Acórdão Nº 5001819-84.2019.8.24.0030 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 20-05-2021

Número do processo5001819-84.2019.8.24.0030
Data20 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001819-84.2019.8.24.0030/SC



RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN


APELANTE: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU) APELADO: ANA CRISTINA GARCIA CARDOSO (AUTOR)


RELATÓRIO


1.1) Da inicial
ANA CRISTINA GARCIA CARDOSO ajuizou Ação Revisional em face do BANCO DAYCOVAL S.A., alegando, em síntese, que, em 18.4.2013, emitiu Cédula de Crédito Bancário (n. 21-1608237/13) para obter empréstimo consignado no valor de R$ 17.309,04, a ser pago em 71 parcelas mensais de R$ 511,23.
Aduziu a ocorrência de onerosidade excessiva da obrigação, pois as cobranças ilegais e abusivas tornaram as prestações incertas e ilíquidas e, portanto, inexigíveis.
Quanto ao mérito, requereu a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação, a capitalização dos juros em periodicidade mensal, o recálculo do saldo devedor de acordo com os novos parâmetros fixados em juízo para os encargos da normalidade, a repetição de indébito, a compensação de valores e a condenação do réu nas verbas sucumbenciais.
Pediu a concessão da justiça gratuita, o reconhecimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso e a inversão do ônus da prova.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1).
1.2) Da contestação
Devidamente citado (eventos 7-8), o réu apresentou resposta, em forma de contestação (evento 10), arguindo, preliminarmente, a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo ante a não instrução da inicial com o cálculo do valor tido por incontroverso. No mérito, defendeu a licitude e a obrigatoriedade do contrato, a legalidade dos encargos pactuados, a inaplicabilidade do CDC à hipótese, a impossibilidade de inversão do ônus da prova e o não cabimento da repetição de indébito. Requereu a extinção do feito com o acolhimento da prefacial e, de forma subsidiária, a improcedência dos pedidos da autora e a sua condenação nas verbas sucumbenciais. Em caso de procedência, pediu a devolução do valor creditado à autora ou a compensação de valores.
Juntou documentos (eventos 9-10).
1.3) Do encadernamento processual
Deferida a justiça gratuita (evento 3).
Manifestação à contestação (evento 13).
1.4) Da sentença
Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Antônio Carlos Angelo afastou a prefacial suscitada pelo banco réu e prolatou sentença com resolução de mérito para julgar parcialmente procedente a pretensão inicial deduzida (evento 15), nos seguintes termos:
ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação de REVISÃO DE CONTRATO proposta por ANA CRISTINA GARCIA CARDOSO em face de BANCO PAN S.A. para:
a) DECLARAR A ILEGALIDADE da taxa de juros empregadas no contratos mencionado na exordial, no que exceder a 22,27% a.a;
b) LIMITAR a capitalização de juros à periodicidade mensal;
c) DETERMINAR a revisão das parcelas vincendas, de acordo com os balizamentos traçados nesta decisão;
d) CONDENAR o banco réu ao pagamento dos valores pagos a maior, na forma simples, em valores a serem apurados futuramente, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde o desembolso indevido, podendo ainda a satisfação ocorrer por meio de compensação de eventual dívida que ainda persistir.
CONDENO o(a) requerido(a), ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários de sucumbência, estes últimos os quais fixo em 12,5% (doze vírgula cinco por cento) do valor atualizado da condenação. (grifos do original)
1.5) Dos aclaratórios
Os Embargos de Declaração opostos pelo banco réu (evento 21) foram acolhidos para corrigir erro material quanto ao seu nome e à data da contratação e, com isso, aplicou-se ao caso taxa média praticada pelo mercado financeiro diversa daquela anteriormente indicada pelo juízo a quo no édito (evento 26), de modo que o dispositivo da sentença foi alterado - sem modificar o resultado do julgamento - nos seguintes termos (evento 26):
ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação de REVISÃO DE CONTRATO proposta por ANA CRISTINA GARCIA CARDOSO em face de BANCO DAYCOVAL S.A. para:
a) DECLARAR A ILEGALIDADE da taxa de juros empregadas no contratos mencionado na exordial, no que exceder a 22,50% a.a;
b) LIMITAR a capitalização de juros à periodicidade mensal;
c) DETERMINAR a revisão das parcelas vincendas, de acordo com os balizamentos traçados nesta decisão;
d) CONDENAR o banco réu ao pagamento dos valores pagos a maior, na forma simples, em valores a serem apurados futuramente, acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, e correção monetária pelo INPC/IBGE desde o desembolso indevido, podendo ainda a satisfação ocorrer por meio de compensação de eventual dívida que ainda persistir.
CONDENO o(a) requerido(a), ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários de sucumbência, estes últimos os quais fixo em 12,5% (doze vírgula cinco por cento) do valor atualizado da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (grifos do original)
1.6) Do recurso
Irresignado com a prestação jurisdicional, o banco réu interpôs recurso de Apelação Cível (evento 35), arguindo, preliminarmente, a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo ante a não instrução da inicial com o cálculo do valor incontroverso e, no mérito, defende a obrigatoridade contratual, a licitude do juros remuneratórios, a contratação somente da Tabela Price, a não pactuação da capitalização de juros, o não cabimento da repetição de indébito e a necessidade de inversão da sucumbência.
1.7) Das contrarrazões
Apresentada (evento 39).
Este é o relatório

