Acórdão Nº 5001830-61.2021.8.24.0057 do Terceira Câmara de Direito Público, 12-07-2022

Número do processo5001830-61.2021.8.24.0057
Data12 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001830-61.2021.8.24.0057/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: SOCIEDADE HOSPITALAR SAO FRANCISCO DE ASSIS (IMPETRANTE) APELADO: MUNICÍPIO DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ/SC (INTERESSADO)

RELATÓRIO

A Sociedade Hospitalar São Francisco de Assis impetrou Mandado de Segurança contra ato supostamente ilegal praticado pelo Prefeito de Santo Amaro da Imperatriz, apontando violação a direito líquido e certo com a publicação do Decreto Municipal n. 7.271/2021, em 21-06-2021, em que fora declarado estado de perigo iminente e suposta calamidade pública, requisitando todos os bens e serviços da Instituição, além de afastar o Presidente do Hospital e a Diretoria, nomeando Interventora.

A análise da liminar foi postergada "por entender necessário e prudente oportunizar a manifestação prévia da autoridade impetrada".

O Município requereu o ingresso no feito e a autoridade coatora apresentou informações.

O Ministério Público manifestou-se pela inexistência de direito líquido e certo da Impetrante.

Sobreveio sentença de denegação da segurança, com fulcro no art. 14 da Lei n. 12.016/2009.

Irresignada, a Impetrante apelou sustentando a ausência de elementos concretos a corroborarem a edição do Decreto Municipal que determinou tão agressiva medida, sem qualquer demonstração do perigo iminente ou qualquer outro tipo de justificativa plausível, a denotar a arbitrariedade e os fins eleitoreiros da intervenção cumprida pessoalmente pelo Prefeito, escoltado por força Policial. Argumentou que a autoridade pública não investiu recursos no Hospital, apenas repassando verbas do Estado e Município. Asseverou que foram desconsideradas as situações excepcionais vivenciadas com a Pandemia de Covid 19 a atingir não apenas a prestação de serviço, mas também a saúde financeira da Instituição. Defendeu ser falaciosa a notícia de que o nosocômio deixaria de atender serviços públicos. Rebateu a tese de as dificuldades financeiras atingiriam a cifra apontado no Decreto. Apontou não haver irregularidade na contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços médicos a um preço de R$ 21.000.000,00 (vinte e um milhões de reais), ao longo de sete anos, pois seriam disponibilizados médicos para o atendimento das escalas de plantão do setor de emergência, que fica aberto 24 horas por dia, sete dias por semana, por um valor médio de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) por mês. Asseverou que com a medida deixaria de arcar com o pagamento de encargos trabalhistas, horas extras, 13º salário e férias, além do risco de erro médico decorrente da atividade no setor de emergência. Sustentou a inexistência de extratos com valores negativos milionários, como sugerido na sentença. Ponderou, ainda, o impedimento de requisição administrativa sobre bens de outro ente da federação.

Por fim, pleiteou liminar consubstanciada na suspensão dos efeitos do Decreto n. 7.271/2021, afastando a Interventora nomeada pela autoridade coatora e reconduzindo toda a Diretoria a seus respectivos cargos até decisão final.

Em contrarrazões, suscitou-se a ilegitimidade ativa, pois Flávio Cesar Esser não mais estaria na presidência da Sociedade Hospitalar São Francisco de Assis, não se caracterizando como representante legal da Instituição.

Os autos ascenderam a esta Corte Estadual de Justiça.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Procuradora de Justiça Eliana Volcato Nunes, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo.

É o breve relatório.

VOTO

O apelo deve ser conhecido eis que tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade.

De plano, a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada em contrarrazões não merece prosperar. Isso porque o ponto central do Mandado de Segurança almeja anular ato supostamente ilegal que afastou o Presidente e a Diretoria da Instituição Impetrante. Nesse contexto, adota-se orientação menos formalista, nos mesmos moldes já definidos na sentença: "Sobre a ilegitimidade ativa, deve ser afastada a visão excessivamente formalista pela qual o presidente destituído não poderia representar a Sociedade (ao menos) na inicial deste feito, mormente em razão da primazia da análise do mérito. Tratando-se de impetração que pretende a anulação de um ato tido por ilegal, no fim das contas, caso acolhida, não haveria falar em destituição da diretoria e remanesceria a legitimidade na representação" (Evento 28, Eproc/PG).

