Acórdão Nº 5001882-91.2021.8.24.0175 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 28-06-2022

Número do processo5001882-91.2021.8.24.0175
Data28 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5001882-91.2021.8.24.0175/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5001882-91.2021.8.24.0175/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: SENHORINHA FERNANDES MENDES (AUTOR) ADVOGADO: Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218) APELADO: BANCO BS2 S.A. (RÉU) ADVOGADO: DENIO MOREIRA DE CARVALHO JUNIOR (OAB SC060859A)

RELATÓRIO

Senhorinha Fernades Mendes ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral (RMC) em face de Banco Santander Brasil S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito (R$2.518,56 - dois mil, quinhentos e dezoito reais, e cinquenta e seis centavos) em dobro; e, 3) a condenação do banco demandado ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 9).

Contestação apresentada (evento 18).

Réplica no evento 22.

Sobreveio sentença de mérito, com o seguinte dispositivo (evento 24):

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedentes os pedidos.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade suspendo por força da Justiça Gratuita.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 31), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) preliminarmente, o deferimento da justiça gratuita; b) a declaração de nulidade do contrato relativo à reserva de margem consignável por cartão de crédito - RMC, e de inexistência de débito; c) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais, na importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), e à repetição do indébito em dobro.

Contrarrazões no evento 35.

É o relatório.



VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral (RMC), julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Pedido de concessão da justiça gratuita

De plano, infere-se que o benefício da justiça gratuita já restou concedido pelo juízo a quo no evento 9.

Nesse sentido, julgado deste Egrégio Tribunal:

[...] JUSTIÇA GRATUITA E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DEFERIMENTO EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NO PONTO. [...] RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E, NESTA, DESPROVIDO (Agravo de Instrumento n. 2014.015029-8, da Capital, rel. Des. Soraya Nunes Lins, j. 12-6-2014).

Assim, não se conhece do recurso no ponto, por ausência de interesse recursal.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário.

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento "Contrato de cartão de crédito" acostado no evento 18, contrato 4.

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da ora parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentada pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que a casa bancária sequer juntou as faturas relativas ao cartão de crédito supostamente contratado pela parte autora, para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que a consumidora submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

A propósito, em consonância com a Instrução da Normativa INSS/PRES, n. 100, de 28-12-2018, que alterou a Instrução Normativa do n. 28/2008, disciplinadoras da modalidade contratual sob enfoque (saque via cartão de crédito consignado), são necessários os seguintes requisitos:

"Art. 21-A Sem prejuízo das informações do art. 21, nas autorizações de descontos decorrentes da celebração de contratos de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, o contrato firmado entre o beneficiário do INSS e a instituição consignatária deverá, obrigatoriamente, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública n. 0106890-28.2015.4.01.3700, ser acompanhado de Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, que constará de página única, reservada exclusivamente para tal documento, constituindo-se instrumento apartado de outros que formalizem a contratação do Cartão de Crédito Consignado, e conterá, necessariamente:

I - expressão "TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", inserida na parte superior do documento e com fonte em tamanho quatorze;I

I - abaixo da expressão referida no inciso I do 'caput', em fonte com tamanho onze, o texto: "Em cumprimento à sentença judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 106890-28.2015.4.01.3700, 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Luís/MA, proposta pela Defensoria Pública da União";

III - nome completo, CPF e número do beneficio do cliente;

IV - logomarca da instituição financeira;

V - imagem em tamanho real do cartão de crédito contratado, ainda que com gravura meramente ilustrativa;

VI - necessariamente como última informação do documento, espaço para preenchimento de local, data e assinatura do cliente;

VII - as seguintes inscrições, todas registradas em fonte com tamanho doze e na ordem aqui apresentada:

a)"Contratei um Cartão de Crédito Consignado";

b)"Fui informado que a realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Crédito Consignado ensejará a incidência de encargos e que o valor do saque, acrescido destes encargos, constará na minha próxima fatura do cartão"; c)"A diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração/beneficio) e o total da fatura poderá ser paga por meio da minha fatura mensal, o que é recomendado pelo (nome da instituição financeira), já que, caso a fatura não seja integralmente paga até a data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor devido, conforme previsto na fatura";

d)"Declaro ainda saber que existem outras modalidades de crédito, a exemplo do empréstimo consignado, que possuem juros mensais em...

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