VOTO


2.1) Do objeto recursal
A discussão recursal versa sobre obrigatoriedade contratual, pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular da ação de revisão de obrigação contratual, encargos da normalidade contratual, repetição de indébito e sucumbência.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso porque presentes requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pois ofertado a tempo e modo, recolhido o preparo e evidenciados o objeto e a legitimação.
2.3) Da preliminar
2.3.1) Do pressuposto processual do art. 330, § 2º, do CPC
Requer o apelante a extinção do feito sem resolução do mérito, tendo em vista a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo que tem por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, pois a apelada deixou de quantificar o valor incontroverso do débito na inicial (art. 330, § 2º, CPC).
Acontece que o resultado do presente julgamento foi favorável ao banco apelante, consoante fundamentação deste acórdão.
Dessarte e considerando o que dispõe o art. 488 do Código de Processo Civil, deixo de apreciar a prefacial supra.
2.4) Do mérito
2.4.1) Do pacta sunt servanda
Defende o apelante necessária observância à obrigatoriedade do contrato sub judice, pois celebrado de modo livre e consciente pelas partes, as quais anuíram com o teor das suas cláusulas, as quais estão de acordo com a legislação vigente, pelo que inexiste qualquer abusividade a ensejar a revisão contratual.
Pois bem.
Entendido como aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, fica valendo aqui a regra prevista no inciso V do seu art. 6º, que prevê como direito básico do consumidor "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".
Comentando a proteção contratual do CDC, Nelson Nery Júnior aponta:
No que respeita aos aspectos contratuais da proteção do consumidor, o CDC rompe com a tradição do Direito Privado, cujas bases estão assentadas no liberalismo que reinava na época das grandes codificações européias do século XIX, para: a) relativizar o princípio da intangibilidade do conteúdo do contrato, alterando sobremodo a regra milenar expressa pelo brocardo pacta sunt servanda, e enfatizar o princípio da conservação do contrato (art. 6º, n. V). (GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 444)
Entendido que o "pacta sunt servanda" não deve prevalecer em todas as situações indiscriminadamente e, no caso, tratando-se de relação de consumo, possível a análise das cláusulas contratuais, revisando-se-as no que forem abusivas, tornando dispensável a discussão sobre sua natureza adesiva ou não.
Em razão disso, a revisão contratual se presta com fulcro nos princípios expostos nos art. 6º, V, do ...

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