Acórdão Nº 5001848-50.2020.8.24.0079 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 13-07-2021

Número do processo5001848-50.2020.8.24.0079
Data13 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5001848-50.2020.8.24.0079/SC



RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA


APELANTE: BRUNO PIMENTEL DE OLIVEIRA (AUTOR) E OUTRO ADVOGADO: THIAGO CRESTANI DAMIAN (OAB RS078975) APELADO: OS MESMOS


RELATÓRIO


Trata-se de recursos de apelação cível interposto por OMNI S/A Crédito Financiamento e Investimento e Bruno Pimentel de Oliveira contra sentença (doc. 35, evento 26) através da qual foram julgados parcialmente procedentes os pleitos formulados na ação revisional de cédula de crédito bancário para financiamento de veículo, nos seguintes termos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito da causa e JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados por BRUNO PIMENTEL DE OLIVEIRA contra OMNI S/A CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO para limitar os juros remuneratórios no percentual de até 10% superior à média indicada pela Tabela do BACEN ao tempo da contratação, que era de 1,70% ao mês e de 22,36% ao ano para o contrato objeto da presente ação. No entanto, considerando não ter ocorrido o depósito nos autos dos valores incontroversos das parcelas, REVOGO a tutela provisória de urgência liminarmente concedida. Diante da sucumbência recíproca (art. 86, caput, do CPC), as partes deverão arcar com as despesas processuais na proporção de 50% para cada uma. Fixo os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% do valor do valor atualizado da causa. Considerado que ambas partes foram sucumbentes, o autor deverá pagar metade dos honorários (5% do valor da causa) em favor do patrono da parte adversa, enquanto o requerido ficará responsável pelo pagamento da outra metade dos honorários (5% do valor da causa) em favor do procurador do requerente, vedada a compensação. Em relação ao autor, contudo, a exigibilidade das verbas sucumbenciais fica suspensa diante da gratuidade da justiça que lhe foi deferida (art. 98, § 3º, do CPC).
Foram opostos embargos de declaração, os quais foram acolhidos (doc. 37, evento 35), conforme se verá a seguir:
Ante o exposto, ACOLHO os embargos de declaração opostos por BRUNO PIMENTEL DE OLIVEIRA para, sanando o vício na deliberação atacada, determinar a compensação daquilo que se apurar ter sido cobrado em excesso pelo requerido, em relação ao montante que ainda permanece devido pelo autor.
Em suas razões recursais (doc. 38, evento 41), o autor sustentou a descaracterização da mora e os seus consectários; o afastamento da tarifa de cadastro e do seguro prestamista, bem como da assistência mondial serviços e a inversão do ônus da sucumbência a fim de que a instituição financeira arque com os estipêndios da sua derrota, além da majoração da verba honorária em 20% sobre o valor da causa.
Por sua vez, a casa bancária alegou, em suma, a necessidade de manutenção dos juros remuneratórios tal como pactuados, a observância ao risco evidente da operação e à teoria da oportunidade. Ao final, pugnou a alteração do parâmetro da verba patronal para incidir sobre o valor da condenação.
Foram apresentadas contrarrazões (doc 44, evento 51 e doc. 45, evento 56).
Este é o necessário relatório

VOTO


Insurgem-se as partes contra sentença de parcial procedência dos pleitos exordiais formulados em ação revisional de cédula de crédito bancário para financiamento de veiculo.
Os pontos atacados nos apelos serão analisados separadamente com o objetivo de facilitar a compreensão.
Impossibilidade de revisão contratual, validade do contrato firmados entre as partes em respeito aos princípios da boa-fé e do "pacta sunt servanda"
Afirmou a casa bancária a liberdade de pactuação do contrato objeto do imbróglio, inclusive com a concordância em relação às cláusulas estipuladas, o preço e os demais encargos contratados, motivo pelo qual não há cobrança de rubricas ilegais ou abusivas de modo que, "in casu", prevaleceria a boa-fé entre os contratantes e a manutenção do que fora firmado.
No entanto, tais ponderações não merecem guarida.
É cristalino que a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes é tida como de consumo, enquadrando-se a apelada no conceito de consumidor final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o apelante no de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º, §2º, da Legislação Consumerista), "in verbis":
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
[...]
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
[...]
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Tal entendimento foi consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece o seguinte: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
Vale ressaltar que o reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por si só, não assegura a procedência dos pedidos formulados pela parte autora da demanda, uma vez que somente quando da análise do caso concreto é que será possível a verificação de eventual ilegalidade ou abusividade das condições contratuais.
Portanto, não é o caso de afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, um dos principais objetivos da Lei 8.078/90 consiste na proteção do hipossuficiente em decorrência de sua vulnerabilidade, cuja finalidade, nos termos da Política Nacional das Relações de Consumo, é a de resguardar os interesses econômicos e a harmonização dos negócios celebrados.
É nesse sentido, portanto, que a relação evidenciada nos autos deve ser interpretada, segundo as disposições consumeristas, com o intuito de alcançar ao máximo a igualdade entre os contratantes.
Atente-se, todavia, que isso não implica o reconhecimento de mácula a viciar a avença desde o seu princípio, mas é possível a revisão do pacto entabulado entre as partes, conforme o disposto no inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, o qual permite a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a revisão delas em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Dessa forma, plenamente cabível a revisão dos termos originalmente avençados, sem que haja qualquer afronta ao princípio da boa-fé objetiva.
Além disso, em vista de sua natureza cogente, a legislação protetiva em comento restringiu o espaço da autonomia de vontade privilegiada pelo direito privado, mitigando o princípio da obrigatoriedade dos contratos (a eficácia do princípio pacta sunt servanda), próprio de avenças celebradas sob a égide do Código Civil.
Nessa linha, já decidiu esta Corte de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. 1 - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS PACTUADAS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 297 DO STJ. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. [...] (Apelação Cível n. 0004412-88.2012.8.24.0040, Rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em 3/7/2018)
E, ainda:
APELAÇÕES CÍVEIS. DEMANDAS CONEXAS. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO E AÇÃO MONITÓRIA. SENTENÇA UNA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PUBLICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. APELO DO BANCO NA DEMANDA REVISIONAL. 1. REVISÃO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. "A jurisprudência do STJ se posiciona firme no sentido de que a revisão das cláusulas contratuais pelo Poder Judiciário é permitida, mormente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, devendo ser mitigada a força exorbitante que se atribuía ao princípio do pacta sunt servanda" (STJ, AgRg no Ag n. 1.383.974/SC, Quarta Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 1º-2-2012). [?] (Apelação Cível n. 0014453-12.2009.8.24.0011, Relª. Desª. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. em 26/6/2018)
Desse modo, verificada a aplicação da Lei 8.078/90 no caso em apreço e, sendo viável a análise das cláusulas do contrato, não merece reforma a sentença nestes pontos.
Juros remuneratórios
Neste aspecto, postula a casa bancária a manutenção do encargo compensatório tal como pactuado.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de adotar a tabela de taxas médias de juros praticados pelo mercado como índice de referência para a apreciação dos casos concretos: "Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado" (Súmula n. 296).
No âmbito desta Egrégia Corte, consolidaram-se os...

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