Ultrapassada a questão, passa-se ao exame do mérito que se confunde com o pleito liminar.

O mandado de segurança é remédio constitucional previsto no art. 5º, inc. LXIX, da Constituição Federal, regulado pela Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009, cujo art. 1° refere: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Assim, deve-se adentrar ao mérito da discussão, de modo a pacificar de uma vez por todas a questão de fundo, de sobrelevada relevância, dada a repercussão social que permeia a querela".

O reconhecimento do direito líquido e certo amparado pelo referido remédio exige a demonstração de imediato do postulado, por meio de prova pré-constituída, pois o rito do mandado de segurança inviabiliza a dilação probatória.

Na hipótese em exame, a Impetrante aponta ilegalidade no Decreto Municipal n. 7.271/2021, publicado em 21-06-2021, por meio do qual foram requisitados administrativamente todos os bens e serviços da Sociedade Hospitalar São Francisco de Assis, com afastamento do Presidente do Hospital e de toda a sua Diretoria, tendo assumido a Interventora Lorena Melo Schwinden (Evento 1, Documentação 4, Eproc/PG).

Sobre a requisição de bens, a Constituição Federal prevê em seu art. 5º, inc. XXV, que "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".

Na mesma linha, o Código Civil refere que "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê- la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. [...] § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente".

Por sua vez, a Lei n. 8.080/1990, dispõe especificamente sobre a requisição administrativa voltada à promoção, proteção e recuperação da saúde, vejamos: "Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: [...] XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização".

Assim, a Administração Pública para requisitar bens e serviços, na forma da lei, deverá comprovar a necessidade de o fazê-lo em situação de "perigo público iminente" (perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias), que se caracteriza não somente por colocar a coletividade em risco, mas também que este risco esteja prestes a ocorrer se alguma medida excepcional não for tomada a tempo. Há, no entanto, discricionariedade da Administração quanto ao objeto da requisição e a oportunidade da medida.

Caso evidenciada a hipótese de "perigo público iminente", a requisição pode ser decretada e autoexecutada, independente de prévia confirmação do Poder Judiciário. A apreciação judicial restringe-se apenas ao exame da legalidade do ato, acaso a situação de "perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias" não se evidencie ou quando flagrante o arbítrio da Administração Pública, dissociada dos elementos ensejadores da medida extrema.

O eminente Des. Luiz Cézar Medeiros já afirmou que "o fechamento do único hospital local é motivo suficiente para justificar a implementação da requisição, em vista do perigo (CF, art. 5º, XXV) e da premente necessidade pública de manter o serviço essencial à saúde nos moldes do art. 30, VII, da Constituição Federal" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2013.022644-6, de Fraiburgo, rel. Luiz Cézar Medeiros, Terceira Câmara de Direito Público, julgado em 03-12-2013).

A temática não é desconhecida por esta Colenda Terceira Câmara de Direito Pública, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FECHAMENTO DO ÚNICO HOSPITAL DO MUNICÍPIO DE FRAIBURGO. SITUAÇÃO DE CALAMIDADE PÚBLICA. REQUISIÇÃO ADMINISTRATIVA DE BENS MÓVEIS E IMÓVEIS DO NOSOCÔMIO. AUSÊNCIA DE ESTIPULAÇÃO DE PRAZO PARA CUMPRIMENTO DA MEDIDA. VÍCIO SANÁVEL. CONVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO VOLUNTÁRIO E REMESSA OFICIAL, CONHECIDOS E ACOLHIDOS, EM PARTE. A requisição "é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado", ao passo que a servidão administrativa "é o direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso e gozo" (MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 891 e 893). "No direito público, não constitui uma excrescência ou uma aberração jurídica admitir-se a sanatória ou o convalescimento do nulo. Ao contrário, em muitas hipóteses o interesse público prevalecente...

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