Acórdão Nº 5001872-19.2021.8.24.0055 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5001872-19.2021.8.24.0055
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001872-19.2021.8.24.0055/SC

RELATOR: Desembargador RODOLFO TRIDAPALLI

APELANTE: JOAO MARIA RIBEIRO (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Da ação

Adoto o relatório da sentença recorrida (Evento 25), em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, por retratar com fidedignidade o trâmite processual no primeiro grau, in verbis:

Trata-se de ação de restituição de valores c.c indenização por dano moral proposta por JOAO MARIA RIBEIRO em face de BANCO BMG S.A.

A autora alegou, em síntese, que é pessoa idosa e percebe benefício previdenciário. Realizou contratos de empréstimos consignados junto à instituição financeira ré, tendo sido informada de que o pagamento seria realizado mediante descontos mensais diretamente de seu benefício previdenciário. Contudo, meses após a celebração do contrato de empréstimo, foi surpreendida com o recebimento de faturas para pagamento de cartão de crédito. Foi informada, na sequência, de que o empréstimo formalizado não se tratava de um empréstimo consignado normal, mas sim um empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito, o qual deu origem a constituição da reserva de margem consignável (RMC) e, desde então, a empresa tem realizado a retenção de margem consignável no percentual de 5% do valor do benefício previdenciário. Postulou a procedência da ação para declarar a nulidade da contratação do empréstimo na modalidade "saque de cartão de crédito", determinar a suspensão dos descontos realizados diretamente no benefício da requerente, condenar a requerida ao pagamento, em dobro, dos valores cobrados indevidamente e condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1.1). Para tanto, juntou documentos (evento 1.2/12).

A parte ré apresentou contestação alegando, preliminarmente ausência de interesse processual, inépcia da petição inicial, ajuizamento reiterado por advogados captadores e da não utilização da plataforma consumidor.gov. No mérito, aduziu que foi firmado contrato de cartão de crédito consignado, por meio do qual foi disponibilizado à parte autora um limite de crédito A parte autora realizou o saque do valor concedido pela ré e efetuou diversas compras por meio do cartão, portanto, não há como afirmar que os valores cobrados são indevidos ou que a autora desconhecia os termos da contratação. O contrato firmado entre as partes possui autorização para desconto mínimo em folha, não se confundindo com empréstimo consignado, uma vez que a autorização refere-se ao descontos das parcelas do cartão de crédito, não ao pagamento de empréstimo consignado. Argumentou acerca da legalidade da contratação, da inexistência de dano moral, da impossibilidade da repetição do indébito em dobro e da impossibilidade da conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado (evento 11.1). Juntou documentos (evento 11.2/11).

Houve réplica (evento 15).

Da sentença

A Juíza de Direito, Dra. FABRICIA ALCANTARA MONDIN, da 1ª Vara da Comarca de Rio Negrinho, julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (Evento 25):

Diante do exposto, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por JOAO MARIA RIBEIRO em face de BANCO BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais em favor do procurador da parte ré, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85, §§ 2º e 6º, do Código de Processo Civil.

Todavia, diante da concessão do benefício da gratuidade da justiça à parte autora (evento 5), suspendo a exigibilidade do pagamento das verbas acima com relação a ela, pelo período de 5 (cinco) anos, com fulcro no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil, salvo se sobrevier mudança em sua situação econômica.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Da Apelação

Inconformado com a prestação jurisdicional, o Autor, ora Apelante, interpôs recurso de Apelação (Evento 31), no qual reedita os argumentos lançados à petição inicial, ressaltando que, após a celebração do contrato de empréstimo consignado, foi surpreendido com o desconto de reserva de margem consignável (RMC) de cartão de crédito.

Pugna a reforma da decisão recorrida, uma vez que a conduta perpetrada pelo Apelado é contrária às regras de proteção ao consumidor, por violar o direito à informação.

Argumenta que há prática abusiva do Apelado, a qual está comprovada pela ocorrência de onerosidade excessiva, pois as parcelas descontadas mensalmente do seu benefício previdenciário somente pagam os encargos do cartão de crédito, o que ofende a boa-fé contratual.

Por conta disso, pretende o reconhecimento da ilegalidade da contratação, com a consequente nulidade do pacto firmado entre as partes, com a condenação do Apelado a restituição dos valores indevidamente descontados mensalmente, na forma dobrada.

No que se refere ao dano moral, sustenta que o ato ilícito está configurado, diante da ilicitude praticada pelo Apelado, sendo o abalo moral, portanto, presumido.

Por fim, requer o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial.

Das contrarrazões

Devidamente intimado, o Apelado apresentou contrarrazões (Evento 35). Aventa a necessidade de intimação da parte autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, requer a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Ascenderam os autos ao Tribunal de Justiça.

Após a distribuição, vieram-me conclusos para julgamento.

Este é o relatório.

VOTO

I - Da admissibilidade

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

II - Das contrarrazões

O BANCO BMG S.A requer a intimação da parte autora para que informe se tem conhecimento do ajuizamento da ação, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Subsidiariamente, pleiteou a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que sejam apurados os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.

Sem razão.

No que se refere ao pleito de intimação da parte autora para que esta informe o seu conhecimento acerca da propositura da lide, infere-se que tal medida não se revela plausível, notadamente pelo conteúdo genérico da narrativa, que não encontra abrigo em qualquer início de prova.

Conforme já decidiu este Tribunal, eventual desvirtuamento do interesse da parte autora na propositura da demanda não pode ser reconhecido a partir de meras conjecturas, não cabendo ao juízo, sobretudo em segundo grau de jurisdição, investigar o ânimo da parte (Nesse sentido: Apelação n. 5030238-56.2020.8.24.0038, rel. Mariano do Nascimento, j. 04-02-2021 e Apelação n. 5007736-58.2020.8.24.0092, rel. Guilherme Nunes Born, j. 08-07-2021).

Salienta-se que o instrumento de procuração subscrito pela parte, cuja autenticidade não foi derruída, tem o condão de evidenciar a prévia ciência sobre o pleito vertido em juízo, bem como seu interesse na tutela jurisdicional vindicada.

Igualmente, não merece amparo o pleito de condenação do procurador da parte demandante nas penas de litigância de má-fé, especialmente em virtude de que a aplicação das indigitadas penalidades é dirigida às partes da relação processual instaurada, e não aos seus causídicos.

A propósito, entende-se que "o fato do procurador da parte autora ter ajuizado, supostamente, centenas de ações versando sobre os mesmos pedidos e causas de pedir, não o transforma, por si só, em causídico agressor. Isso porque se trata de seu ofício e, pelo visto, da matéria que, por ora, mais lhe condiz" (TJSC, Apelação n. 0301613-52.2019.8.24.0040, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 30-07-2020).

Em arremate, caso a instituição financeira entenda haver indícios de infrações disciplinares e condutas típicas, poderá buscar diretamente as autoridades administrativas ou o respectivo órgão de classe competente, se assim julgar necessário (Apelação n. 5001121-83.2021.8.24.0038, rel. Tulio Pinheiro, j. 01-07-2021).

III - Do julgamento do recurso

Trata-se de Apelação Cível interposta por JOAO MARIA RIBEIRO contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na "Ação Anulatória de Contrato de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável c/c Obrigação de Fazer, Restituição de Valores em Dobro e Danos Morais" ajuizada em desfavor do BANCO BMG S.A, ora Apelado.

a) Do julgamento do mérito

Inicialmente, imperioso destacar que a relação existente entre as partes está sob o albergue do Código de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT