento 297/PG em 24-6-2022).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: a procuradora de justiça Vera Lúcia Coró Bedinoto opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento 8, eproc2G, em 16-4-2023)

VOTO


Do juízo de admissibilidade
O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
Do mérito
O recorrente busca (i) ver reconhecida a excludente de ilicitude, ao argumento de que há provas nos autos de que agiu em legítima defesa, e, por consequência, pretende a absolvição sumária ou a impronúncia; (ii) a desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de morte, fundada na ausência de animus necandi; e (iii) o afastamento da qualificadora.
Inicialmente, destaca-se, para que se reconheça a absolvição sumária no crime de competência do Tribunal do Júri, disposto no art. 415 do CPP, faz-se indispensável a presença de prova suficientemente segura sobre a inocência do denunciado. Não basta, aqui, a ocorrência de mera dúvida.
Já a impronúncia ocorre quando o juiz não se convence da existência da materialidade do fato ou de indícios suficientes da autoria ou participação do agente no delito, de modo que se admite a propositura de outra ação penal quando existirem novas provas, nos termos do art. 414 do CPP.
De outro vértice, para que se prolate uma decisão de pronúncia é necessário verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e de indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita, conforme se depreende do § 1º e do caput do artigo 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
A decisão de pronúncia deve, portanto, indicar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita.
Trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, estando a análise adstrita, tão somente, à prova de materialidade e indícios de autoria, caso contrário, sobrepor-se-ia à competência do Tribunal do Júri.
Renato Brasileiro de Lima ao se debruçar sobre o tema, explica:
A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413, caput, do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020).
Verifica-se, portanto, para que o acusado seja pronunciado, o magistrado deve estar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Portanto, para fins de pronúncia, como adverte referido doutrinador, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, tal qual se exige em relação à materialidade, é necessário um conjunto de provas que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso, de modo a se evitar que alguém seja exposto de maneira temerária a um julgamento perante o Tribunal do Júri.
Acrescenta-se que no procedimento escalonado do Tribunal do Júri vigora, nesta fase de julgamento acerca da admissibilidade da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, "[...] existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular" (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 833).
Dessa forma, fica evidente que o magistrado, ao pronunciar o acusado, deve estar convencido da existência dos crimes e dos indícios suficientes de sua autoria, ressaltando-se, novamente, que a pronúncia não representa um juízo de valor absoluto acerca da autoria do crime.
No caso, a legítima defesa sustentada pela defesa está prevista como causa de excludente de ilicitude que, por sua vez, é fundamento para absolvição sumária, nos termos do art. 415, III do CPP. Para o seu reconhecimento nesta fase processual, é imprescindível a prova inequívoca de que o agente agiu repelindo injusta ou iminente agressão utilizando dos meios necessários.
Assim, em que pesem as argumentações defensivas, estão presentes indícios suficientes da autoria do crime doloso contra a vida, o que é suficiente para encaminhamento da questão ao Tribunal do Júri, mormente porque ausente provas inequívocas de que o recorrente agiu em legítima defesa e/ou sem animus necandi.
O juiz de direito Eduardo Bonnassis Burg, ao pronunciar o recorrente pela suposta prática do crime doloso contra a vida, valeu-se das provas oral e documental acostadas aos autos para fundamentar sua decisão. Vejamos...

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